Debate aborda cenário internacional e próximos passos do PT
Zarattini, Monica Valente, Valter Pomar e Misa Boito participaram na noite desta sexta, em Guarulhos, de discussão preparatória do 6° Congresso Nacional. Saiba como foi
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É preciso voltar até a crise de 2008 para entender o que se passa hoje no Brasil e definir os rumos do Partido dos Trabalhadores a partir de seu 6º Congresso Nacional, que acontece no início de junho e homenageia a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva. Foi esse o tom do debate preparatório intitulado “Cenário Nacional e Internacional”, realizado na noite dessa sexta-feira (03) no Sindicato dos Condutores de Guarulhos.
Estiveram presentes o Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP); a Secretária de Relações Internacionais do PT, Monica Valente; o professor da Universidade Federal do ABC, Valter Pomar; e a integrante do Diretório Estadual, Misa Boito. A mediação foi de Janaína Silva. Os debatedores apresentaram diferentes pontos de vista sobre a evolução da crise financeira iniciada há nove anos e suas consequências para as disputas de classe, assim como as relações desse contexto com o golpe contra a presidenta eleita Dilma Rousseff e os próximos passos a serem dados pelo partido.
Assista o vídeo com a íntegra do debate e, mais abaixo, alguns trechos da conversa:
Cenário Nacional e Internacional
Publicado por Fundação Perseu Abramo em Sexta, 3 de março de 2017
Crise do Capitalismo
Foi consenso entre os debatedores que para se compreender o atual momento político e econômico do Brasil e do mundo é preciso fazer uma análise partindo da última grande crise financeira.
Segundo Misa Boito, “é incontornável partir da crise aberta do sistema capitalista de 2008, que longe de ser resolvida, se aprofunda com a voracidade do capital internacional e abre uma metralhadora contra todos os povos, todos os direitos, todas as garantis sociais, para garantir a sobrevivência de um sistema baseado na propriedade privada, que ameaça toda a humanidade”.
Ela considera que a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e a saída da Inglaterra da União Europeia, chamada de Brexit não são obra do acaso, mas “antes de tudo expressão da crise de dominação política do imperialismo que acompanha a crise capitalista. Se inaugura no mundo uma era de incertezas, ninguém sabe para onde isso caminha. Enquanto isso o imperialismo aprofunda as guerras”.
Para Zarattini, “a crise foi originada no sistema financeiro. Os exageros que foram feitos no sistema financeiro, utilização de formas de valorização do capital sem lastro na economia concreta levou a milhões de desempregados na Europa, milhões de pessoas perderam casas nos EUA”.
O deputado afirma ainda que cada região do globo combateu a crise de uma maneira diferente: “nos Estados Unidos o governo injetou dinheiro para recuperar grandes empresas, na Europa a Alemanha impôs um programa de austeridade a outros países, tirando proveito da situação, enquanto no Brasil o governo Lula fortaleceu o mercado interno ampliando o crédito e investindo em infraestrutura”.
O professor Valter Pomar endossou Zarattini, mas complementou: “como prevaleceram no mundo soluções neoliberais, o resultado foi o aprofundamento da desigualdade social. Como parte da esquerda não ofereceu solução alternativa, a direita cresceu, com discurso populista”.
Monica Valente pontuou que “a análise da conjuntura internacional serve para nos situar na luta da classe trabalhadora, na luta da esquerda, para ver o que dessa realidade internacional influi na nossa realidade”.
A Secretária de Relações Internacionais do PT ressaltou ainda: “a crise internacional tem a ver com domínio dos bancos e fundo de investimento sobre a economia. Um dado de economistas da Unicamp (Universidade de Campinas) mostra que 80% das cadeias produtivas internacionais são dominadas por 800 megabancos e fundos de investimento. É a financeirização da riqueza e do capital. Quando houver a crise de 2008, a resposta que foi dada, com exceção do Brasil, foi de aumentar as políticas neoliberais de austeridade. Isso só aprofundou concentração de renda, causando estagnação econômica, crise social e política”.
Conjuntura mundial
Misa Boito diz que frente a um futuro instável, “a única certeza é que a classe trabalhadora vai buscar abrir uma saída, e para isso vai buscar apoiar-se em suas organizações para se defender”. Ela exemplifica ao contar que “mesmo na Europa, partidos que no governo aplicaram planos do imperialismo, como é o caso do partido trabalhista inglês ou o socialista da Espanha, mesmo esses que estavam desacreditados, passaram por um processo aonde a vontade de resistência da classe trabalhadora vez com que buscasse apoio nesses partidos”.
