Ações ilegais e seletividade da Lava Jato ameaçam democracia

Debate promovido pelo PT mostrou que movimentos sociais e própria sobrevivência do pensamento progressista na política nacional também estão ameaçados

Ricardo Stuckert

Seminário sobre a Lava Jato contou com a presença de políticos, juristas e intelectuais

A truculência e a atuação claramente seletiva da operação Lava Jato ameaçam a democracia brasileira, os movimentos sociais e a própria sobrevivência do pensamento progressista na política nacional. Essa foi a tônica do debate “O que a Lava jato tem feito pelo Brasil”, realizado durante nesta sexta-feira (24), em São Paulo (SP), com a presença de juristas, jornalistas, sindicalistas e lideranças políticas nacionais.

No conjunto, as falas convergiram para um consenso em torno da defesa do combate à corrupção e da compreensão de que a Operação Lava Jato, com seus excessos autoritários e desrespeito às leis, é parte de um processo maior, que envolve ações em diversas áreas da sociedade e que tem como eixo central a quebra da soberania brasileira nas diversas áreas que tinham destaque durante os governos petistas.

Responsável pela fala de encerramento do debate, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva questionou à plateia sobre qual deve ser o papel do PT neste momento de ataque intenso. E respondeu, sob aplausos: “Nós somos um partido, nós fomos criados para mudar a história desse país”. Lula também afirmou que iniciativas como o debate promovido do PT são fundamentais para “fazer com que nós, petistas, tenhamos um pouco mais de coragem”. “Na falta de prova, quando um companheiro for acusado, temos de ficar ao lado dele”.

Soberania sob ataque

Lula fez questão de destacar a derrocada que o país sofreu a partir da entrada de Temer. “Pessoas que tinham subido um degrau na escala social já caíram”, afirmou, lembrando ainda que voltou a predominar o “complexo de vira-latas, o complexo da pequenez”, ou seja, a falsa ideia de que nosso país não tem condições de produzir sua própria riqueza e ser senhor do seu destino.

Lula exemplificou com a indústria naval, que “já chegou a ter 82 mil trabalhadores e hoje está com pouco mais de 30 mil”. Como ele explica, isso acontece porque, no pensamento dos golpistas, “é preciso encomendar na Coreia, é preciso encomendar na China, é preciso encomendar em Cingapura”.

Vários debatedores fizeram coro com o ex-presidente ao afirmar que as questões econômicas estão por trás das ações que motivaram a Lava Jato e o golpe contra a presidenta eleita Dilma. Para Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e professor, a situação que tomou conta do Judiciário e das instituições do país tem nome e endereço, sendo fruto do avanço de um outro poder, que opera mudanças nas economias capitalistas nos últimos 30 anos.

Lula conversa com o senador Roberto Requião (PMDB) e a senadora Gleisi Hoffmann no seminário promovido pelo PT

“É um poder que não diz seu nome, é o poder dos mercados financeiros, que se esconde por trás desses protagonismos”, explica. Segundo o economista, esse projeto foi gestado desde a década de 90, quando começou uma “desconstrução das instituições de coordenação da economia brasileira”, começando com os programas de privatização.

Outro a defender esse “fundo econômico” da Lava Jato e do golpe foi José Maria Rangel, presidente da Federação Única dos Petroleiros. Ele afirmou que a gestão de Temer tem como um de seus eixos “quebrar a maior empresa do país”.

Rangel lembrou que Temer reduziu os investimentos na Petrobras em 32%, levando ainda à depreciação e venda dos ativos da estatal. Além disso, a empresa também perde com o fim dos empregos na cadeia de óleo e gás, causado pelo fim da política de conteúdo nacional. Entre os números do impacto da Operação Lava Jato na empresa, destacou ao menos 2 milhões de postos de trabalho cortados e R$ 10 bilhões em royalties que deixaram de ser injetados na economia.

Reforçou a tese sobre a ação perversa contra a Petrobras o engenheiro Raymundo de Oliveira, ex-presidente do Clube de Engenharia. Ele comparou a atual situação da estatal petroleira à empresa alemã Volkswagen, que recentemente esteve envolvida em um escândalo de maquiagem dos dados relativos à emissão de poluentes. “Dirigentes caíram, houve grande multa, mas a Volkswagen não deixou de produzir um único automóvel e não demitiu um trabalhador”, afirmou.

O jornalista Mino Carta, diretor de redação da revista “CartaCapital”, a operação é uma cortina de fumaça para destruir o país e o PT, e funcionou como uma alavanca para o golpe de estado contra Dilma. Para ele, os governos de Lula e Dilma incomodaram a Casa Grande e os Estados Unidos: “Os irmãos do Norte se incomodam muito com um certo tipo de atitude. A política exterior levada a cabo por Lula e pelo chanceler Celso Amorim desatrelou o Brasil dos interesses americanos”.

 

A advogada Valeska Zanin

Democracia na UTI

A escalada de um estado autoritário e de exceção, tendo como um dos seus braços a Lava Jato, foi outro tema de destaque na discussão. Para o jurista Pedro Serrano, diversas figuras do Judiciário foram imbuídas de uma autoridade tão imensa que passaram a ignorar noções democráticas.

Nesse processo, a diversidade e os conflitos políticos e sociais são ignorados e foram definidos “inimigos claros”. É o caso das periferias, onde o que se tem é um genocídio ilegal da população. Já na política, o dito “inimigo” são os políticos de esquerda; na economia, é o próprio empresariado nacional. Os movimentos sociais, instituições essenciais à democracia, também estão sob ataque. Ele destaca a perseguição ao ex-presidente Lula como símbolo disso.

Segundo Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente, a operação Lava Jato tem desrespeitado reiteradamente o processo legal e a Constituição brasileira, assim como os acordos internacionais assinados pelo país. “Um processo que não observa as garantias fundamentais é um processo que não tem legitimidade”, afirmou. Para ele, o processo “deixa as pessoas vulneráveis a arbitrariedades que são contrárias às leis do Brasil”.

Lula conversa com Guilherme Boulos (MTST) em evento promovido pelo PT

“Cala a boca” não morreu

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, também destacou esse ataque aos direitos fundamentais do país, ao lado dos danos causados à economia e aos trabalhadores. Ele relembrou a condução coercitiva do jornalista Eduardo Guimarães, realizada pela Polícia Federal nesta semana. Para ele, a ação da PF foi uma maneira de criar uma nova ação contra o ex-presidente Lula, sob o pretexto da obstrução de justiça.

“É uma justificativa para a opinião pública do fracasso de todas as investigações contra o ex-presidente Lula”, disse, explicando que a tentativa de Sérgio Moro é dizer que não existem provas no processo contra Lula porque o ex-presidente teria sido avisado da condução coercitiva. Na opinião de Falcão, a condução do blogueiro foi um ataque à liberdade de expressão. “Nenhum combate à corrupção pode se sobrepor à Constituição”, afirmou.

Para o jornalista Fernando Morais, autor do blog “Nocaute”, o ataque a jornalistas é apenas uma das facetas da ação repressora em curso no país. Ele explica que Michel Temer, assim que ocupou a Presidência, imitou a ditadura militar brasileira ao buscar minar o financiamento de blogs e outros veículos de imprensa independentes. Já o ataque a jornalistas já começou antes mesmo do impeachment, com a condução coercitiva e invasão de sua casa do jornalista Breno Altman, editor do site Opera Mundi, em abril de 2016.

Morais destacou que a luta pela liberdade de expressão não é uma questão corporativa, de jornalistas. “O que se defende, mais que o direito à liberdade de expressão, é o direito da sociedade de se informar de forma mais pluralista”, diz Morais. “Nós, jornalistas que defendemos a liberdade de expressão de forma mais ampla, não nos preocupamos com nossos empregos ou nossas empresas, mas com o direito da sociedade de ter informações plurais”, completou.

Além das lideranças que compuseram a mesa, estiveram presentes no debate todo o diretório nacional do PT, dezenas de parlamentares, como os senadores Gleisi Hoffmann e Paulo Rocha, os deputados Paulo Teixeira (SP), Benedita da Silva (RJ), José Guimarães (CE) e Vicentinho (SP), Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, o vereador de São Paulo e ex-senador Eduardo Suplicy, Fernando Haddad, ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, e Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), entre dezenas de líderes políticos e de movimentos sociais.

Veja aqui o debate completo.

Da Redação da Agência PT de Notícias

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