Juliana Cardoso: Cesárea indevida também é violência obstétrica
Em artigo, vereadora do PT-SP critica Projeto de Lei da deputada bolsonarista Janaína Paschoal (PSL) que incentiva realização de cesáreas sem indicação médica no SUS
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Tramita a toque de caixa na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o Projeto de Lei 435/2019, da deputada Janaína Paschoal (PSL), que incentiva a realização de cesáreas sem indicação médica no Sistema Único de Saúde (SUS).
Polêmico, o projeto tramitou de forma acelerada graças a acordo parlamentar.
Sem passar pelas principais comissões e sem a realização de audiências públicas com especialistas e defensoras do parto respeitoso ele pode ser votado a qualquer momento.
Na rede privada do País, a média de cesáreas fica acima dos 80%.
No Sistema Único de Saúde (SUS), as cesáreas respondem por 41,9%, dos nascimentos, de acordo com o Ministério da Saúde.
Ainda assim, a média nacional permanece alta, pois 55% dos partos realizados são cesáreas, grande parte desnecessárias, isto é, sem recomendação médica.
A associação entre mortalidade materna e a realização de cesáreas é fato fartamente discutido e documentado na literatura científica, bem como a relação entre cesárea e nascimentos prematuros.
Sabe-se que a realização de várias cesáreas por uma mesma mulher afeta sua saúde de forma cumulativa.
Por essas razões, a cesárea, como qualquer cirurgia, deve ser realizada com prescrição médica.
Não é em vão, portanto, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a taxa de cesáreas não ultrapasse 15%.
O Brasil assumiu esse compromisso ao formular o Pacto Nacional contra a Mortalidade Materna em 2004.
Em 2016, o reafirmou no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Cesariana do Ministério da Saúde de 2016 e ainda no Projeto Parto Cuidadoso que também tem o objetivo de reduzir as cesarianas desnecessárias.
Em que pese toda a resistência construída ao longo das duas últimas semanas por movimentos, associações pela humanização do parto, obstetrizes, doulas, ginecologistas, movimento de mulheres e de mandatos parlamentares, os deputados de São Paulo podem aprovar um projeto de lei que coloca o Estado na contramão de inúmeras iniciativas que visam à redução do número de cesáreas. E pior, sem ouvir especialistas.
Mostrando extrema vulnerabilidade ao senso comum e ausência de fundamentação científica, a deputada afirma em sua justificativa que o “direito” a cesáreas eletivas no SUS vai beneficiar as mulheres que não podem pagar pelas cesáreas no sistema privado.
Ao afirmar que o projeto vai beneficiar as mulheres negras que não podem realizar o procedimento no sistema privado, a parlamentar inadvertidamente ignora a luta contra a violência obstétrica que se articula no Brasil desde a década de 1980. E apresenta a liberação do procedimento como solução para o problema
O combate à epidemia das cesáreas desnecessárias, as chamadas cesáreas eletivas, não é tarefa simples, mas é necessária e possível.
Muitos avanços foram conquistados na área da atenção ao parto e nascimento, como a expansão das casas de parto, incentivo à formação e contratação de obstetrizes e enfermeiras obstetras, doulas, bem como quartos privativos onde mulheres recebem cuidado e ficam com o acompanhante durante o pré-parto, parto e pós-parto (PPP).
Na cidade de São Paulo, junto com o movimento pelo parto humanizado conquistamos importantes vitórias como a presença de doulas na hora do nascimento na rede publica municipal e a inclusão das Casas de Parto Humanizado no SUS, como o convênio da Casa Ângela, na zona sul, e a valorização do trabalho da Casa de Parto do Sapopemba.
Além disso, as obstetrizes concursadas em 2016 aguardam as suas nomeações pela atual gestão para atuar na rede.
Neste momento, há que se combater a ideia de que a realização das cesáreas é uma solução para a violência obstétrica como está expresso no projeto de lei.
Por isso, está programada importante Audiência Pública na Assembleia Legislativa sobre o Parto e a Saúde Integral da Mulher e da Criança para trazer ao debate argumentos científicos que apontem a inadequação do projeto.
Juliana Cardoso é vereadora (PT-SP), vice-presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, Adolescente e Juventude e membro das Comissões de Saúde e de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo.