Jorlandro Augusto Louzada: De onde vêm os diamantes?
Não nos acostumamos a ver gente elitizada em situação que é destinada historicamente a pretos, pobres, analfabetos, moradores de rua
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O Golpe instaurado em 2016 não foi um golpe contra um partido ou segmento como querem os entusiastas das opiniões públicas. Foi um golpe contra o que o governo do PT estava trabalhando, com alguma ajuda, para quebrar uma apartação social que se instaurou nas relações cotidianas ao longo da história brasileira.
Mano Brown, do Racionais MCs, eleitor declarado de Lula disse em uma entrevista certa vez: “o PT operou milagres”. Pensando nisso segue uma reflexão.
A esposa do ex-governador do Estado do Rio de Janeiro preso chama a atenção de segmentos elitizados e outros cegos sociais por ignorância, pelo fato de sua prisão se dar em meio a escândalos de desvio de verba pública, subornos, lavagem de dinheiro e conseqüentemente a existência de jóias de elevado valor em sua posse, adquiridas com os capitais desse contexto.
Uns disseram: “uma vergonha ver esta cena. Não é bonito para a imagem do país”, “todo aquele glamour, agora sendo desperdiçado em meio à cadeia”, “estamos nos apresentando com qual imagem para o exterior, fazendo dessa forma”… e por aí vai.
O problema é que nos acostumamos. Fazemos a apartação. Todos os dias a polícia faz prisões de pessoas marginalizadas. Bandidos ou não. Se for inocente, e vai parar em Bangu, quem olha de fora vê uma “coisa normal”. Se culpado, a reação é a mesma.
Somos um Estado penal. A punição é a ação mais eficaz para as classes marginalizadas. Não pode haver alternativa. Os entusiastas dos debates de rua, de ponto de ônibus gostam de dizer que o problema é a falta de educação. Sim, estão corretos. Mas o modelo de educação que acreditam é fruto do sistema punitivo. Nesta concepção a educação existente só é ineficiente se olharmos para presos em sua maioria pobres, pretos e de periferias.
Se a análise for mais afundo, vemos quão senso comum é dizer que o problema é educação apenas. Como exemplo tem-se nomes de presos encarcerados de 2015 para cá. Para citar alguns mais famosos e ainda frescos: Eduardo Cunha, Antony Garotinho, Sérgio Cabral, Delcídio do Amaral… Qual deles é fruto da escola pública precarizada? Qual deles?
A situação que problematiza isso é que não nos acostumamos a ver gente elitizada em situação que é destinada historicamente a pretos, pobres, analfabetos, moradores de rua (vide Rafael Braga). Como diz Wacquant, o sistema prisional é fruto direto do sistema escravocrata. A escravidão criou um modelo de individuo que se destina à prisão. Uma morte social.
A situação piora se observarmos o papel dos estigmas. Os defensores da sociedade modelo “ordem e progresso”, massificadores da apartação, afirmam que o objetivo da cadeia é a reintegração à sociedade. Mas não há emprego para ex-detentos. Não há realocação social. A prisão vira prisão perpétua social. Diz Mano Brown: “a justiça criminal é implacável, tiram sua liberdade, família e moral. Mesmo longe do sistema carcerário te chamarão pra sempre de ex-presidiário…”
Voltando à esposa do ex-governador. Suas jóias também são objetos de apartação. Por pertencerem a quem pertence, o fato da prisão torna-se mais “vergonhoso” para quem se vê em condição de superioridade. Não esqueçamos que presos em favelas, donos de morros, gerentes de bocas e outros bandidos de periferia são constantemente presos com jóias de alto valor, ostentando ouro e diamantes. Não chama a atenção. Novamente Mano Brown é quem explica. Estes são “aqueles que você odeia amar… pele parda e ouve funk… e de onde vêm os diamantes? Da lama!…”
Por Jorlandro Augusto Louzada, pedagogo, especialista em Sociologia Urbana pela UERJ, mestrando em Educação, Processos Formativos e Desigualdades Sociais pela UERJ. Mora no Rio de Janeiro, RJ, sendo natural de Valença, RJ, seu domicílio eleitoral. Ainda não filiado, milita em favor do PT junto aos movimentos por moradia, contra as remoções urbanas na capital fluminense. Cursou o ensino superior graças às políticas sociais do PT (ProUni) em seus primeiros anos, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.
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