De acordo com Misa, “estamos em uma situação que pode ser descrita em duas palavras: socialismo ou barbárie. O futuro que o capitalismo apresenta é da destruição de direitos, de refugiados, destruição de empregos, do aumento da ideologia reacionária contra mulheres e negros”. Ela pondera que apesar da eleição de Trump ou do Brexit, “nada disso permite a alguém concluir que vivemos a endireitização dos povos. A eleição nos EUA é expressão disso. A situação hoje do Partido Socialista da França apenas mostra que os partidos que aplicaram políticas contra a classe trabalhadoras estão prestes a desaparecer”.
Já Zarattini afirmou que a resposta de Trump, apesar de nacionalista, racista e ultradireitista, busca entender o que o norte-americano quer ouvir. “Trump falou em enfrentar a crise protegendo emprego, fala de punição para empresas que saiam dos Estados Unidos, quer cobrar imposto de quem importa e dar benefícios a quem exporta”.
O parlamentar sublinhou ainda que “é uma mudança na forma como Estados Unidos atuarão nos próximos anos. Não haverá mais hegemonia por órgãos multilaterais, não querem saber de OMC (Organização Mundial do Comércio) ou Acordo Transpacífico, Nafta. Querem impor a política por suas próprias leis e própria regulação. Essa forma de ver a política o povo inglês também teve ao votar pela saída da União Europeia, para fortalecer economia inglesa”, avaliou o deputado. E completou: “a violência da política imperialista vai aumentar. Isso fica claro quando Trump diz que vai aumentar 10% do orçamento militar. O aguçamento das contradições entre países vai aumentar a tensão mundial, o nível dos conflitos e as guerras no mundo”.
Para o professor da UFABC Valter Pomar, “hoje a linha da classe dominante é sem conciliação. Tem gente que acredita que parte da classe dominante quer que o Lula volte, mas isso não vai ocorrer”. Para ele, os anos de 2017 e 2018 serão decisivos pois “todos sabem que foi golpe e eles precisam legalizar golpe. O que eles precisam é, em eleições livres, eleger um tucano. O problema é que estão em guerra interna e a situação internacional não ajuda”.
Monica Valente avalia que as respostas encontradas para a crise, como a eleição do Trump nos Estados Unidos, “são ruins para humanidade”. “Ao invés de entender que mundo precisa caminhar para convivência multilateral, vem esse protecionismo como no caso de Trump e Brexit, que são respostas que visam resolver o problema de maneira que só aprofunda a crise econômica e a diferença entre países”. Para ela, parte do movimento que se vê nos países do centro do capitalismo é uma tentativa de recuperar o poder econômico que vinha relativamente declinando. “O cenário é muito incerto”, completa.
Golpe no Brasil
“O golpe, nesse contexto de crise, em que o capitalismo não aceita políticas públicas, foi orquestrado pelo capitalismo internacional e pelos seus operadores locais”, explicou Misa Boito. Para ela, “depois da derrota do golpe, vieram as eleições e milhões deixaram de votar no PT, mas não foram para a direita. Os petistas anularam ou votaram em branco. A eleição refletiu o mesmo que a luta contra o golpe: saímos às ruas, mas as fábricas e a periferia não vieram, porque havia ressentimento com a política que vinha sendo aplicada, porque aquele discurso de combater ao capital financeiro não começou a ser aplicado”.
Já Zarattini destacou que “o governo do golpe não tem condições de se reciclar”. Ele explicou que a chamada reforma da Previdência na verdade é o desmonte da Previdência com o único objetivo de diminuir gastos “para que se tenha mais excedentes para pagar juros da dívida interna, para pagar o mercado financeiro. É tirar da boca de 23 milhões de aposentados para dar aos operadores do mercado. A destruição da Previdência e a terceirização servem para aumentar o grau de exploração patronal o país, pois com nossa taxa de juros, com um sistema de impostos improdutivos, obviamente que o custo de produção só se reduz com custo de mão de obra”.
Já o professor Valter destacou que “no Brasil a crise de 2008 mudou a postura do capital brasileiro em relação à esquerda. Nos suportavam e toleravam, mas a partir do momento que os efeitos entraram pesados em 2011, mudaram de política e tomaram decisão como classe”. Ele diz que “Dilma não caiu porque não conversou. Houve decisão da classe dominante com seus partidos e base social de vir pra cima de nós com tudo. Não nos preparamos para isso. Tanto que o vice-presidente golpista, nós que colocamos lá. Quem votou no impeachment era da base do governo, quem fez campanha eram meios de comunicação financiados pelo governo”.
