Gilney Viana: A foto do Congresso do PT
O Congresso do PT se salvou em função das definições políticas de rejeitar as eleições indiretas e não ir ao colégio eleitoral, de fortalecer a FBP
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O retrato do 6º Congresso do PT foi enquadrado por Lula com o discurso da unidade diante das ameaças externas e retocado pela comissão de sistematização composta por representantes das tendências que operou o milagre da redução das contradições sem resolvê-las.
Foi uma vitória política interna da maioria lulista que alargou sua base à direita, ao centro e à esquerda do espectro ideológico do partido, e restabeleceu, temporária e ainda fragilmente, a hegemonia perdida no 5º congresso do partido. Resta saber se a militância petista se orientará por essa nova tendência e se esse velho PT será capaz de conquistar protagonismo na luta de classes real e na luta popular contra o golpe.
O 6º congresso de 2017 foi mais viciado e menos democrático que o 5º congresso de 2015, contrariando as expectativas da militância de participar de um amplo e profundo debate sobre o que ocorreu neste período, principalmente o golpe que derrubou a presidente Dilma e a resistência ao mesmo, a execração pública do PT como partido corrupto e incompetente e a postura defensiva e às vezes omissa da direção diante destes eventos catastróficos.
Mais viciado porque a eleição dos(as) delegados(as) que definiu a correlação de forças internas ocorreu via processo eleitoral direto municipal mais restritivo nas normas, poucas discussões políticas e muitas denúncias de fraude.
Menos democrático porque não se discutiu as teses nacionais, onde se explicitavam as diversas posições políticas e ideológicas, ignorou as contribuições dos congressos estaduais apresentadas pela militância, substituídas por propostas de resolução escritas e acordadas por notáveis sem participação dos delegados que as votaram sem conhecimento dos textos.
Ainda que suas últimas versões possam ser melhores que as originais, perderam grande parte do seu papel educativo e formativo e provavelmente de sua potência política.
Os resultados ficaram muito aquém das necessidades políticas, ideológicas e organizativas impostas pela crise, salvando-se da derrocada a resolução política de rejeitar as eleições indiretas e não ir ao colégio eleitoral e de se engajar nas frentes populares de resistência, únicos acordos relevantes “pela esquerda” que dialogam com o movimento de resistência ao golpe e ainda assim com mais ênfase ao processo eleitoral.
A questão central diz respeito à derrota do projeto lulista, que culmina com o golpe desfechado contra a presidente Dilma e que não mereceu um tratamento teórico e político à altura. Garimpando entre posições de força, discursos monótonos e silêncios gritantes, abordarei essa questão a partir de quatro pontos que estiveram na agenda do Congresso: governo de conciliação de classes, estratégia institucionalista; perspectiva ou falta de perspectiva socialista; e a questão ética, ou mais precisamente corrupção.
Alguns e algumas, que evocam para si a estratégia vitoriosa de 2002, justificam o governo de conciliação de classes porque se tratava de um projeto desenvolvimentista anti-neoliberal em aliança com segmento da burguesia industrial contra outros segmentos ligados ao capital internacional – como afirma a tese original da corrente Construindo um Novo Brasil.
Errado: esqueceram a inclusão da grande burguesia rural (via participação no governo) e do capital financeiro (via carta de Lula aos brasileiros), segmentos hegemônicos na economia e na estrutura de poder real, que inclui e extrapola o governo, o estado e outras formas e instrumentos de dominação. Interpretação histórica reducionista porque a maioria dos grupos econômicos já tinha forte integração ao capital internacional. E daí decorre sua narrativa do golpe: a classe dominante rompeu o pacto mais pelas nossas realizações do que por nossos erros e nos impôs a luta de classes dura e crua.
Ora, a classe dominante antes como agora jogou e joga tanto dentro como fora do governo; fazia e faz luta de classe com sutileza (disputa ideológica) ou com violência (uso da força, ruptura da ordem institucional) dependendo das circunstâncias.
E a classe trabalhadora não deixou de fazer luta de classes como reivindicam os(as) sindicalistas e ativistas sociais ligados ao partido mas a série histórica dos balanços de greve do DIEESE indicam importante redução do número de greves/ano no período Lula (368,7) em relação ao período FHC (638,2)e elevação no período Dilma-2011/2013 (1.160,5), refletindo neste uma menor influência do pacto lulista.
Já a série histórica do indicador ocupações/retomadas/ano nos cadernos de “Conflitos no Campo” das CPT indicam uma curva em queda de 370,8 (FHC), para 349,2 (Lula) e 214,6 no período Dilma (2011/2015), provavelmente devido a influência do governo de conciliação de classes e de mudanças de tática de luta.
A partir da classe trabalhadora, ocorreu luta de classes ao nível econômico/reivindicatório, o que não ocorreu foi luta de classes ao nível político e ideológico o que tem muito a ver com o governo de conciliação de classes e com a orientação economicista do partido a sua militância no movimento sindical e popular. E para desatar este nó temos que falar do desvio institucionalista.
Para entender o desvio institucionalista basta lembrar que durante os 13 anos de governos do PT (e aliados) não houve uma grande manifestação política de massa, excluídos comícios eleitorais paulatinamente substituídos por programas de televisão, onde os(as) candidatos(as) se orientavam mais por marqueteiros do que pela direção partidária.
E quando ocorreram as grandes manifestações de massa de 2013 que questionaram o projeto lulista, a direção do PT ficou atônita e afônica, incapaz de entender o que acontecia, de orientar sua militância que estava nas ruas e, mais ainda, de disputar o espaço virtual e real afinal conquistado pelas direitas. E só recentemente reocupado pelas esquerdas, ou mais precisamente por forças democráticas.
Ao contrário dos seus documentos fundantes, o PT privilegiou a luta institucional e menosprezou a luta de massas; desenvolveu uma crença quase religiosa na institucionalidade, se encantou com o republicanismo e a chamada revolução democrática e contra toda a história anterior do país, acreditou que a classe dominante respeitaria a ordem.
A falta de autocrítica em 2013, o governo de conciliação de classes, a política econômica adotada pelo segundo governo Dilma em 2015 que o distanciou do povo e sua tentativa inútil de restabelecer o pacto lulista já rompido, bem como a ilusão na governabilidade institucional e o desgaste provocado pelas acusações de corrupção explicam em grande parte o papel pouco ativo do partido diante do golpe e até mesmo a baixa resistência de massa organizada sob sua influência que só voltou às ruas quando seus dirigentes se autonomizaram em relação à direção partidária. Sem autocrítica o PT pode errar novamente, como já deram mostras os novos dirigentes ao saberem da ascensão de Lula nas pesquisas antecipadas de opinião sobre o voto em 2018.
O abandono da perspectiva e da ideologia socialista teve consequências graves: tornou o partido mais pragmático, capaz de fazer alianças diretamente com a classe dominante (e indiretamente com partidos que parcialmente a representam) e dela depender para financiar campanhas eleitorais.
Rebaixou seus referenciais classistas aos interesses imediatos da classe trabalhadora como ganhos acima da inflação nos acordos salariais; aumento real do salário mínimo, políticas de transferências de renda, etc… com maior efetividade mas da mesma qualidade de um partido trabalhista. Sem referencial ideológico socialista, reinou o pragmatismo eleitoral, governamental, sindical, popular e partidário. E assim ficou impossível fazer disputa de hegemonia.
Assombrosamente a nova maioria tentou fugir da discussão sobre o socialismo “como o diabo foge da cruz”, tanto nas teses como nos projetos de resolução. Criticados, foram obrigados a fazer declarações de fé socialista na plenária de delegados, enquanto sabotava sistematicamente a elaboração de estratégia que estivesse associada ao socialismo, particularmente à conceituação mais acurada de socialismo democrático e sustentável que articula luta de classes e lutas libertárias de raça, etnia, gênero, LGBT, geracional, e ambiental. Sobre este último tema, então, a concepção produtivista dominante provocou retrocesso teórico e programático enorme sobre crise ecológica, sustentabilidade e política ambiental.
O tema da corrupção foi tratado por teses minoritárias em tons críticos e autocríticos, as majoritárias se concentraram na crítica aos acusadores e o congresso tangenciou o assunto. Mas o projeto de resolução sobre a conjuntura nacional e tática identifica a crise por que passa o governo ilegítimo, ressaltando inclusive o papel das denúncias sobre corrupção. E fecha o assunto defendendo “a apuração e a punição de todos os crimes nos marcos incontornáveis do Estado de Direito”. Só exclui da análise o fato de petistas e do próprio PT estarem no rol dos acusados, desconhecendo os danos que as denúncias, inquéritos, prisões, processos e condenações causaram e causam à imagem do partido.
Essa forma evasiva de tratar o tema não arma a militância para o debate que corre “na boca do povo”. Primeiro, porque não identifica a corrupção como um dos elementos centrais para assegurar a reprodução da classe dominante na formação social brasileira, mais além da exploração direta do trabalho como o trabalho escravo, a apropriação indébita dos bens comuns e seu uso não sustentável; e variadas formas “não econômicas” de apropriação do excedente via assalto aos fundos públicos, direcionamento do orçamento, gestão dirigida da dívida pública e sua manipulação no mercado, legislação que lhes favoreça não pagar ou pagar menos impostos ou simplesmente tolerar sonegação, por elisão, fraude ou burla não criminalizadas, bem como a corrupção pura e simples. Segundo, porque não afirma categoricamente a postura ética de servir à classe trabalhadora e ao povo e não se servir da política para acumular vantagens individuais ou para simplesmente reproduzir mandatos eletivos, burocracias partidárias e sindicais.
A pauta da conjuntura dominou o congresso em parte pela necessidade de responder as exigências mais imediatas da luta social e política contra o golpe e sua ofensiva regressiva dos direitos e conquistas dos trabalhadores; em parte pela recusa da nova maioria de simultaneamente pensar de forma consistente e consequente o ontem e o amanhã.
O Congresso do PT se salvou em função das definições políticas de rejeitar as eleições indiretas e não ir ao colégio eleitoral, de fortalecer a Frente Brasil Popular e articular frentes institucionais contra o golpe que dialogam com o avanço das lutas de massa nas ruas que tem sido o campo principal de luta contra o golpe e pode vir a ser determinante para barrar as contrarreformas, derrubar Temer e restituir a soberania popular.
Ser protagonista neste campo principal de luta é necessário mas não o bastante para superar sua crise que dependerá de quanto e como será capaz de captar os impulsos transformadores da luta de massas para resolver as contradições internas não resolvidas no 6º Congresso.
Por Gilney Viana, coordenador da Setorial Nacional de Meio Ambiente e membro da Executiva Nacional do PT, para a Tribuna de Debates do PT.
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