Em lançamento de biografia, Lula destaca protagonismo familiar e político de Marisa
Ex-presidente homenageou sua companheira: “se não fosse a Marisa, eu não teria virado dirigente sindical, não teria feito as greves que fiz, não teria viajado pelo país”
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No primeiro lançamento da biografia de Marisa Letícia, três anos e dois dias após sua morte, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou o protagonismo de sua companheira por quase 43 anos na política, no sindicalismo e na família. “Se não fosse a Marisa, eu não teria virado dirigente sindical, não teria feito as greves que fiz, não teria viajado pelo país como viajei”, disse Lula, em ato na noite desta quarta-feira (5) na sede do PT em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, que ele lembrou ter ajudado a construir (“Trabalhando na betoneira, fazendo massa”), enquanto Marisa se empenhava na arrecadação de recursos.
O ex-presidente referiu-se a ela como “baixinha teimosa”, lembrando que a família já sabia do risco de que ela sofresse um acidente vascular cerebral – causa de sua morte – há bastante tempo. “A gente fazia check-up todo ano. Ela não aceitava mexer”, contou. Também lembrou de momentos familiares, como o de uma bolada em Fábio, um dos filhos do casal, que Lula só ficou sabendo depois porque Marisa não queria preocupá-lo.
Marisa Letícia Lula da Silva (Alameda Editorial) foi escrito pelo jornalista Camilo Vannuchi, que, emocionado, disse ter cumprido uma “missão” para a família. Contar “a história das histórias da Marisa”, afirmou, foi também uma maneira de narrar um pouco da trajetória recente do país, a evolução do sindicalismo, a construção do PT – que acaba de completar 40 anos – e o período de redemocratização.
Para Camilo, o livro deveria ser lido também por quem “fez piada” sobre Marisa, inclusive quando ela morreu. Ele ressaltou que o lançamento tinha de ser feito em São Bernardo, cidade natal da biografada. Três outros lançamentos já estão previstos: nesta quinta-feira (6), no bar Canto Madalena, em São Paulo, sábado (8) no Armazém da Utopia, no Rio de Janeiro, e segunda-feira (10) na livraria Leonardo da Vinci, também no Rio.
Destruição do país
Lula revelou que as cinzas da ex-companheira ainda estão em sua casa. Ele pretende reunir a família para espalhar as cinzas no sítio do casal, em uma área de São Bernardo “e dar tranquilidade definitiva a dona Marisa”. Encerrou sua fala dizendo “Marisa vive”.
Pouco antes, afirmou que sua maneira de contribuir “é continuar lutando”, ainda mais em um “momento de destruição, de desmoralização internacional do Brasil”. Disse ainda que o PT “foi construído na marra, na porta da fábrica”, e por isso não muda de nome. “Não nasceu para eleger vereador, governador, presidente, nasceu para transformar a vida do povo trabalhador, para que não haja fome, desemprego. Quem não quiser estender a mão a um pobre que está na sarjeta não precisar estar no PT.”
Mas em sua fala, de 20 minutos, prevaleceram as referências familiares. Logo no início, Lula brincou ao citar os filhos. “Não consegui fazer nenhum deles ser bom de bola, coisa que eu fui, nem fazer discurso, que eu também tinha medo. Na minha primeira entrevista, minha perna começou a tremer e eu fui obrigado a sentar.”
Guarda-chuva da família
Neto mais velho de Lula e Marisa, Thiago, 23 anos, quase não conseguiu falar. “Ela foi um guarda-chuva para a nossa família”, disse, referindo-se à avó. Ele é filho de Marcos, fruto do primeiro casamento de Marisa, que Lula assumiu como pai. Os dois eram viúvos quando se casaram, em 1974.
Outro momento que fez o público – a sede municipal do PT estava superlotada – silenciar foi durante a manifestação de Marlene, mulher de Sandro, outro filho de Lula e Marisa. Ela é mãe do pequeno Arthur, neto de Lula, que morreu em março do ano passado, aos 7 anos. “Marisa foi uma sogra muito companheira, uma avó maravilhosa”, disse Marlene, que contou ter acompanhado Marisa Letícia “nos primeiros atendimentos”, quando a esposa de Lula foi hospitalizada. Segundo ela, Marisa pediu para mandar um recado justamente ao neto Arthur, de que logo “a vovó está voltando” para cuidar dele.
“Uma avó maravilhosa, presente. Sempre com uma palavra de ânimo para não deixar a peteca cair, neste período de perseguição que a família sofreu”, acrescentou Marlene. “Marisa faz falta, e a gente tem um super orgulho dessa mulher.”
Doce, mas firme
Amigo da família, o presidente do PT paulista, o ex-prefeito e ex-ministro Luiz Marinho, afirmou que Marisa “foi uma pessoa doce, mas muito firme”. Para exemplificar, recordou de uma conversa após a derrota eleitoral de 1998, quando Lula teria mostrado desânimo e falado em desistir. Por isso, teria levado uma “bronca” da companheira.
Para Marinho, a ex-primeira-dama foi “levada à morte pela elite deste país, pela mídia covarde”, o que teria atingido também outros militantes petistas. Ele acrescentou que 2020, um ano eleitoral, “marcará a retomada do crescimento do nosso partido”.
Em texto de Lula a Camilo, divulgado pelo jornalista em rede social, o ex-presidente também fala da “perseguição” a Marisa durante todo o casamento, considerando a Operação Lava Jato como “a gota d´água” desse processo. “Trataram Marisa como criminosa, invadiram sua casa, reviraram suas coisas, divulgaram conversas íntimas, expuseram os filhos e netos. Você tem noção do que é isso? Não tenho nenhum receio em afirmar que essa caçada foi determinante para a morte precoce da Marisa. Espero do fundo do meu coração que aqueles que a acusaram tenham a dignidade de admitir que erraram e pedir desculpas.”
Temor pela família
Segundo Ana Lucia Sanches, militante do PT de Santo André e amiga de Marisa, ela era “uma mulher forte, simples e reservada, que gostava de simplicidade, mas muito determinada, uma italiana legítima”. Contou que Marisa mostrava “inconformismo” pelo momento politico do Brasil. Narrou uma conversa que tiveram pouco antes da internação, sob o impacto da morte do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, em janeiro de 2017. “Ela estava cheia de vida, mas cheia de medo.”
Outra amiga, Inês Maria de Filippi, também lembrou de conversa com esse tema, durante um jantar – uma moqueca preparada pela própria Marisa, que manifestava “temor pela família”. Mas observou que Marisa “não admitia reclamações”. Inês recordou ainda de “brigas por futebol” no grupo de WhatsApp – ela é palmeirense e Marisa, assim como Lula, corintiana. Para Nilza de Oliveira, também amiga, a biografia vai ajudar muitas mulheres que “vivem na invisibilidade” e fazer justiça ao protagonismo de Marisa: “Ela também fez parte da construção desse líder”.
Lula disse que não quis ler o livro previamente. “Eu faço questão de não saber o que as pessoas estão escrevendo, para não parecer censor. Nem o do Fernando Morais, que está escrevendo um livro desde 2011”, afirmou. O escritor e jornalista, autor de obras como Chatô e Olga, prepara uma biografia sobre o ex-presidente. Ele brincou ao dizer que, toda vez que pergunta, Morais responde do mesmo jeito: “Está pronto, só falta escrever”.