Monica ressaltou que o golpe contra Dilma veio em um cenário de crise econômica internacional e de instabilidade, “buscando fazer no Brasil o que os golpistas não conseguiram aprovar e ganhar nas eleições passadas, que é a política neoliberal: redução do Estado, reforma trabalhista, dar a Previdência para sistema financeiro”. A Secretária de Relações Internacionais acrescenta que “buscaram dar o golpe para implementar o projeto neoliberal”.
Tática e estratégia
Para o futuro, Misa Boito afirma que “temos que combater e dizer que esse governo não tem legitimidade para fazer nada, apenas desocupar o planalto. Isso demonstra a esquina em que o PT realiza o sexto congresso. Ou nós rompemos com qualquer acomodamento com a politica pró-capital financeiro ou não vamos sobreviver”. Ela destaca que “esse congresso tem mais do que nunca a tarefa urgente de colocar como carro guia da política o Fora Temer. Essa palavra de ordem não pode ser abandonada e não devemos fazer concessão aos golpistas”.
Misa defende que “precisamos discutir urgentemente uma constituinte para destravar as reformas tributária, agrária e da mídia. Nesse congresso, nem o PT e nenhuma corrente tem direito de propor que a gente continue a incorrer nos erros que nos levaram a essa situação que é a mais difícil que o partido já enfrentou”.
Seguindo uma linha similar, Zarattini avalia que “não vamos fazer acordo com a direita, ela quer nos exterminar. Não tem acordo possível”. Para ele, “não é só pensar em Lula em 2018, isso é fundamental, mas se não fizermos a luta política e social agora, estaremos fracos em 2018”. Para o deputado, agora “temos oportunidade enorme de colar com a massa. É nossa oportunidade de sair para rua e mobilizar. Temos que fazer luta social e política permanente, mas não é pela internet, temos que ir para a rua mesmo.”
Valter defende que são três os desafios que o Congresso tem que enfrentar: primeiro, “como derrotar a direita, que está em ofensiva brutal, não só contra direitos, mas também contra formas de organização da classe trabalhadora”; segundo, “discutir como recuperar o apoio da classe trabalhadora, pois uma parte continua conosco, uma parte decidiu não votar e uma parte que estava conosco votou na direita”, terceiro, “é preciso reformular uma nova linha política porque o mundo e o Brasil mudaram profundamente, do ponto de vista estratégico.
Para o professor da UFABC, há duas questões: “Qual lula e qual PT são capazes de enfrentar essa situação?” Ele afirma que “temos que definir se teremos a campanha de 1989 ou de 2002. Se teremos enfrentamento brutal ou campanha de conciliação. O Lula que vai apresentar programa de centro esquerda ou de esquerda? Essa questão de tática é decisiva”. Valter também defende que o partido precisa de disposição para mudar de estratégia. “Precisamos de um partido que se disponha à luta social e à luta cultural, temos que fazer um trabalho de mudança ideológica cultural. Nosso partido ainda está na defensiva, acanhado em debates fundamentais e por fim precisamos mudar o próprio partido em termos de participação política, comunicação, sustentação financeira”.
Monica usou como exemplo bem-sucedido o passado recente da América Latina, que teve “governos progressistas e revolucionários, com grande capacidade, especialmente antes da crise, todos com claro programa anti-neoliberal, de desenvolvimento econômico, políticas de proteção social e projetos de inserção em bloco”. Ela ressalta que a integração regional foi a melhor estratégia para integrar os países na economia globalizada. “Essa estratégia que pos nossa região como protagonista no cenário internacional”.
Como definições imediatas que o congresso deve, Monica destaca que é preciso “incentivar a luta do Fora Temer e de resistência a todas as reformas como estamos fazendo”. Elas acrescenta que “temos de fazer a luta de resistência, mas também a disputa política de ideia e de sonhos. Fiz greve por muito tempo e o povo só vai com esperança de conquista. Temos que criar a esperança de que o país pode ser melhor”.
Monica acrescenta ainda que é necessário “lançar a candidatura do Lula o quanto antes, para agregar mais gente. Essa é uma maneira de sensibilizar e reconquistar a classe trabalhadora que ficou desanimada por nossos erros”. Ela conclui afirmando que “o PT precisa mudar bastante. Precisamos equilibrar a luta com a atividade parlamentar, mudar estratégias, ver outras experiências, fazer debate e mudança nos métodos do PT”.