Ford de Camaçari: Desembargador libera demissões em massa; MPT diz que só após negociação coletiva

Montadora norte-americana não precisa mais de aval do sindicato para dispensar funcionários na fábrica de Camaçari (BA). Liminar que suspendeu os cortes na unidade de Taubaté (SP) enquanto negociações não se concluírem ainda está mantida. Em dois meses, quatro fábricas de veículos foram postas à venda no país

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Protestos contra fechamento da Ford

O desembargador Edilton Meireles de Oliveira Santos, da Justiça do Trabalho da 5ª Região, na Bahia, decidiu em liminar que a Ford pode demitir em massa os funcionários de sua fábrica em Camaçari (BA), independentemente do resultado das negociações coletivas. A medida suspende decisão anterior, segundo a qual a dispensa somente poderia ocorrer após a empresa “lograr êxito” nas negociações com os trabalhadores.

O Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari defende que a montadora ainda precisa esgotar o processo de conciliação antes de demitir. Para o presidente da entidade, Julio Bonfim, as mudanças acatadas pelo desembargador tratam-se apenas de correções, e as negociações com a Ford seguem inalteradas.

Em nota, divulgada no domingo, 14, o Ministério Pública do Trabalho (MPT) esclareceu que a Ford somente pode dispensar trabalhadores após negociação coletiva. No documento, o MPT afirma que a decisão do TRT da Bahia, entre outros pontos, manteve a ordem de a empresa abster-se de dispensar coletivamente os empregados até o encerramento da negociação coletiva.

“A gente quer chegar em um consenso para dar uma reparação financeira aos trabalhadores, para dar o mínimo de estabilidade social, para dar pelo menos uma sobrevida para minimizar o impacto da saída da empresa”, disse Bonfim. “A gente quer negociar até chegar em uma posição financeira positiva para os trabalhadores.”

Segundo Bonfim, está marcada uma reunião com a mesa diretora da Ford nesta segunda (15). Há também uma nova audiência de conciliação no TRT-5 na quinta (18).

O juiz substituto Leonardo de Moura Landulfo Jorge, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT5), emitiu no dia 5 liminar que proibia dispensa coletiva antes da conclusão das negociações. Na decisão, o juiz também apontou entraves impostos pela montadora na negociação coletiva. A multa, em caso de descumprimento de cada item da liminar, era de R$ 1 milhão, acrescida de R$ 50 mil por trabalhador.

Desde então, a Ford estava impedida de demitir os funcionários das fábricas de Camaçari (BA) e Taubaté (SP) sem que antes negociasse as indenizações com os sindicatos. A montadora também não poderia suspender funcionários nem o pagamento dos salários e das licenças remuneradas durante as tratativas.

Quatro fábricas à venda em dois meses

A alta ociosidade tem levado gigantes da indústria automotiva a suspenderem suas operações no Brasil após décadas de atuação. Nos últimos dois meses, quatro fábricas foram colocadas à venda. A primeira foi a da Mercedes-Benz, que em dezembro anunciou o encerramento de sua linha de produção de carros de luxo em Iracemápolis (SP).

Após encerrar, em 2019, a produção de caminhões em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, a Ford anunciou em janeiro o fechamento das demais fábricas no país: Camaçari (BA), onde produz os modelos EcoSport e Ka; Taubaté (SP), que produz motores; e Horizonte (CE), onde são montados os jipes da marca Troller.

O complexo da Ford em Camaçari abriga vários fornecedores de peças que eram conectados à linha de montagem. A intenção do grupo é vender as instalações para uma empresa que mantenha a produção de veículos. Esse também era objetivo para a planta do ABC paulista, mas a área acabou vendida para a construção de um centro logístico.

O governo da Bahia falou com embaixadores da Coreia do Sul, da Índia e do Japão para pedir ajuda na busca de interessados. Para a área da filial de motores, em Taubaté, o desejo também é que fique com empresa automobilística, mas as chances são ainda menores do que na Bahia.

O prefeito de Horizonte (CE), Manoel Gomes de Farias Neto, o “Nezinho”, afirmou à Agência Estado que a fábrica do Troller, que responde por 4% da arrecadação do município de 72 mil habitantes e emprega 500 profissionais, “é um orgulho para a cidade, gera bons empregos, renda e arrecadação”.

Governo do Ceará, Federação das Indústrias, Ministério da Fazenda e Prefeitura de Horizonte buscam interessados em adquirir a empresa. O secretário do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Maia Junior, afirmou que o estado estenderá ao comprador o benefício fiscal oferecido a todas as indústrias que se instalam no Ceará, que é o prazo de 36 meses para recolhimento de 75% do valor do ICMS.

“A prioridade do Ceará é a garantia da produção do Troller, que é genuinamente cearense desde o desenvolvimento, e a garantia dos empregos de hoje. “Não queremos ninguém para construir galpões e só daremos o benefício com essas garantias; fora disso não tem conversa”, afirma Maia.

