Desmonte da Previdência pode resultar em “cidades fantasmas”
Aposentadoria é a principal fonte de renda dos pequenos municípios brasileiros. Reforma de Temer poderá ter impacto brutal na economia local
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O desmonte da Previdência terá um impacto brutal na economia local, segundo previsão de economistas que estudaram a proposta. Um estudo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) mostra que o dinheiro proveniente da Previdência é o principal recurso de 70% dos municípios. Além disso, essa receita é maior que a transferência do Fundo de Participação dos Municípios em 75% dos casos.
O presidente golpista Michel Temer enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para mudar o regime previdenciário e retirar o direito da aposentadoria de milhões de brasileiros. Isso porque ele vai impor uma idade mínima de 65 anos – em muitos lugares, acima da expectativa de vida – e tempo mínimo de contribuição de 25 anos. Para a aposentadoria integral, no entanto, seriam 49 anos. Nesse cenário, os principais atingidos seriam os trabalhadores rurais e as mulheres.
“A Previdência hoje tem o poder de promover a economia regional”, afirma Eduardo Fagnani, economista e organizador do estudo “Previdência: reformar para excluir”. Segundo o economista, a aposentadoria possibilita um efeito distributivo das cidades maiores, com maior número de contribuintes, paras menores.
O economista ressalta que a maioria dos municípios brasileiros têm até 20 mil habitantes, e possuem uma economia simplificada, sem indústria ou serviços complexos. O dinheiro que chega para a Previdência funciona como um estímulo econômico para essas pequenas cidades.
Segundo Fagnani, sem esse estímulo, a reforma pode criar cidades fantasmas, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos com cidades que floresceram com a indústria automobilística e, com seu declínio, foram abandonadas.
A redução da aposentadoria rural também causará impactos na economia das pequenas cidades. De acordo com o economista, são 10 milhões de famílias rurais que recebem o benefício, o que representa 30% de sua receita. Essa política, instituída com a Constituição de 1988, permitiu a fixação do trabalhador rural no campo e reduziu a migração para as grandes cidades.
A reforma vai acabar com o regime especial da Previdência, que possibilita que trabalhadores rurais de 60 anos e trabalhadoras rurais de 55 anos se aposentem ganhando um salário mínimo. Além disso, permite a contribuição sobre a produção, e não mensal, já que estes trabalhadores muitas vezes são pequenos produtores e não possuem uma renda mensal.
Quebra da Previdência
Outra consequência será enfraquecer o próprio regime previdenciário. Isso porque a tendência é que, se aprovada, as mudanças possam desencorajar contribuições. “O jovem pensa: se eu não vou usar, para que eu vou pagar?”, explica o economista.
O desmonte também provocará um efeito recessivo na economia, o que também influi na redução dos pagamentos previdenciários, já que as contratações podem cair.
Por fim, a reforma trabalhista que o presidente golpista pretende aprovar – que estimula o trabalho temporário – vai aumentar a informalidade e, portanto, reduzir a contribuição previdenciária. “A quebra da Previdência por falta de receitas é um cenário totalmente possível, mas não pelas razões que o governo alega”, diz.
Acirramento da desigualdade
A reforma da Previdência faz parte da disputa pelo orçamento público, explica Fagnani. “Os detentores da riqueza nunca aceitaram que os movimentos sociais, em 1988, capturaram 10% do PIB com a seguridade social”, diz ele. E desses 10%, 7,5% vão para a Previdência.
Sem a aposentadoria pública, de 20% a 30% das pessoas correriam para os planos de Previdência privada. O resto permaneceria sem proteção. “Em algumas décadas, teremos uma quantidade extraordinária de idosos sem nenhuma renda”, afirma. “Será uma mexicalização do Brasil, uma pobreza explosiva e sem amparo nenhum”.
“Que país os reformadores estão projetando para 2060?”, questiona. Segundo ele, desde 1988, o país começou a resolver a desigualdade social herdadas do século XVIII e XIX. “E agora estamos agravando a desigualdade social do país”, afirma. “Em 1988, foi a primeira vez em 500 anos que tivemos cidadania social. Mas sequer arranhamos essa crônica desigualdade”.
Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias