Dilma Rousseff: o agora e o amanhã

Em artigo publicado originalmente na Carta Capital, ex-presidenta avalia os fracassos (entre tantas outras áreas) da política ambiental de Jair Bolsonaro

Guilherme Santos/Sul21

Presidenta eleita Dilma Rousseff em sua casa em Porto Alegre

O Brasil e o mundo enfrentam grandes desafios: preservar o meio ambiente, combater a pobreza e a desigualdade. Hoje, somos 7,6 bilhões de pessoas. A temperatura global está 1,2 grau acima dos níveis pré-industriais e, sem ações urgentes, as mudanças climáticas podem levar, de acordo com a ONU, mais 100 milhões de pessoas à pobreza nos próximos anos. Os riscos são insegurança alimentar, fortes restrições às atividades produtivas e extinção de espécies.

Os impactos climáticos sobre a pobreza e a fome são muito maiores do que se imaginava. Relatório do Banco Mundial indica que o impacto anual de desastres naturais extremos já é equivalente a 520 bilhões de dólares em perdas na capacidade de consumo. Todas as ações direcionadas à redução das mudanças do clima, em especial as contribuições nacionais determinadas (CND), devem, de fato, estar intrinsecamente associadas ao objetivo de erradicar a pobreza extrema.

A consciência sobre essa situação-limite está mobilizando, mundialmente, a sociedade e a juventude. A COP-25, cúpula do clima organizada pela ONU, reunida em Madri, acabou em um impasse sobre as regras do mercado de comercialização de carbono, um dos requisitos estratégicos para conter o aumento da temperatura.

Estamos diante de um retrocesso. Está cada vez mais evidente que dificilmente o Acordo de Paris será cumprido. Adotado em 2015 por 197 países, buscava limitar o aquecimento em até 1,5 grau em 2030. Dentre os compromissos do acordo havia a garantia de financiamento de 100 bilhões de dólares para as ações de redução, mitigação e adaptação para conter a mudança do clima nos países em desenvolvimento. Isso não está ocorrendo.

O neoliberalismo e a financeirização não permitiram reduzir as assimetrias competitivas e tecnológicas nem trouxeram a convergência dos níveis de renda ou a diminuição das desigualdades. A crescente e acelerada exploração dos recursos naturais e o aquecimento global inviabilizam as economias em desenvolvimento, levando-as a repetirem o caminho dos países desenvolvidos que produziram a crise ambiental de hoje. Isso coloca na ordem do dia a construção de uma nova ordem econômica sustentável.

Algumas das respostas estavam materializadas nos recentes acordos internacionais relacionados aos temas-chave do desenvolvimento sustentável e expressavam um consenso internacional mínimo.

O Acordo de Paris e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e seus 17 ODS apontam para uma visão de futuro e um plano de ação em favor das pessoas, da sociedade e do planeta. A erradicação da pobreza é o maior desafio mundial e requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Com o compromisso de não deixar ninguém para trás, a Agenda 2030 definia medidas audazes e transformadoras para reconduzir o mundo ao caminho da sustentabilidade e da resiliência.

O Acordo de Paris possibilitou que cada país definisse seus compromissos, por meio de contribuições nacionalmente determinadas. O Brasil apresentou e ratificou a sua CND, comprometendo-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025 e, de forma indicativa, em 43%, até 2030.

Tal acordo parece, entretanto, cada vez mais distante de ser cumprido. Os Estados Unidos, que aderiram em 2016, anunciaram, no ano seguinte, a intenção de se retirar. Vale recordar que China, EUA e Europa respondem pela metade das emissões de gases de efeito estufa do planeta. E, sem os esforços dos Estados Unidos, é muito difícil cumprir o Acordo de Paris.

A ausência dos EUA provocará um efeito deletério na cooperação voluntária, acendendo o sinal vermelho a indicar que a concorrência internacional entre países vem, de forma crescente, constituindo o principal argumento para eventuais reduções de compromissos. Podemos ser obrigados a conviver com CNDs menores ou mesmo defasadas. Ou seja, caminhamos para uma crise.

