Fernando Haddad: Indústria
Ao que parece, não dispomos de uma burguesia com projeto de nação
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Existe uma burguesia industrial brasileira? Ela se comporta como classe, tem um projeto para o país?
As notícias para a indústria não têm sido das melhores. A participação da indústria de transformação no PIB brasileiro é a menor desde 1947.
O saldo comercial brasileiro foi o pior dos últimos cinco anos, sendo que as exportações de bens primários responderam por 52,8% da pauta, em detrimento dos produtos manufaturados.
É preciso cautela quanto aos números, contudo. A participação da produção industrial mundial no PIB mundial vem perdendo importância, sobretudo em relação ao setor de serviços, que ganha terreno. Nada a ver, portanto, com desindustrialização.
Mas não resta dúvida que a participação da indústria brasileira na produção industrial mundial perdeu espaço, o que, no mínimo, significa menor dinamismo relativo.
Para alguns economistas, isso tem pouca importância, desde que se produzam “chips”: não importa se batata chips ou microchips; mas os trabalhadores que não pensam assim são alvos fáceis dos que pregam protecionismo e xenofobia nas “nações liberais” de Donald Trump e Boris Johnson.
Nos anos 1930, a burguesia industrial brasileira parecia ter algo em mente. Aliou-se a Getúlio Vargas. Várias circunstâncias, sobretudo a Guerra, impunham novos desafios. A produção de aço, por exemplo, interessava tanto aos militares quanto aos industriais. O guru dos industriais à época era um fascista romeno, Mihaïl Manoïlescu, que teve dois livros traduzidos: “O século do corporativismo” e “Teoria do protecionismo”, respectivamente um programa político e um programa econômico.
Entre 1930 e 1980, houve grande esforço de industrialização, que atingiu seu apogeu em 1985, seguido de pronunciado declínio, desdobramento da crise da dívida externa —que tinha financiado a expansão— e da abertura econômica conjugada à sobrevalorização cambial.
A maxidesvalorização cambial de 1999 deu, por uma década, novo alento à indústria, mas a crise internacional de 2008 e as crises domésticas, econômica e política (2015-16), empurraram-na ladeira abaixo.
Nos anos 1960, a tese de FHC sobre o empresário industrial trazia duas reflexões atuais, a julgar pelo noticiário recente sobre as movimentações de Paulo Skaf: 1) os órgãos de classe dos industriais “só cuidam dos interesses particulares dos dirigentes quando falam em nome da classe”; 2) aos industriais, individualmente, “a ação política possível consiste na participação pessoal no jogo patrimonialista”.
Até hoje, ao que parece, não dispomos de uma burguesia com projeto de nação.