Intervozes: “Mídia incentivou condenação de Lula”
Coletivo fez monitoramento dos grandes jornais e concluiu que cobertura desequilibrada feriu o direito à informação
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O comportamento apresentado pela grande mídia brasileira na cobertura do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na última quarta-feira (24), serviu de motor para a campanha conservadora que pede a condenação do petista. A conclusão é do coletivo Intervozes — entidade que atua pela garantia do direito à comunicação no Brasil —, que monitorou a cobertura dos principais canais de TV e veículos impressos de circulação nacional nos últimos dois dias.
De acordo com a coordenadora-executiva do coletivo Bia Barbosa, na mídia televisiva, teve destaque, mais uma vez, a conduta das Organizações Globo. Ela realça a cobertura do canal de TV por assinatura GloboNews, que transmitiu o julgamento durante toda a quarta-feira.
Ao longo do dia, a emissora destacou as falas dos três desembargadores que julgaram o caso e, após o resultado, o posicionamento da acusação, representada pelo Ministério Público Federal, sem, no entanto, apresentar a defesa do ex-presidente. As manifestações da defesa foram ao ar somente na programação noturna da emissora.
O monitoramento constatou, por exemplo, que a primeira declaração do advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, foi ao ar às 21h08min, depois de 1h30min de duração do jornal.
Para Bia Barbosa, a conduta demonstra uma tentativa de sufocar o conflito existente em torno dos argumentos da acusação. “É inconcebível você pensar que um telejornal que vai fazer uma síntese do julgamento não traga a fala dos acusados. O único motivo que justifica eles não terem soltado essas falas [antes] é uma escolha editorial”, aponta.
Outro caso constatado pelo monitoramento é o que aponta que o ex-presidente Lula apareceu na GloboNews somente às 22h06min. O julgamento tece início às 8h30min. O desequilíbrio, segundo Bia Barbosa, fere o direito à informação, que trata de uma garantia constitucional e diz respeito ao exercício da cidadania.
“Se eu ligo um telejornal e só assisto nele o que disseram a acusação e os desembargadores e não fico sabendo os argumentos da defesa, certamente tendo a formar minha opinião aderindo às teses que foram divulgadas. Quando você recebe uma visão parcial do que aconteceu, esse direito [à informação] está sendo claramente violado”, explica.
No caso do Jornal Nacional, transmitido pelo canal aberto TV Globo no período noturno e considerado o telejornal de maior audiência no país, a cobertura se concentrou nas falas dos três desembargadores, cujo discurso esteve mais voltado para as acusações. Bia Barbosa salienta que, novamente, o jornal agiu com desequilíbrio diante do caso.
A coordenadora-executiva aponta ainda que a fala do ex-presidente veiculada pelo Jornal Nacional trata de uma declaração em que o petista afirmava que o processo carecia de provas e que, por conta disso, ele ganharia “de 3×0” no julgamento. A declaração ganhou, na leitura do Intervozes, um tom irônico diante do contexto geral da edição do jornal e da notícia mais forte do dia, que trazia um placar exatamente inverso.
“A escolha dessas aspas foi pra deslegitimar a fala dele. Ela tem um simbolismo no sentido de tratar o Lula como alguém que estava completamente ‘fora da realidade'”, critica Barbosa.
Coletivo também analisou a mídia impressa
O coletivo Intervozes também realizou uma análise similar, publicada nesta sexta-feira (26), em relação a grandes jornais impressos de cobertura nacional: Folha de São Paulo, Estadão e O Globo.
Ana Mielke, também coordenadora-executiva do coletivo, destaca o que chama de “criminalização da resistência”. Segundo ela, a assimetria de tratamento entre as partes deu o tom do debate e conduziu a cobertura não só para o sufocamento das vozes dissonantes, mas também para a criminalização daqueles que discordam do discurso oficial apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Justiça.
“O discurso dos jornais tem legitimado as decisões da Justiça como se elas fossem infalíveis e não fossem questionáveis, como se estivessem acima de qualquer suspeita. Esse discurso criminaliza a discordância e não tem apego nem mesmo entre os cientistas políticos”, critica Mielke.
Outro aspecto de realce na cobertura, segundo o Intervozes, seria a tentativa dos jornais de convencer a opinião pública sobre uma suposta necessidade de condenação de Lula para levar à estabilização da economia. Mielke aponta que tal argumentação não poderia ser considerada “concreta”.
“A grande mídia se utilizou desse argumento pra tentar gerar empatia na população, mas quais são os dados que reforçam essa argumentação? São estritamente especulativos, ou seja, vêm do mercado financeiro. São um espectro, quase uma assombração”, complementa.
Parcialidade compromete boas práticas do jornalismo
O professor César Bolaño, da Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Sergipe (UFS), considera que a cobertura apresentada pelos grandes jornais em relação ao julgamento do ex-presidente Lula compromete as boas práticas do jornalismo e os próprios valores democráticos. Ele acrescenta que o problema está diretamente relacionado à alta concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil.
“A informação é muito controlada. Não se tem nem uma diversidade de veículos com posições diferentes e nem uma diversidade dentro dos veículos. Estamos diante do pior dos mundos do ponto de vista da mídia hegemônica”, finaliza.