Mais do que uma rejeição ao consenso científico, o que realmente motivou o governo americano a propor a saída dos EUA foi o cálculo econômico. Donald Trump deixa claro que considera o Acordo de Paris contrário aos interesses dos EUA. O clima vem sendo, cada vez mais, tratado como uma questão geopolítica.

Os atuais padrões de desenvolvimento não têm levado os países à sustentabilidade

Ignacio Arriaga, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), alerta que a política de Trump tornará impossível que os EUA cumpram as metas assumidas no Acordo de Paris. Os Estados Unidos retrocedem na liderança internacional e deixam um espaço que a China e a Europa podem ocupar. Mas outros problemas estão na mesa.

A CND da Europa é uma das mais altas: uma redução de 40%, em 2030, em relação aos níveis de 1990. De acordo com relatório do Carbon Market Watch, Suécia, Alemanha e França pressionam para que haja um desenvolvimento ambicioso das políticas climáticas. Enquanto outro bloco, cuja cabeça visível é a Polônia, rema na direção oposta. A Alemanha, no entanto, é cobrada por não reduzir de forma suficiente o uso do carvão energético e substituí-lo por energias renováveis, como a eólica e a solar.

A contribuição da China – país que mais emite gases de efeito estufa nesta fase da história, devido ao seu crescimento acelerado – está baseada no princípio definido pelo Protocolo de Kyoto, “contribuições comuns, porém diferenciadas”. O argumento de Pequim é que, como seu desenvolvimento industrial é tardio, a China não faz parte do grupo de países que desencadearam a mudança climática e geraram séculos de emissões de CO2. Assim, o compromisso chinês é atingir o pico de suas emissões em 2030 e reduzi-las fortemente a partir daí. Os analistas, porém, acreditam que esse pico e a consequente redução das emissões chegarão antes, graças ao abandono pelos chineses do carvão e ao avanço das energias renováveis, a eólica e a solar. De acordo com um relatório da London School of Economics, isso aconteceria em torno de 2025.

A desigualdade gera ineficiências na economia. Ela não apenas se tornou uma ferida social e moral, como deteriora o ambiente institucional

Um grande problema passou a ser o Brasil com o atual governo, assumidamente contrário ao Acordo de Paris. Tal posição prejudica os compromissos firmados pelo País durante a COP-21.

A pauta ambiental foi compromisso prioritário dos governos do PT, assim como o combate à pobreza. Reduzimos o desmatamento da Amazônia em 71%, entre 2003 e 2015. Esse êxito no combate ao desmatamento ilegal foi o mais importante resultado global obtido na redução de emissões de carbono. Isso deu ao Brasil protagonismo nas negociações internacionais sobre clima e biodiversidade.

Ao mesmo tempo, reafirmamos o nosso compromisso com as energias renováveis. Ampliamos uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. Em 2018, 45% da oferta de energia vinha de fontes renováveis. Cada brasileiro produzindo e consumindo energia emitiu cerca de 7,5 vezes menos CO2 do que um americano e 3 vezes menos do que um europeu ou um chinês. E a economia brasileira é, em média, 17% menos intensa em carbono do que a europeia, 48% menos do que a americana e 68% menos do que a economia chinesa.

O poder de destruição do atual governo brasileiro vem permitindo o aumento do desmatamento ao desregulamentar a proteção ao meio ambiente, destruir a política de reservas ambientais e indígenas, desprezar o Código Florestal e a lei de terras, sancionando, ao mesmo tempo, a matança de líderes indígenas.

Em apenas 11 meses de governo, os resultados são assustadores. O desmatamento na Amazônia chegou a 563 quilômetros quadrados, em novembro, 103% a mais do que em novembro de 2018, segundo o Inpe. Isto eleva o desmatamento total no período janeiro-novembro para 8.934 quilômetros quadrados, que é 83% maior do que o ano anterior, equivalente a uma área quase do tamanho de Porto Rico. As imagens de satélite mostram um dos motivos desse absurdo: a expansão nos focos de exploração de minério ilegal, que vem se acentuando desde janeiro.

O horizonte que se avizinha, portanto, é de enormes desafios na construção do futuro do planeta. Há uma urgência em recuperar o dinamismo da economia global, combater a desigualdade crescente e a miséria endêmica, e enfrentar o aquecimento global que inviabiliza a vida no planeta.

