Investir em educação é mais barato e eficaz que encarcerar jovens, diz especialista
Em entrevista à Agência PT de Notícias, Ariel de Castro Alves afirma que o gasto mensal de um estudante em educação básica, de R$ 458, é consideravelmente menor que o valor de R$ 2,5 mil usado para manter um preso
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Investir em educação para evitar que jovens ingressem no mundo do crime é mais eficaz, e mais barato, que submeter um número cada vez maior de adolescentes ao sistema prisional brasileiro. A comparação foi apresentada pelo especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública, Ariel de Castro Alves, em entrevista exclusiva à Agência PT de Notícias.
Segundo Ariel de Castro, membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de SP e cofundador da Comissão Especial da Criança e do Adolescentes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a redução da idade penal deverá aumentar a criminalidade e está longe de ser a solução ideial para a violência urbana.
Enquanto o índice de reincidência entre adolescentes infratores é de 30%, o número de presos que volta a cometer crimes após saírem das penitenciárias chega a 70%.
De acordo com a organização Todos pela Educação, cada estudante da educação básica custou, em 2013, R$ 5.495 ao governo, o que equivale a R$ 457,92 por mês. O investimento é 182% acima valor destinado em 2000. Ainda assim, nem chega perto dos R$ 7,1 mil gastos por mês para cada interno da Fundação Casa de São Paulo.
Existe algum estudo que faça um paralelo entre investimentos em educação e custos do sistema prisional e do sistema socioeducativo? O que representam?
Hoje o entendimento mundial é que a privação de liberdade, a prisão, é sempre a forma mais cara de tornar as pessoas piores. O custo de um preso por mês, em média, é de R$ 2,5 mil para o Estado. O custo de um adolescente, por exemplo, na Fundação Casa de São Paulo, oficialmente é de R$ 7,1 mil. O custo de um estudante da educação básica por mês na escola é de pouco mais de R$ 450. Olha a diferença.
O investimento na prevenção, nas políticas sociais básicas, seria muito mais adequado. Certamente teriam muito mais efeitos na redução da criminalidade a médio e longo prazos se fosse feito esse investimento, tanto na educação, quanto na assistência social, na cultura, nos esportes, na profissionalização desses adolescentes.
Por que esse clamor popular em torno da redução da maioridade penal?
Existe uma campanha difamatória por parte de setores da mídia comercial contra os adolescentes. Todos os dias, principalmente programas policiais sensacionalistas, se dedicam a mostrar e a noticiar crimes envolvendo adolescentes, como se a maioria dos crimes fossem cometidos por eles, o que não é verdade.
Muitos desses veículos de comunicação também estão fazendo campanhas explícitas pela redução da maioridade penal. Alguns sequer dão direito ao outro lado se manifestar, que é uma regra básica do jornalismo. Eles só entrevistam os que são favoráveis à redução, os contrários muitas vezes não têm como se expressar. E quando se expressam, as matérias são editadas para, de alguma forma, gerar uma estigmatização ou ridicularização de quem está contra a redução. Outra questão é que a população também desconhece que os adolescentes são responsabilizados.
Como a sociedade civil deve agir diante dessa ofensiva dos meios de comunicação?
Não adianta as entidades da sociedade civil quererem atuar só em Brasília ou convencendo os parlamentares. As lideranças do movimento social precisam levar esse debate para a comunidade. Justamente a população mais pobre e a população que menos teve acesso aos estudos. Muitos jovens também estão defendendo a redução da maioridade penal. Exatamente as pessoas que mais vão ser atingidas, não foram convencidas pelas lideranças sociais.
Temos que trabalhar na base dos parlamentares, nas comunidades, com as associações de moradores, nas escolas, em todos os espaços que possam ocorrer discussões sobre esse tema. Agora, discutir com a sociedade simplesmente dizendo que nada pode ser modificado acaba também não ganhando nenhum tipo de apoio. É necessário debater com a sociedade e colher propostas de aprimoramento do ECA e das políticas públicas, dos programas e serviços destinados às crianças e adolescentes no País.
Quais os prejuízos da redução da maioridade aos adolescentes e à sociedade?
O principal deles é que colocar esses adolescentes em estabelecimentos prisionais superlotados, dominados por facções criminosas, levando em conta que o adolescente está numa fase de desenvolvimento e é muito mais contagiado pelo contexto em que vive. Muitos deles se envolveram com a violência por viver em contextos de violência, seja doméstica, na comunidade, tanto com a presença do tráfico de drogas, mas também com a presença de uma polícia muitas vezes corrupta e violenta nessas comunidades.
Ao invés de serem tratados e atendidos por educadores, por assistentes sociais, psicólogos, tendo cursos profissionalizantes, estando em escolas com atividades culturais e desportivas, eles vão ficar completamente ociosos, convivendo com líderes do crime organizado em celas superlotadas, sem trabalho, sem atendimento de saúde, sem educação e sem as mínimas condições de ressocialização.
Certamente sairão muito piores para a sociedade, levando em conta que os índices de reincidência do sistema prisional ficam em torno de 70% e os índices de reincidência em unidades de internação ficam em torno de 30%.
O que leva o adolescente a envolver-se com o crime?
O crime só inclui quando o Estado e a sociedade excluem, seja pela ausência de políticas sociais adequadas ou pelo oferecimento de políticas sociais e educacionais precárias.
Adolescente só vai para o crime na medida em que todas as demais portas se fecharam. Se a porta da escola se fechou, se a porta do centro de atendimento para álcool e drogas se fechou, se as portas dos cursos profissionalizantes se fecharam, é a porta da boca de fumo, é a porta da criminalidade que vai acabar se abrindo.
Por isso que devemos inverter essa lógica. Reduzir a maioridade penal é como se a sociedade brasileira e o próprio Estado reconhecessem que já que não têm competência para educar, para incluir socialmente os seus adolescentes, e resolveram então encarcerá-los.
Como o senhor avalia o projeto aprovado em primeiro turno no plenário da Câmara?
Houve a violação do artigo 60 da Constituição Federal. Houve, realmente, uma manobra para que o tema fosse colocado em votação 24 horas depois da rejeição por parte da Câmara. E a forma acelerada com que foi tratado o assunto nessa segunda votação cerceou muito os parlamentares de se manifestarem.
Esperamos que, através desse mandado de segurança dos parlamentares de partidos como o PT, PSOL, PCdoB e outros ocorra a anulação dessa sessão que aprovou e fique valendo a decisão do dia anterior, que foi realmente a decisão resultante do trabalho parlamentar. O próprio parlamento acabou, de alguma forma, cancelando o trabalho que foi realizado pela comissão especial e mesmo o que já tinha sido discutido na Comissão de Constituição e Justiça.
A proposta aprovada fala em estabelecimentos diferenciados para os adolescentes entre 16 e 18 anos, mesmo com a redução da idade penal. O senhor concorda com a medida?
A nossa lei de execuções, que é de 1984, prevê que os presos provisórios – os que aguardam julgamento – devem ficar separados dos condenados. Isso não acontece nas cadeias públicas. Dos centros de detenção provisória no Brasil, pelo menos 1/3 dos presos foram condenados estão misturados.
A outra separação que a lei prevê é dos presos primários dos reincidentes, só que isso jamais acontece. O próprio ECA prevê com relação aos adolescentes a separação conforme a idade, gravidade do crime, tamanhos físicos e isso também não acontece. O que na prática vai ocorrer é que vão pegar presídios já superlotados, vão lotar mais algumas alas dos presídios ou pavilhões e vão separar um pavilhão para colocar esses adolescentes. Essa vai ser a prática.
Em comparação ao Sistema Socioeducativo, a mudança representa um retrocesso?
Sim, nesses estabelecimentos não há um controle de comunicação, eles vão ficar em pavilhões separados. Mas não se controla nem a comunicação dos presos fora do próprio presídio, imagina como vão impedir que esses presos se comuniquem ou se misturem dentro do próprio estabelecimento prisional.
Por Cristina Sena, da Agência PT de Notícias