Gerson Almeida: O dia 12 e a reorganização popular

  O FRACASSO DO DIA 12 E A REORGANIZAÇÃO DO CAMPO POPULAR O que aconteceu entre os dias 15 de março e 12 de abril para que as manifestações sofressem…

Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas

 

O FRACASSO DO DIA 12 E A REORGANIZAÇÃO DO CAMPO POPULAR

O que aconteceu entre os dias 15 de março e 12 de abril para que as manifestações sofressem uma queda tão drástica no número de manifestantes? No dia 15, as pautas apresentadas eram, sobretudo, contra a corrupção e o governo, identificado por eles como protagonista ou, no mínimo, leniente com a sua prática. Apesar de seus organizadores espalharem ódio contra a esquerda, especialmente contra o PT, e sentirem forte atração por uma saída não democrática para a situação nacional – eram muitos que defendiam uma “intervenção constitucional militar” -, eles foram capazes de galvanizar uma boa parte da real indignação do momento, mesmo que fosse notável a grande homogeneidade social dos manifestantes.

Porque então, as manifestações minguaram, se os escândalos de corrupção aumentaram com a divulgação de milhares de contas secretas de brasileiros no exterior (HSBC) e com a divulgação da Operação Zelotes, que desbaratou outra quadrilha que agia no interior de uma comissão responsável por analisar os recursos de grandes empresas autuados pela Receita Federal, acusadas de pagar propina para livrarem-se de vultosas dívidas?

Há evidentemente muitas razões possíveis, mas uma parece ser a principal. Quando das manifestações de março, além da operação Lava-Jato, a pauta nacional principal era o ajuste fiscal e as medidas anunciadas, que cobram um preço maior dos assalariados do que dos muito ricos. Naquele momento, estava evidente uma desorganização do campo popular atordoado ainda pelo ajuste fiscal e pelos símbolos que representam as presenças de Joaquim Levy e Kátia Abreu à frente de importantes pastas do governo.

O cerco estava tentando se fechar: manifestações de rua, base de apoio parlamentar se dividindo, grande imprensa assumindo a liderança não parlamentar da oposição, grandes empresários dando suporte e reproduzindo a discurso contra o governo, etc. A ideia era produzir um ambiente crescentemente negativo, cujo objetivo era criar uma bola de neve capaz de ganhar força suficiente para levar de arrasto o que encontrasse pela frente, sobretudo o governo Dilma, o PT e todos os avanços sociais que ambos representam.

Mas o ímpeto regressivo foi grande demais. As hienas, sempre à espreita de vulnerabilidades no campo popular para voltar a saciar seu infinito apetite para a concentração de renda e sua ojeriza a qualquer ampliação de direitos no Brasil foram com tanta sede ao pote, que a consciência democrática da sociedade reagiu. Neste último período parece que uma caixa de pandora foi aberta e tantas más ideias foram liberadas, que a sociedade brasileira decidiu não se deixar levar de roldão. A grande maioria da população não quer dar marcha à ré no processo de ampliação de direitos, mas fazê-los avançar.

A Lei da Terceirização acendeu o alerta vermelho

A crise política abriu uma dinâmica que animou a direita, que passou a apresentar de forma despudorada a sua ira contra a Comissão Nacional da Verdade, contra o conceito de família não limitado à união entre homem e mulher, contra a Lei das Palmadas, contra a ampliação de direitos às empregadas domésticas, pela redução da maioridade penal, etc.

Não fosse isto suficiente, a Câmara dos Deputados votou, em processo veloz, a Lei da Terceirização (PL 4330/04), um ataque aos direitos dos trabalhadores que sequer no auge do neoliberalismo foi possível implementar. Caso aprovado no Senado e sancionado pela presidenta Dilma, passará a ser possível terceirizar sem qualquer limite, mesmo as atividades fim das empresas: na iniciativa privada, nas empresas públicas e de economia mista, bem como suas subsidiárias e aquelas controladas pela União. O que acarretará a redução de direitos e um estímulo para a precarização nas relações de trabalho. Entre tantos retrocessos, o projeto aprovado pela maioria dos deputados não garante ao trabalhador terceirizado a paridade de direitos com os demais trabalhadores da empresa contratante.

Pois é aí que o discurso de que todos são iguais e que não há mais sentido na distinção entre direita e esquerda começa a fazer água. O texto-base deste ataque aos trabalhadores foi aprovado por 324 votos a 137 e duas abstenções. Apenas o PT, PCdoB e o PSOL atuaram em bloco contra a sua aprovação.

Diferente da luta contra a corrupção, que é um discurso presente tanto na esquerda quanto na direita, mesmo que a história brasileira demonstre que o aparato estatal apenas recentemente começou a ter instrumentos efetivos e autonomia para combatê-la, a luta em defesa do mundo do trabalho é que efetivamente distingue os campos em disputa na sociedade.

Se no dia 15 de março, a pauta contra a corrupção conseguiu galvanizar o descontentamento legítimo de muitos setores com a corrupção, no último dia 12 de abril estava mais claro que o que move os atos da direita não é a indignação contra a corrupção, pois nenhuma fala para a investigação das contas do HSBC e das empresas que pagaram propina apareceram. A pauta do dia 12 foi organizada nacionalmente para ficar restrita ao Fora Dilma e Fora PT. Para a direita, a corrupção só deve ser combatida se for possível envolver alguém do PT, ou da esquerda.

A aprovação da Lei da Terceirização mostra como a direita está ansiosa por destruir qualquer resistência à sua pauta regressiva. Para isto é preciso destruir as organizações comprometidas com o mundo do trabalho, notadamente os partidos de esquerda e os sindicatos e, evidentemente, a governante que afiança a manutenção dos direitos sociais duramente conquistados.

É nesta luta contra a precarização das relações de trabalho e contra qualquer direito a menos que o campo social popular poderá ser reorganizado e reconquistar a força que o fez crescer e fazer valer uma agenda de ampliação de conquistas e assegurou o mais longo período de vida democrática ininterrupta da história do Brasil. A paralisação nacional convocada pelas principais centrais sindicais e movimentos sociais do campo e da cidade pode ser o momento de inflexão neste período no qual as lutas pelos interesses das classes tende a se tornar mais agudo.

Gerson Almeida é sociólogo

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