Fátima Nancy Andrighi: Juizados Especiais, 20 anos
A Corregedoria Nacional de Justiça busca estimular a retomada de princípios da Justiça Especial, importante instrumento para a sociedade
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A instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no Brasil completou 20 anos no último dia 26 de setembro. A longevidade dessa jovem Justiça, menos burocrática e mais próxima dos cidadãos, deve ser celebrada. Mas o momento também enseja uma breve reflexão sobre as origens, o presente e o futuro desse importante instrumento de pacificação social.
Em alguns países desenvolvidos, é indispensável a transição da tradicional Justiça formalista para uma mais simples, com o espectro mais amplo de abrangência social.
Se comemoramos 20 anos dos Juizados Especiais, sistema semelhante existe no Canadá desde 1837, onde hoje é ampla a disponibilização de formulários on-line para facilitar o acesso pela população, que os aprova com altos índices.
No Brasil, até o começo da década de 1980, não havia um sistema de Justiça acessível aos cidadãos mais necessitados. Foi quando uma experiência pioneira no Rio Grande do Sul deu o impulso para a criação do sistema que foi precursor dos Juizados Especiais.
Depois de constatar que pessoas deixavam de reivindicar seus direitos em face do alto custo e da morosidade da Justiça, um grupo de magistrados gaúchos começou um trabalho de atendimento diferenciado à comunidade, à noite, na sede do Fórum de Rio Grande.
A ideia cresceu e a associação dos juízes, com o aval do Tribunal de Justiça, instalou na comarca de Rio Grande o primeiro Conselho de Conciliação e Arbitramento, em 1982.
A experiência foi tão bem-sucedida que resultou na lei federal de 1984 que criou os antigos Juizados de “Pequenas Causas” – o nome pode soar pejorativo, pois o que pode ser considerado uma causa pequena em termos pecuniários pode ser de inestimável valor pessoal para o consumidor dos juizados.
Contudo, só em 26 de setembro de 1995 entraria em vigor a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Foi um verdadeiro divisor de águas na história do Judiciário brasileiro, já que cumpria um dos preceitos da Constituição de 1988: a democratização do acesso à Justiça.
Os Juizados Especiais começaram como coadjuvantes, mas hoje respondem por grande fatia dos processos em tramitação no Judiciário. Segundo a última edição do relatório “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, eles respondem por 27% dos processos novos que chegaram ao Judiciário estadual em 2014 e a quase 60% dos que chegaram à Justiça Federal.
Consciente do potencial benéfico à sociedade, e com olhos no futuro dos juizados, a Corregedoria Nacional de Justiça iniciou neste ano o programa “Redescobrindo os Juizados Especiais”.
O objetivo é incentivar os juízes a uma releitura contemporânea da lei nº 9.099/95, a fim de concretizar pontos não totalmente executados, como é o caso do juiz leigo, além de estimular a retomada de princípios fundamentais da Justiça Especial, como a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade.
Isso significa retomar seus ideais originários para evitar os embaraços processuais vivenciados na Justiça comum.
A experiência angariada em 20 anos pelos juízes que atuam nos juizados, o resgate de suas ideias originais, a melhor noção sobre dificuldades e soluções possíveis de acordo com a realidade de cada local, além da facilidade gerada pela tecnologia, só enriquecem essa espécie de retorno às origens.
Esse retorno às origens ocorre sem ser um retrocesso, mas sim uma forma de melhor trilhar o futuro dos juizados e atingirmos o desiderato constitucional de razoável duração do processo na Justiça Especial.
(Artigo inicialmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 1º de outubro de 2015)
Fátima Nancy Andrighi é ministra do Superior Tribunal de Justiça e corregedora nacional de Justiça