“Dia da Terra: ‘Turning point’ mundial”, por Vanessa Negrini
O futuro do mundo é projeto que devemos decidir coletivamente, com um plano de ação para ser colocado em prática pelos Estados Nacionais, afirma a articulista
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Você já sentiu como se estivesse testemunhando algo extraordinário prestes a ocorrer? Um “turning point” é aquele momento em que algo muito importante acontece e muda todo o curso de uma trajetória, seja de forma positiva ou negativa. Para uma pessoa, o ponto crítico pode ocorrer na conclusão de uma graduação, por exemplo. Para um casal, o nascimento de um filho. Para um país, a deflagração de um Golpe. Para a humanidade, estamos passando por este ponto de inflexão. No futuro, estes dias serão lembrados pelas decisões que tomaremos agora.
O Dia da Terra, comemorado anualmente em 22 de abril em todo mundo, nos impele a refletirmos sobre o que precisa ser feito imediatamente para que este futuro tenha chances de chegar. Nenhum outro debate é tão urgente e importante, pois estamos falando de criarmos as condições de continuidade da vida humana na Terra. São decisões inadiáveis que precisam estar na mesa de todos os líderes internacionais para efetivamente colocarmos em prática tudo o que já sabemos que precisa ser feito para limitar o aquecimento global a 1,5°C até 2040.
Com o atual aquecimento de 1,1°C as mudanças climáticas já estão causando perturbações em todas as partes do mundo. Secas severas, calor extremo e inundações recordes já ameaçam a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas. Desde 2008, inundações e tempestades de grandes proporções forçaram mais de 20 milhões de pessoas por ano a deixarem suas casas. E as políticas atuais abrem caminho para um aquecimento global de +3,2°C até o final do século.
O recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgado pela ONU aponta propostas firmes para conter o aquecimento global. Agora é tempo agir.
O futuro do mundo é projeto que devemos decidir coletivamente, com um plano de ação para ser colocado em prática pelos Estados Nacionais. É preciso estabelecer e executar políticas globais de enfrentamento ao problema. O tempo exige uma intervenção profunda e imediata, que somente será possível na velocidade necessária com a adoção de ações governamentais articuladas. Salvar o mundo precisa ser um projeto de Estado.
O IPCC estima que ao longo da próxima década as mudanças climáticas vão colocar entre 32 milhões e 132 milhões de pessoas na pobreza extrema. Com 1,5°C de aquecimento muitas geleiras em todo o mundo vão desaparecer por completo ou perder a maior parte de sua massa; um adicional de 350 milhões de pessoas enfrentarão escassez de água até 2030; e até 14% das espécies terrestres estarão em risco de extinção. Se o aquecimento passar de 1,5°C, ainda que temporariamente, efeitos muito mais severos e até irreversíveis vão acontecer, como a morte massiva de florestas.
As medidas apontadas pelo IPCC passam pela redução drástica do transporte aéreo, abandonar os veículos com combustíveis tradicionais em favor dos elétricos, refundar a cadeia alimentar, reduzir o consumo de carne, repensar a forma como as casas são construídas. Precisaremos substituir as energias fósseis; trocar petróleo, gás e carvão por energia solar e eólica.
Com relação aos desafios específicos que se impõe ao Brasil, acabar com a emissão de gás metano é o nosso calcanhar de Aquiles. O IPCC aponta que precisamos reduzir em 30% as emissões de gás metano até 2030. O Brasil é o quinto maior emissor global de metano por causa principalmente da pecuária, uma vez que 61% das emissões de gases do agronegócio vem da fermentação entérica do gado. Então precisamos decidir enquanto nação se vamos continuar investindo subsídios públicos em uma atividade de grande degradação ambiental, mas que só fornece 1/5 das calorias consumidas pela população mundial, ou se vamos fomentar políticas públicas para difusão das proteínas de fontes vegetais.
Todos os anos, a poderosa indústria agropecuária recebe R$12 bilhões e 300 milhões em subsídios governamentais. A maior parte da produção vai para fora do país, não gera riqueza ou comida para o nosso povo. Os lucros são concentrados apenas no agronegócio. Já a devastação ambiental e climática é socializada com todos, até mesmo com quem está na fila do osso.
A captura de CO2 também é outro desafio que se impõe ao Brasil. Precisamos plantar muito mais árvores e impedir o desmatamento. A pecuária responde por 80% do desmatamento da Amazônia e 50% do Cerrado. A tão comemorada aprovação da regulamentação do comércio global de crédito de carbono na COP-26 ainda carece de métricas transparentes e regras claras de destinação dos recursos e de mecanismos eficientes de compensação.
Hoje, 14% da população brasileira se declara vegana ou vegetariana, um universo de 30 milhões de pessoas. A motivação está na saúde, na preocupação com os direitos animais e, especialmente, com a nossa própria sobrevivência, pelo impacto da produção da carne no aquecimento global. Entretanto, somente com um projeto de Estado poderemos acelerar as mudanças necessárias. Este é o nosso “turning point” mundial. E no futuro vamos desejar ter tido a coragem para agir e fazer o que precisa ser feito.
Vanessa Negrini é mestre e doutora em Políticas de Comunicação e Cultura (UnB). Coordenadora executiva do NEDAI – Núcleo de Estudos sobre Direitos Animais e Interseccionalidade. Coordenadora Nacional do Setorial de Direitos Animais do PT