Lula vai ter influência maior, diz Falcão ao Valor

Em entrevista ao Valor, Rui Falcão diz que Lula está mais presente no segundo mandato e que haverá mais diálogo com a nova classe média

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá um protagonismo maior no segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, segundo disse o presidente do PT, Rui Falcão, ao jornal Valor. No primeiro mandato, Lula se distanciou para que Dilma tivesse brilho próprio. Outra mudança será um maior diálogo com a nova classe média.

Veja a entrevista publicada pelo Valor:

Valor: Qual foi o maior erro do governo Dilma e o que um segundo mandato pode mudar?

Rui Falcão: Acho que tem que ampliar o diálogo. Houve diálogo, mas tem que ampliar.

Valor: Com quem?

Falcão: Houve pouco diálogo com setores médios, com a classe média. Fruto também de um amplo movimento de reposicionamento social que ocorreu. Houve uma ascensão social de 40 milhões de pessoas. Toda vez que há um deslocamento de classes, você tem muito conflito. Temos hoje um conflito distributivo, que está no núcleo das manifestações de junho. Houve um movimento muito grande das classes D e E para C e B. Isso provoca mudanças no perfil de consumo, nas aspirações, nas demandas, e houve uma cristalização no topo superior. É como se você estivesse numa escada, no meio dela, querendo saber se vou subir mais, quem vem de baixo [está] me empurrando, e quem está em cima achando que muita gente vai chegar lá também. Isso cria um expectativa. Como o país passa a crescer menos, as pessoas pensam: “Bom, com esse crescimento eu não vou poder subir mais”. Isso provoca um conflito de aspirações e crítica.

Valor: O descontentamento é da classe média tradicional ou da nova, emergente?

Falcão: Trabalho sempre com o conceito de ascensão social. Porque você tem, na verdade, uma classe trabalhadora, que está nesta faixa chamada de nova classe média. Essa classe trabalhadora não participou de greves, não tem a memória da ditadura, e acredita muito que essa ascensão se deu exclusivamente por seus méritos próprios, por seu esforço pessoal. Parte é verdade, mas parte é fruto das políticas públicas que foram implantadas nesse período. Tanto que o Lula pergunta assim: “Se fosse só esforço pessoal, porque não ocorreu antes, durante o governo Fernando Henrique?” Essa ideia do mérito próprio estimula a fragmentação, o individualismo, afasta as pessoas de coisas mais sociais, coletivas. Era preciso ter uma identificação mais rápida do que estava acontecendo e um direcionamento mais rápido para a disputa política, para o esclarecimento, sobre as políticas públicas, para que tivesse uma base maior de apoio, de protagonismo desses setores.

Valor: O segundo turno é uma disputa mais de contraste com o adversário do que de apresentação de propostas. Neste sentido, seria mais fácil para Dilma enfrentar Aécio do que Campos, cujo perfil e trajetória são mais próximos do PT?

Falcão: Os tucanos expressam com facilidade o retorno ao passado. E aí não se trata de estratégia do medo. É uma identificação clara quando eles colocam, inclusive, o Fernando Henrique, como principal ícone da campanha.

Valor: A avaliação, então, é a de que com Campos ficaria mais difícil fazer o contraste?

Falcão: Ele se esforça por fazer uma diferenciação dela [Dilma] em relação ao Lula por estratégia política. Como a gente trabalha com o conceito de projeto [com início no governo Lula] ficaria muito difícil para ele fazer esse embate. É fácil fazer agora. Mas num segundo turno seria difícil. Mais uma vez fica claro que há um embate de dois projetos no Brasil, no plano nacional. Não tem espaço para quem queira se credenciar como terceira via.

Valor: Mas Campos seria um adversário mais difícil que Aécio no segundo turno?

Falcão: É difícil prever. Até o momento ele não aparece como alternativa para o segundo turno.

Valor: Dá para ganhar no primeiro turno?

Falcão: A eleição, pelas regras, se dá em dois turnos. As três últimas se deram numa solução no segundo turno. Se ganhar no primeiro turno, muito bem. Se não, estamos preparados para ir para o segundo também. E há quem, aqui no PT, prefira ganhar no segundo turno, com uma margem maior, do que no primeiro. Lembram que na vitória contra o [candidato do PSDB à Presidência, em 2006, e governador de São Paulo Geraldo] Alckmin, por exemplo, o que o levou a ter menos votos no segundo turno do que no primeiro foi aquele embate-chave sobre o modelo de privatização. Mas eu prefiro ganhar no primeiro.

