Larrat: a revolução vai ser travesti, a revolução vai ser transgênera

Em artigo, presidenta do ABLGT, Symmy Larrat, critica o ódio na sociedade brasileira e fala da importância da organização política da luta pela transgeneridades

Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Symmy Larrat, presidenta da ABGLT

Ela é diva da sarjeta, o seu corpo é uma ocupação! Essa frase faz parte de uma das musicas da rapper Travesti Linn da Quebrada, uma das minhas diversas inspiradoras. A afirmação nos aponta muito sobre todas as travestis, que segundo dados de pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), vivem em sua grande maioria (95%) da prostituição no Brasil como única forma de sobrevivência. Somos vangloriadas nas esquinas pelos mesmos homens de bem que nos negam escola, emprego e dignidade durante o dia, mas esta realidade tem sido enfrentada com histórias de sucesso nas áreas cultural, acadêmica, profissional e de gestão que, mesmo com a objetificação dos homens cisgêneros ainda latente, ousamos ocupar e esta vivência e convivência têm mudado a realidade e mentalidade de muita gente, causando libertação do CIStema e também muito ódio pelos que não conseguem aceitar nossa ousadia. Esta realidade, mesmo ameaçada diariamente, não tem volta porque para todas nós travestis, mulheres transexuais e conosco os homens trans sabemos que a revolução será Transgênera!

A organização política foi um marco importante para a construção deste início de revolução, mesmo que ainda tímida, é impossível negar que estamos vivendo em uma sociedade que debate gênero cada vez mais, seja pela nossa ousadia de emplacar nos espaços da mídia formal, da mídia alternativa, no cinema, nas artes e no cotidiano do mundo do trabalho, nossa presença que por si só é questionadora, ou pela insistência dos representantes do neofascismo em nos colocar no centro do alvo do que ameaça o arquétipo de família tradicional. Não à toa as declarações da porta-voz do novo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos têm ocupado o topo das postagens e intervenções nas redes sociais. O debate do “azul e rosa” por exemplo virou meme, ato público, conversa de bar, manchete de jornal e fantasia de carnaval, porque somos uma população criativa, alegre e diversificada e mesmo quem rejeita esse debate teve que conviver com ele.

As transgeneridades se colocam então como divisor de água nos dias de hoje, e pelo visto assim será durante esta gestão federal, de um lado aqueles que acham que somos fruto do senhor de todo mal e a personificação do pecado e da vergonha, de outro aqueles que defendem que precisamos nos libertar e que precisamos dar um basta a todas as opressões de gênero e dentre elas a transfobia. Chegamos até aqui! E é muita audácia de quem está em cima do muro nesse debate pedir para nos calarmos porque vamos ofuscar pautas que para nós também são de primeira importância, mas que sem defender nossa existência não estaremos vivas para acessar, ou alguém acredita que nossas Dandaras irão se aposentar um dia ou acessar o SUS? Cabe então entendermos que é necessário construir uma narrativa que contemple a todas!

Queria ouvir o barulho da ficha caindo nas mentes dos nossos iluminados ao perceberem que não existe regra a ser respeitada pelos fascistas e não existe mudança que se dê só pelo jogo do pragmatismo eleitoral. A velha frase “conquistar corações e mentes” abandonada na pratica real de disputa social é o que estamos fazendo as noites nas esquinas e de dia nos frontes de resistência: somos ibope, somos toptrendig, somos acesso e likes, conquistamos tudo isso e vamos além. Conquistamos alguns acessos de cotas ou vagas em universidades, serviços especifico na saúde para nossa transição, reconhecimento do Supremo Tribunal Federal da nossa identidade de gênero nos registros oficiais sem necessidade de judicialização e vamos além, pois além da sociedade que consome nossa arte, musicalidade e fechação e da gestão com os exemplos citados, estamos em intenso diálogo com parte do mercado porque vamos e precisamos sobreviver e já temos exemplos exitosos de ocupação em empresas que inserem nossas corporeidades e que percebem o ganho cotidiano de nossas contratações.

O Brasil está dividido, pois mesmo uma narrativa ganhando as urnas ela não foi maioria absoluta, elegemos mais pessoas trans este ultimo ano, mesmo não sendo maioria, até porque não detemos os investimentos, saímos do zero pra votações expressivas e não podemos deixar que a parte vitoriosa nos massacre. Precisamos de aliados dentre os 44,9% que votaram contra este projeto, fora as abstenções, para reagir conosco e dialogar com o restante da população sobre o respeito e a necessidade de defender direitos , de empregar travestis, mulheres transexuais e homens trans, de promover equidade e de lutar e resistir, tudo junto! Assim como em determinado momento muitos de nós da esquerda e do campo popular fizeram a opção de se aliar com o oportunismo religioso e com o que há de mais severo dentro do capital, reavaliem e ponderem se não é o momento de outra aliança e acordem bebê a revolução travesti já começou!

Por Symmy Larrat – Puta, Feminista, PresidenTRA da ABGLT

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