Igreja rebate críticas de Bolsonaro e reafirma defesa dos povos originários
“O Papa Francisco não é contrário à soberania nacional nem à autodeterminação de nenhum país”, afirma o Arcebispo de São Paulo, Cardeal Dom Odilo Scherer
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As declarações de autoridades do governo de Jair Bolsonaro (PSL) sobre o Sínodo da Amazônia, que será realizado pelo Vaticano em Roma de 6 a 27 de outubro, provocaram reações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do próprio Papa Francisco, mas não reduziram o tom da expectativa.
Numa das suas falas sobre o encontro, o Papa fez questão de destacar que o Sínodo sobre a Amazônia é uma reunião “de urgência”, mas não um parlamento e sim, uma reunião de pastores. “A Amazônia envolve nove países, portanto, não se trata de uma só nação. Penso na riqueza da biodiversidade amazônica, vegetal e animal: é maravilhosa”, afirmou, em comunicado.
“O Papa Francisco não é contrário à soberania nacional nem à autodeterminação de nenhum país, nem convoca bispos para tramarem contra os legítimos interesses de cada povo e cada país. Não se justifica a suspeita, levantada no ambiente aquecido das paixões nacionalistas, de que a ação da Igreja Católica na Amazônia sirva a interesses estrangeiros. A esse propósito convém lembrar que os missionários estão nos rincões mais retirados da Região Amazônica desde o século 17 e para lá não foram para escravizar indígenas, levar embora suas riquezas e devastar a natureza”, ressaltou o Arcebispo de São Paulo (SP), Cardeal Dom Odilo Scherer.
“Muito ao contrário, por muito tempo eles foram os únicos a tomar a defesa dos povos originários da Amazônia contra a ganância de quem ameaçava sua liberdade, suas terras e culturas”, acrescentou o cardeal.
Já a CNBB, respondeu em carta aberta que a entidade lamenta imensamente que hoje, “em vez de serem apoiadas e incentivadas, nossas lideranças são criminalizadas como inimigos da pátria”.
Padres casados
A realização de sínodos e outros encontros para discutir a situação de determinadas áreas, países e continentes, pelo Vaticano não é de hoje. Em 1991 João Paulo II realizou uma assembleia especial sobre a Europa. Em 1994, sobre a África; em 1995, sobre o Líbano; em 1998, sobre a Ásia; em 1998, sobre a Oceania; e em 1999 sobre a Europa outra vez. Em 2009, outro papa, Bento XVI convocou uma assembleia especial sobre a África e em 2010, sobre o Oriente Médio. No sábado (21), foi divulgada a lista dos participantes na assembleia especial do Sínodo.
Um dos principais motivos dessa preocupação do Vaticano com a Amazônia, entretanto, diz respeito à redução da presença dos padres nos países amazônicos e consequente aumento das igrejas evangélicas e pentecostais na região. O que leva à discussão, em uma das pautas do evento, de um tema polêmico, que diz respeito à liberação do celibato para alguns sacerdotes – ou autorização de padres casados na região.
Padres casados já existem em áreas próximas de dioceses em caráter excepcional. Mas uma presença em grande quantidade deles na Amazônia, daqui por diante, é o que a ala mais conservadora da Igreja católica pretende rebater e lutar para evitar.
O secretário especial do Sínodo, o monsenhor David Martínez, do Peru, afirmou que o Vaticano elaborou um documento preparatório a ser discutido, cujo principal objetivo é “dar um rosto amazônico à catequese”, com sugestões para capacitação de indígenas e facilidades para melhor acesso destes às comunidades e cidades. “Queremos que essas populações indígenas assumam papel de artífices da Igreja. Que não sejam apenas receptores da mensagem, mas também mensageiros”, disse.
Mas essa visão tem sido objeto de crítica também, por parte de outros sacerdotes. O bispo emérito do Marajó (PA), Dom José Luís Azcona Hermoso, declarou há poucos dias que o Sínodo não pode ignorar a realidade e dar protagonismo apenas aos indígenas, porque hoje a Amazônia tem muitos negros e etnias e uma vida urbana forte também. Ele demonstrou preocupação, ainda, com o crescimento das igrejas pentecostais e evangélicas e o governo Bolsonaro.
Segundo Dom José Hermoso, ao contrário das pregações dos governistas de que é uma forma de intromissão na nossa soberania, o Sínodo é capaz de fazer acontecer a reconciliação nacional. “Nunca o Brasil esteve tão cindido, tão polarizado. Se quiser sobreviver, o Brasil tem necessidade absoluta, urgentíssima, de reconciliação, que se concretiza no amor aos inimigos. Este é o primeiro desafio que o Sínodo e a Igreja de Cristo têm que enfrentar”, disse.
“O Sínodo não necessita expor diante do mundo o que já está exposto. O Sínodo poderá externar seu ponto de vista com relação à Amazônia e ao Brasil. É de justiça reconhecer que a Igreja, um sínodo no seu nível de autoridade, pode em todo momento e em toda parte, também no Brasil, pregar a fé com autêntica liberdade. Ela está incumbida por Jesus Cristo a dar seu juízo moral, inclusive sobre matérias referentes à ordem política quando o exijam os direitos fundamentais da pessoa, das etnias da Amazônia ou a salvação das almas”, destacou Dom Hermoso.
Para preparar o evento, a Igreja consultou diretamente mais de 80 mil pessoas dos países amazônicos, durante quase um ano – incluindo representantes de 172 etnias indígenas. Por isso, os religiosos têm insistido em dizer que o Sínodo está fortemente embasado “na voz ativa dos povos indígenas e das comunidades tradicionais”. “O Sínodo não vai questionar o modelo de desenvolvimento da Amazônia. Quem está questionando são os povos amazônicos. O Sínodo só vai dar voz a estes povos”, explicou o arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi.