Crescimento sustentável depende da retomada do investimento público
Em livro, economistas contestam a crença mágica do governo e do mercado de que os cortes nas despesas públicas trarão de volta a confiança na economia
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Para sair de uma crise econômica, como a que o Brasil enfrenta há quase cinco anos, os ideólogos do mercado afirmam que é preciso ajustar as contas públicas, cortando gastos do governo. Como num passe de mágica, a suposta redução na relação entre a dívida pública e o PIB contribuiria para a retomada da confiança do empresariado, que voltaria a investir, desencadeando um ciclo virtuoso de crescimento econômico. Essa receita da austeridade vem sendo tentada desde 2015, quando o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, iniciou o chamado ajuste fiscal. Após o golpe do impeachment, o governo Temer foi além, com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos os gastos do governo em áreas como saúde e educação – deixando de fora do teto apenas os gastos com o pagamento da dívida pública.
O governo Bolsonaro dobrou a aposta, e agora quer a chamada PEC emergencial que vai impor “gatilhos” para o caso de crise financeira na União, estados e municípios, proibindo, por exemplo, endividamento público para pagar as despesas correntes como os salários do funcionalismo público, benefícios de aposentadoria, contas de energia e custeios similares. Entre as possíveis medidas a serem tomadas, está a possibilidade de redução de jornadas e salários de servidores públicos.
Já a média dos investimentos públicos da União caiu de R$ 66,7 bilhões, no período anterior à crise, entre 2012 a 2014, para R$ 59,0 bilhões, entre 2015 e 2016. Nos últimos dois anos, os investimentos foram de R$ 46,1 bilhões e R$ 52,5 bilhões. Após pequena recuperação, os recursos voltaram a despencar, em 2019, para apenas R$ 22,7 bilhões. E as previsões para para 2020 são ainda piores, com gastos totais de R$ 19,3 bilhões, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional.
O resultado é que o país vem registrando crescimento pífio nos últimos anos, que não repõe as perdas econômicas causadas pelo período mais agudo da crise. No acumulado de 2015 e 2016, o PIB retraiu 7%. O crescimento registrado em 2017 foi de 1,1%, índice repetido no ano seguinte. Números divulgados pelo IBGE nesta semana apontam aumento de 0,6% do segundo para o terceiro trimestre de 2019. No acumulado para os quatro últimos trimestres, o crescimento registrado foi de 1%.
Para uma retomada do crescimento econômico, é preciso recompor os investimentos do setor público, dado o seu efeito multiplicador. Se aplicasse montantes elevados num programa amplo obras de infraestrutura, por exemplo, além da contratação direta, as empresas privadas responderiam positivamente, elevando também os seus investimentos. A contratação de trabalhadores aumentaria a demanda por produtos e serviços. O aumento do consumo e, consequentemente, da produção, resultaria na criação de novas vagas de trabalho, alavancando o crescimento econômico.
Essa é uma das ideias defendidas no livro O mito da Austeridade (Editora Contracorrente), organizado pelo economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor-doutor e diretor da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FEA-PUC-SP). Os artigos, escritos por ele e outros quatro economistas – Ladislau Dowbor, André Paiva Ramos, Mariana Ribeiro Jansen Ferreira e André Luis Campedelli – detalham os efeitos da atual crise econômica e o engodo representado pelo discurso neoliberal que aposta no corte de gastos, e os impactos de redução dos gastos públicos, não só nos investimentos, mas também nas políticas sociais, com consequências negativas para a maior parte da população.
Os únicos beneficiários são os bancos e investidores que investem em títulos da dívida pública, remunerados a altas taxas de juros e com recursos preservados de toda espécie de restrição ou congelamento, enquanto a milhões sofrem com desemprego e a informalidade. “A insistência em prática no Brasil em cortar gastos, especialmente em investimentos, cortar programas sociais, não leva ao pretendido ajuste, e, sim, agrava a crise, prejudicando evidentemente a população mais pobre”, afirma Lacerda. Ele destaca que, em períodos de deterioração econômica, só o estado tem capacidade para ampliar os investimentos, buscando reverter as expectativas dos agentes econômicos.
O pressuposto da austeridade diz que se o governo fizer um ajuste, cortando gastos públicos, aumenta a confiança dos investidores privados que, por sua, vez, levaria ao crescimento. Por que se trata de um mito?
Trata-se de uma discussão internacional. Europa e Estados Unidos passaram por um problema semelhante, a partir da crise de 2008. E está cada vez mais claro que essa pretensa retomada da confiança, que geraria o crescimento de uma forma automática, não se viabiliza. O prêmio Nobel de Economia Paul Krugmann diz que seria acreditar na ‘fada da confiança’. Na verdade, o que traz o crescimento econômico é o investimento, é a expectativa de demanda. Numa crise, esse investimento só pode ser realizado primordialmente pelo estado. A insistência em prática no Brasil em cortar gastos, especialmente em investimentos, cortar programas sociais, não leva ao pretendido ajuste, e, sim, agrava a crise, prejudicando evidentemente a população mais pobre.
O livro questiona esses aspectos. São cinco autores que contribuíram com artigos com os mais variados enfoques, desde a política monetária, política social à política fiscal, mostrando os equívocos desse processo, no Brasil, e quais as suas consequências. O livro tem a pretensão de os aspectos técnicos, mas numa linguagem que extrapole o campo dos economistas. Como dizia a economista Joan Robinson, uma das discípulas de John M. Keynes, a economia precisa ir além dos economistas. É preciso que os cidadãos se informem sobre economia para que possam influenciar nas decisões políticas.
Confira a íntegra da entrevista