A fábrica começou a operar em 1995 pelos esforços do cearense Rogério Farias. Em 1997, Farias associou-se ao empresário Mário Araripe, e a fábrica ganhou linha de montagem para produção em série. Após a saída de Farias, em 2002, Araripe comandou a Troller até 2007, quando a vendeu para a Ford.

A Ford adquiriu a Troller para poder transferir à fábrica de Camaçari (BA), inaugurada em 2001, benefícios do regime automotivo especial do Norte e Nordeste, que dá isenção do IPI. Como na época o programa valia para quem já estava instalado nas regiões, foi a estratégia da montadora americana de escapar do recolhimento de alguns impostos.

O Brasil tem capacidade para produzir de 4,5 milhões a 4,7 milhões de veículos, já descontados os números da Ford. O maior volume registrado até agora foi de 3,7 milhões em 2013; neste ano, a projeção é de 2,5 milhões. A indústria mundial produziu 91 milhões de veículos em 2019 e, no ano passado, 76 milhões.

Carreata em Taubaté (SP) protesta contra demissões na Ford

Manifestações na Bahia e em São Paulo

Os trabalhadores da Ford pelo país organizam manifestações em busca de solução. Na quinta (11), mulheres metalúrgicas realizaram ato em favor das trabalhadoras e trabalhadores em frente à prefeitura de Camaçari. O ato foi organizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, União Brasileira de Mulheres (UBM-BA) e Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos e Mineradores da Bahia (FETIM).

Juliana Campos, presidenta da UBM, informou que, além da manifestação, as representantes das entidades reuniram-se com Elinaldo Araújo, prefeito de Camaçari, para dialogar sobre o fortalecimento do Conselho Municipal da Mulher e da Secretaria de Mulheres. Elas querem um programa de capacitação e uma linha de crédito para mulheres empreendedoras retornarem ao mercado de trabalho.

Em Taubaté (SP), os funcionários da Ford promoveram na sexta (12) a segunda carreata, com 300 veículos, exigindo um acordo que reduza o impacto da medida. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o fechamento da fábrica terá um impacto anual de mais de R$ 93 milhões em Taubaté, levando em conta apenas a massa salarial dos 830 trabalhadores diretos da montadora.

“Tivemos a participação das famílias e pessoas acenando nas ruas em apoio à nossa luta contra as demissões em massa. Conseguimos sensibilizar a sociedade e isso é fundamental para defendermos os empregos e reverter as demissões”, afirmou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté e Região (Sindmetau), Claudio Batista, o Claudião.

Em janeiro de 2020, havia sido aprovado acordo que previa estabilidade no emprego até dezembro deste ano. Os empregados estão de licença remunerada desde o anúncio do fechamento. Na semana passada, a Ford convocou alguns para a produção, mas o pedido não foi atendido. Funcionários mantêm uma vigília em quatro turnos diante da empresa para impedir que haja o desmonte dos maquinários. Dentro, apenas serviços essenciais e de terceirizados.

“Não esperávamos uma decisão tão cruel como foi essa”, afirmou Sidivaldo Borges, do comitê sindical, à ‘Rede Brasil Atual’. “Desde 2013, o sindicato e os trabalhadores têm feito acordos com o discurso de que a fábrica precisava ser competitiva”, lembra, acrescentando que o acordo de janeiro de 2020 veio acompanhado de promessas. “Os trabalhadores se sentiram traídos. A nosso ver, a Ford aproveitou a pandemia.”

“O que a sociedade precisa saber é que o sindicato e os trabalhadores fizeram sua parte. Reduziram os custos da empresa para que a fábrica continuasse produzindo”, prosseguiu o sindicalista. Hoje com 830 empregados diretos, a unidade chegou a ter 2,3 mil profissionais em sua linha de montagem.

Neilor de Oliveira, com 30 anos de empresa, afirmou à ‘Rede Brasil Atual’ que não tem expectativa de que a situação se reverta: “É uma coisa que vem da matriz. E o nosso governo não ajuda ninguém, lavou as mãos, fica difícil”.

O metalúrgico mencionou o programa Inovar Auto, regime automotivo criado pela então presidenta Dilma Rousseff em 2012 que elevou em 15% a eficiência energética dos veículos e foi encerrado pelo usurpador Michel Temer em 2017, para lamentar que o Brasil tenha ficado sem política industrial desde o golpe de 2016.

“As empresas que não têm sede agora (no Brasil) vão poder trazer os carros de fora e pagar o mesmo IPI. É uma coisa que o governo poderia mexer. Hoje é a Ford. Amanhã pode ser Fiat, GM, Honda”, afirmou.

Da Redação, com CUT e Rede Brasil Atual

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