Dandara Tonantzin: “Se a nossa presença incomoda, estamos no caminho certo”
Em entrevista ao Café PT, a presidente da Comissão da Amazônia, deputada federal Dandara Tonantzin, defende demarcações, fortalecimento da educação e combate à misoginia institucional
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A deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), primeira mulher negra a presidir a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados, participou nesta quarta-feira (2) do programa Café PT e falou sobre os desafios de seu mandato, os projetos em defesa da educação pública e da igualdade racial e de gênero. Ela detalhou suas batalhas contra a misoginia no mercado de trabalho e dentro da própria política institucional.
Com a realização da COP 30 em Belém do Pará em 2025, a Comissão da Amazônia terá papel central na articulação de políticas públicas de combate às mudanças climáticas. Para Tonantzin, esse é um momento estratégico para o Brasil mostrar que o desenvolvimento pode caminhar com preservação ambiental e justiça social.
“Vai ser fundamental a gente produzir no âmbito dessa comissão tanto intercâmbio com outros países […] como também ter proposições legislativas, novas ações, projetos de lei”, destacou.
Ela quer que o colegiado promova audiências públicas, seminários e escuta ativa com os povos diretamente impactados pelas decisões do Parlamento. “Tô muito feliz em assumir essa presidência num momento tão estratégico. Por isso que o PT priorizou essa comissão.”
Demarcação de territórios
Dandara Tonantzin defendeu o avanço urgente nas demarcações de territórios quilombolas, indígenas e de outras comunidades tradicionais. Segundo ela, o Brasil tem uma dívida histórica com esses povos, e o reconhecimento formal da posse da terra é um passo fundamental para assegurar políticas públicas e respeito aos modos de vida ancestrais.
“Nós ainda precisamos colocar e aportar mais recursos para que tenha a condição do INCRA fazer o georreferenciamento da área e reconhecer aquele território quilombola que já tem toda uma construção histórica, política, cultural há décadas, mas que o título ainda não chegou.”
Além da estrutura técnica, ela cobra uma postura mais firme do Congresso Nacional. “O parlamento brasileiro precisa segurar direitos e não atuar só para manter privilégios como tem acontecido há tantos séculos no nosso país.”
“Essa historinha de dar voz eu não acredito”
Questionada sobre a valorização dos saberes tradicionais em políticas públicas, a deputada rejeitou o discurso de que é necessário “dar voz” aos povos indígenas ou quilombolas. Para ela, essas comunidades já têm voz, e o que falta é escuta verdadeira por parte do Estado.
“Essa historinha de dar voz para os povos indígenas, dar voz aos quilombolas, eu não acredito. As pessoas têm voz, mas o problema é que nós não escutamos as vozes.”
Ela defende que a formulação de políticas de saúde e educação nos territórios seja feita a partir dos conhecimentos locais. “Ao chegar no quilombo, eu tenho que entender qual é a prática de saúde desenvolvida pelas matriarcas daquele território. Essa é a prática de saúde ancestral.”
Educação pública
Dandara Tonantzin é pedagoga, mestre em educação e filha de professores. Portanto, a sua atuação parlamentar está fortemente vinculada à defesa da escola pública. Ela destacou que este é um ano decisivo para o setor, com a reformulação do Plano Nacional de Educação (PNE).
“Nós queremos avançar para ter o melhor Plano Nacional de Educação da história do nosso país, mas um plano que também reflita a realidade, o chão da sala de aula.”
A parlamentar propõe um PNE antirracista, que fortaleça o ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas. “Mais de 70% dos municípios ainda não cumprem a lei 10.639. Nós queremos que a história do Brasil seja contada a partir de nós.”
Ela também apresentou um projeto de lei que assegura reajuste anual e automático do orçamento das universidades e institutos federais, corrigido pela inflação.
“O mínimo tem que ser assegurado na lei e pronto, acabou. Nossa luta é pelo teto, é pelo máximo.”
Não ao retrocesso
Tonantzin alertou para a tentativa da extrema-direita de barrar avanços no novo Plano Nacional de Educação, como ocorreu na década passada com os ataques à pauta de gênero.
“Nós não podemos deixar retroceder porque a extrema-direita com certeza vai disputar o novo PNE. […] Tinha uma loucura com a palavra gênero. Podia ser gênero alimentício, gênero literário. Se estivesse a palavra gênero, era assim. Loucura!”
Ela reforça que o PNE precisa refletir a diversidade da população brasileira e garantir educação integral, científica, tecnológica e com financiamento público sólido.
Machismo institucional e violência política
A deputada também falou sobre os obstáculos enfrentados pelas mulheres, especialmente as negras, na política. Primeira vereadora negra mais votada de Uberlândia e hoje a deputada negra mais jovem da Câmara, ela não romantiza sua trajetória.
“Nós somos interrompidas, silenciadas. […] Não é fácil você olhar pro lado e perceber que é a única mulher naquele espaço. Tem que provar que é 10, 20, 30 vezes melhor.”
A parlamentar afirma que a ocupação de espaços de poder por mulheres deve vir acompanhada de transformação real. “Nós queremos ocupar com muita qualidade o parlamento. Eu tenho muito orgulho de ser fruto dessa renovação política do PT.”
Cadastro de empresas misóginas
Dandara Tonantzin protocolou um projeto de lei que cria um cadastro de empresas misóginas e, simultaneamente, um selo para as empresas amigas das mulheres.
“Quantas mulheres já não ouviram ‘Ah, mas uma CEO mulher? Ih, mas se ela ficar grávida…’? Isso ainda existe. Não pode passar naturalizado. Você, mulher, não naturalize essa violência.”
Ela reforça que as mulheres devem denunciar e contar com instrumentos legais para se proteger. “Falar sobre isso significa ser demitida, perseguida. […] Queremos criar mecanismos que fortaleçam as mulheres.”
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Políticas sociais dos governos PT
A deputada elogiou ainda as políticas sociais dos governos do PT, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida (MCMV), que colocam as mulheres como titulares dos benefícios.
“Colocar o cartão do Bolsa Família no nome da mulher, colocar a casa do Minha Casa Minha Vida no nome da mulher gera autonomia para as mulheres. […] Essa autonomia muitas vezes quebra ciclos de violência.”
Para ela, autonomia financeira é uma das principais garantias para que as mulheres não permaneçam em relacionamentos abusivos.
A parlamentar também comemorou a aprovação, na Câmara, do projeto de sua autoria que institui o Dia Nacional do Congado e do Reinado, celebrado em 7 de outubro, data de Nossa Senhora do Rosário.
“O Congado e o Reinado são uma importante expressão cultural afro-religiosa do nosso país. Precisava de ter esse reconhecimento. Um dia nacional para chamar de seu.”
A proposta agora segue para o Senado e, depois, para a sanção presidencial. Segundo ela, a data servirá para ampliar o reconhecimento da cultura popular brasileira em escolas, mídias e espaços institucionais.
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“Ter uma data no calendário faz difundir e divulgar essa cultura popular tão importante pro nosso país.”
“Se a sociedade é machista, misógina, com tantos feminicídios e violência contra a mulher, nós não podemos ficar só agradando esse status quo. Nós temos que alterar o estado de coisas. E para alterar, temos que ocupar para transformar.”
Da Redação