COP25: mais um fracasso

O alerta é que o atual estilo de desenvolvimento é insustentável. A financeirização global da economia impõe não só a desigualdade, mas a lógica do curto prazo como critério de julgamento. Isso é incompatível com o combate às mudanças climáticas.

A economia mundial tem crescido cada vez menos e se tornado instável. O comércio exterior deixou também de ser o principal motor do PIB global. O viés recessivo da demanda mundial é um dos fatores que apontam para a insustentabilidade econômica dos padrões de desenvolvimento vigentes. Como mostra a editora do Financial Times, Rana Fohoorar, as finanças tornaram-se um “vento contrário” ao crescimento econômico e não mais um catalisador.

A crise financeira de 2008 foi seguida pela mais longa e fraca recuperação do Pós-Guerra. A razão disso está no fato de o sistema financeiro ter priorizado servir a si mesmo, reduzindo drasticamente o papel que deveria prestar à economia real. Transformou empresas em bancos, por meio da hipertrofia dos seus departamentos financeiros, criando intrabancos. Precisamos de um reequilíbrio de poder entre o setor financeiro e a economia real, para assegurar um desenvolvimento equilibrado, sem pobreza e sustentável.

Em texto recente, a Cepal afirma que a desigualdade é causadora de ineficiências na economia. Ela não apenas é uma ferida social e moral, como também deteriora o ambiente institucional, fragilizando a inovação e a construção de capacidades necessárias para o desenvolvimento. A desigualdade e a pobreza restringem o acesso da população à educação e, portanto, impedem a expansão das capacidades científicas e técnicas da sociedade.

Nossa visão é a de que um desenvolvimento econômico sustentável depende criticamente de um meio ambiente saudável e de uma sociedade construída com base no combate sem tréguas à pobreza e na prioridade à igualdade de oportunidades. O investimento de hoje explica a estrutura de amanhã, especialmente sua sustentabilidade socioeconômica e ambiental.

A nova revolução tecnológica – biotecnologia e nanotecnologia, a economia digital –, a transição demográfica e a nova geopolítica de caráter multipolar, devido à emergência e ascensão da China, tendem a mudar os desafios. Para combater as insustentabilidades do atual estilo de desenvolvimento e enfrentar as mudanças em curso no meio ambiente, faz-se necessária uma nova geração de políticas para o desenvolvimento sustentável. Precisamos de um Grande Esforço Ambiental.

Uma transição de longo alcance nos sistemas de energia; no uso do solo urbano; nos padrões de cultivos da agricultura e do uso da terra; na infraestrutura, incluindo as edificações; na indústria; na preservação de florestas e no reflorestamento; e na preservação dos oceanos para reduzir profundamente as emissões em todos os setores.

A partir da Grande Recessão de 2008-2009, surgiram diversas abordagens que ligam, de forma integral ou parcial, a questão do desenvolvimento e do combate à desigualdade e à questão dos esforços necessários para conter a mudança do clima.

Propusemos, baseados em nosso modelo de desenvolvimento já em 2012, na Rio+20, o tripé “crescer, incluir e proteger”. A Cepal propõe “A Big Push Ambiental”. O “Green New Deal Report” é apresentado no Reino Unido. O relatório “Green Recovery: Create good jobs and-start building a low-carbon economy” é formulado nos EUA. “A Green New Deal: A progressive vision for environmental sustainability and economic stability” é de autoria da Unctad. É urgente encarar essa agenda.

Tornar real e efetiva a sustentabilidade ambiental e social exige novos padrões de desenvolvimento, novas tecnologias, novos valores que repudiem o primado do acionista, a meritocracia baseada na herança e a garantia de oportunidades iguais a todos. Significa uma democracia expandida. Significa valorizar a cultura, a ciência e a educação.

Os desafios à frente não são desprezíveis. É preciso agir agora. Os potenciais benefícios compensam o esforço e as eventuais ameaças. Infelizmente, o atual governo brasileiro, que despreza a democracia, desconfia da natureza, da cultura e da ciência, insensível ao desemprego, não tem envergadura nem está à altura do desafio.

A sociedade brasileira já demonstrou seu compromisso com o meio ambiente e a justiça social. É ela que deve ir à luta.

Por Brasil 247

 

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