Inflação e queda de renda reduzem o consumo de eletrodomésticos

Desempenho dos fabricantes do setor caiu 25% no primeiro trimestre. Endividados e sem dinheiro, consumidores adiam a compra de aparelhos eletroeletrônicos.

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Setor em crise com queda de produção e desemprego

Entre as tantas atividades econômicas que registram retração na Pesquisa Industrial Mensal de março do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção de eletrodomésticos chama a atenção pela intensidade da queda. Nos três primeiros meses de 2022, o desempenho dos fabricantes caiu 25%, puxado pelo ciclo bolsonarista de inflação e juros acima dos dois dígitos com queda de empregos e rendimentos.

As perspectivas para o segundo trimestre também são negativas. À dificuldade de acesso a insumos, aumento de custos e elevação dos preços de commodities causadas pela pandemia se somarão as restrições ao comércio internacional devido ao conflito no Leste Europeu. Os elementos externos são agravados pela falta de política industrial do desgoverno Bolsonaro. Com a renda corroída e maiores gastos com alimentos, energia e combustível, os consumidores continuarão adiando gastos com eletrodomésticos.

A queda em março foi acima da média entre eletroportáteis como torradeiras, liquidificadores e cafeteiras (33,6%). A linha branca, que engloba geladeiras, fogões e micro-ondas, também caiu acima da média (27%), enquanto a linha marrom (TVs e som) se retraiu 17%. No mesmo período, os preços de eletrodomésticos e equipamentos subiram 7,46%, acumulando alta de 20,43% em 12 meses até março de 2022. Um quadro diferente do verificado nos governos Lula e Dilma, quando os mais pobres tiveram acessos a esses produtos.

Neste primeiro trimestre de 2022, a renda familiar dos brasileiros desabou para o menor nível dos últimos dez anos. O resultado é que 77,7% das famílias estão endividadas.  E o mais triste é que grande parte dessas famílias estão se endividando não para pagar a viagem de férias com os filhos, ou a reforma da casa própria, ou a compra de uma televisão nova. Elas estão se endividando para comer. Ou seja: o Brasil voltou a um passado sombrio que havíamos superado, afirmou Lula em seu pronunciando no lançamento do movimento Vamos Juntos pelo Brasil

A indústria de eletroeletrônicos já havia fechado 2021 com o primeiro resultado negativo das vendas em quatro anos. As fábricas venderam 94,1 milhões de aparelhos, volume 7,2% menor do que em 2020. A maior queda (15,8%) ocorreu com os televisores, seguida pelos eletroportáteis (7%) e eletrodomésticos da linha branca (4,9%).

“Foi uma frustração. Nem no primeiro ano da pandemia tivemos números tão ruins”, lamentou o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Jorge Nascimento. “Com o aumento significativo dos preços dos insumos nacionais, energia elétrica, elevada variação cambial do dólar, entre outros, desde o segundo semestre de 2021, tem sido inevitável a interferência destas despesas nos preços finais de nossos produtos”, afirmou sobre a inflação na atividade.

Para Sergei Epof, vice-presidente da Panasonic Brasil, a queda está muito relacionada com o caixa do consumidor. “A inflação subiu muito e a inadimplência também aumentou. O dinheiro disponível do consumidor brasileiro para uma parcela de eletrodoméstico foi sendo consumido pela comida, pela energia, pela gasolina”, afirmou para o Valor Econômico o responsável pela área de “appliances”, que engloba a linha branca. Ano passado, a Panasonic interrompeu a produção de linha marrom no Brasil.

“A demanda caiu e o eletrodoméstico aumentou de preço. Tivemos muito aumento de custo, que passa pelo frete internacional, por causa do petróleo, o dólar, que se mantém em patamar alto, mesmo com pequena queda recente, e insumos como aço, resina, semicondutores”, explica Epof, lembrando que parte do custo foi repassado para o consumidor.

Demanda sumiu em 2021 e causou desemprego nas fábricas

Ao mesmo jornal, o diretor-superintendente da Esmaltec, Marcelo Campos, afirma que “a demanda praticamente sumiu” a partir de meados do ano passado, como resultado da inflação dos insumos e da queda do poder aquisitivo. A decepção se completou no último trimestre do ano, época tradicionalmente boa para as vendas de bens duráveis.

A frustração das vendas aparece nos estoques acumulados. Conforme a Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o saldo de empresas do setor que declararam ter estoques excessivos em janeiro deste ano foi de 36,6%. É a maior marca desde dezembro de 2019 (37,7%) e também superior ao número de dezembro de 2021 (31,4%).

Quando um setor está com um número maior de empresas com estoques elevados, o passo seguinte é a redução ou a estabilização da produção, explica Cláudia Perdigão, pesquisadora da FGV e responsável pelo estudo. De dezembro para janeiro, o nível de utilização da capacidade instalada das fábricas de eletroeletrônicos e itens de informática, por exemplo, caiu mais de quatro pontos porcentuais: de 74,4% para 70%.

O recuo dos eletroeletrônicos tem reflexos no Polo Industrial de Manaus, que concentra indústrias do segmento. Um levantamento do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas mostra que empresas do polo dispensaram 7,5 mil trabalhadores entre dezembro de 2021 e a primeira quinzena de janeiro deste ano. O número foi considerado acima do normal pela entidade. Dos demitidos no período, que representam quase 10% do total de empregados no polo, 6 mil eram efetivos e 1,5 mil, temporários.

Segundo o presidente do sindicato, Valdemir Santana, cerca de 70% dos cortes ocorreram, em indústrias de eletroeletrônicos. “Geralmente, quando termina um contrato temporário, 40% dos trabalhadores são efetivados, mas neste ano não ficou nenhum temporário”, comentou o dirigente sindical. Segundo ele, só a Philco demitiu 800 trabalhadores no período.

Da Redação

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