Contee denuncia ministro da Educação ao Ministério Público
A Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino protocolou representação por conta da tentativa de violar a autonomia universitária
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A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) protocolou, dia 28, representação no Ministério Público Federal (MPF) contra o ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, por violar Constituição ao buscar impedir que a Universidade de Brasília (UnB) analise o golpe de 2016, encabeçado por Michel Temer e que depôs a presidenta Dilma Rousseff.
Segundo o coordenador-geral da Contee, Gilson Reis, “é fundamental que o MPF adote todas as medidas administrativas e judiciais para coibir a conduta inconstitucional do ministro”.
O ministro acusou a UnB de promover “pensamentos político-partidário ao criar a disciplina ‘O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil'”, no curso de Ciências Políticas. Ele solicitou à Advocacia-Geral da União (AGU), ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao MPF a apuração de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela criação da disciplina.
A comunidade acadêmica respondeu de imediato ao despotismo ministerial: o tema do golpe será abordado nas universidades federais da Bahia e do Amazonas, além das estaduais da Paraíba e de Campinas.
De acordo com o professor Wagner Romão, da Unicamp, “não se trata de um posicionamento político-partidário, como a gente tem ouvido falar, mas de uma defesa da liberdade e da autonomia das universidades em promover conhecimento sobre a nossa realidade”.
Constituição maculada
O consultor jurídico da Contee, José Geraldo Santana, considera que a atitude do ministro viola o Art. 5º da Constituição (“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”), seu inciso IX (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”).
O artigo 206, que determina, dentre os princípios em que o ensino será ministrado, a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”; e ainda o artigo 207 (“As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.).
Na representação, a Contee acusa o ministro de “flagrante inconstitucionalidade”, pois “o que está sob discussão não é a simples defesa do Curso”, pretexto para o ministro “despejar a sua intolerância e o seu recorrente desapreço pela Ordem Democrática. O que, efetivamente, devem ser discutidos e coibidos são os atos atentatórios ao exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, que se constituem na espinha dorsal do Estado Democrático”.
De volta à ditadura militar
Para a entidade, o ministro quer restaurar o “famigerado Decreto-lei N. 1077/70”, que instituiu a censura durante a ditadura militar, assinado pelo general Emílio Garrastazu Médici, e sua conduta tem “o nauseabundo cheiro do multissecular ‘Index Librorum Prohibitorum’ – que, em tradução livre, significava índice dos livros proibidos –, que flagelou a humanidade, de forma impiedosa, de 1559 a 1966”.
Lembra também o livro Maleus Maleficarum (Martelo das Bruxas), de 1486, “que orientava os inquisidores sobre como identificar as bruxas e os seus disfarces, para levá-las a seu impiedoso destino: a morte, pelos meios mais cruéis até então conhecidos”.
A Contee considera que o ministro, “se não visa a morte física dos que pensam e agem de modo diverso, objetiva a morte dos alicerces da Ordem Democrática, que asseguram a liberdade intelectual, a de aprender e ensinar e o pluralismo de ideias e de concepção pedagógica”.
A conduta do ministro “tem por escopo a censura implacável e a proibição absoluta de leis, livros e cursos que não expressem, única e estritamente, a sua concepção de mundo”, afirma a representação.
Conduta semelhante à que foi rechaçada pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, quando se pronunciou favorável à Contee na Ação Direta de Inconstitucionalista (ADI) 5537 contra a Lei 7800/2016, do Estado de Alagoas (Lei da Mordaça).
O ministro lembrou que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação “previu que a educação deve se inspirar ‘nos princípios da liberdade’ e ter por finalidade ‘o pleno desenvolvimento do educando’ e ‘seu preparo para o exercício da cidadania’.
Determinou que o ensino deve ser ministrado com respeito à ‘liberdade de aprender e ensinar’, ao ‘pluralismo de ideias e concepções pedagógicas’ e com ‘apreço à tolerância'”. Afirmou, ainda, que a Constituição assegura “uma educação emancipadora, que habilite a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida, como ser humano, como cidadão, como profissional”.