Valor: O que pode mudar na relação do partido com a presidente, num eventual segundo mandato?

Falcão: Nenhum presidente do PT teve tanto acesso ao presidente da República quanto eu tive. Mesmo com o Lula, que tinha uma relação mais direta, institucionalmente não havia reunião periódica, acesso permanente, como tenho tido.

Valor: Mas as insatisfações do PT com o governo são maiores no mandato dela do que no dele.

Falcão: Primeiro, são dois estilos diferentes. O Lula é totalmente diferente dela. É a maneira de ser das pessoas. Por exemplo, de acordo com o ex-marido [de Dilma, Carlos Araújo], as companhias dela são os filmes da Netflix, os livros e os parentes. Isso já dá uma diferença muito grande. Não estou fazendo juízo de valor. O pessoal até fala o seguinte: o Lula não reunia bancada, mas não havia queixa, porque ele dava um abraço, uma coisa ali e tal. E ela mantém uma relação institucional, do Poder Executivo com o Poder Legislativo. Mas na questão das emendas parlamentares é o mesmo método. Se você for medir quem liberou mais ou menos, eu nunca localizei diferença. Mas há reclamações, pelo fato de as pessoas ficarem imaginando que ela seria como o Lula. E não é. E não vai ser.

Valor: E com relação ao PT?

Falcão: O pessoal reclama que ela não abraçou o plano de democratização da mídia, mas o Lula mandou a proposta de marco regulatório no último ou penúltimo mês de governo dele. Em termos políticos, não dá para dizer que um foi mais petista, ou de esquerda, que o outro.

Valor: Parece haver uma convergência entre setores do PT e do empresariado na expectativa de maior participação do Lula num eventual segundo mandato da Dilma. Isso pode acontecer?

Falcão: Sim. Primeiro, o Lula dizia que precisava desencarnar [da Presidência]. Procurou não ficar mais presente – fazendo reuniões, aconselhando – para que ela se afirmasse também e que não tivesse aquela coisa que é tradicional aqui no Brasil e no mundo, entre quem indica e quem sucede, entre criador e criatura. Houve esse distanciamento planejado e deliberado por parte dele. Isso não impediu que ela estivesse com ele, o procurasse. O diálogo em momentos críticos ocorreu. Como se materializa essa expectativa? Precisamos eleger a Dilma, para o Lula voltar em 2018. Isso significa que, ela reeleita, começa o ciclo de debate, de planejamento, para que o nosso projeto tenha continuidade, com o retorno do Lula, em 2018, que é a maior segurança eleitoral de que o projeto pode continuar.

Houve pouco diálogo com setores médios. Era preciso ter identificação mais rápida do que estava acontecendo

Valor: Empresários dizem que confiaram em Lula, quando o ex-presidente escolheu Dilma à sua sucessão, mas que agora querem compromissos dela, como a mudança na política de concessões e o reajuste do preço da gasolina. O que o empresariado pode contar desde já como compromisso da campanha?

Falcão: O primeiro compromisso é a própria maneira como o governo tem tratado o país, compromisso com retidão, com a transparência, com o crescimento econômico, dentro daqueles pilares que ela [Dilma] disse que não vai mudar.

Valor: Quais são estes pilares?

Falcão: O primeiro é manter a perspectiva de crescimento, com mercado interno forte e proteção da economia nacional, com a soberania que se estabeleceu de não ficar submisso ao FMI, com valorização dos salários e distribuição de renda. O segundo tripé são os programas sociais, que também têm sido responsáveis por você ter um mercado de consumo e ter mais cidadania. E o terceiro, que interessa bastante ao empresariado, é o que estamos acostumados a chamar de competitividade produtiva, que se apoia na continuidade dos investimentos em infraestrutura – nunca se investiu tanto nesta área como agora. Esse investimento em infraestrutura ajuda muito a agregar valores a nossos produtos, ajuda na competitividade, porque se reduz o custo da logística, que pesa bastante não só na indústria mas nos exportadores de commodities.

Valor: O que mais?

Falcão: A segunda coisa é simplificação tributária. Há uma queixa enorme, e com razão, por excesso de burocracia, não só da carga tributária que existe, mas em todo gasto que se tem de tempo, de pessoal, para se preencher guia etc. E o terceiro ponto é a questão da burocracia. Vai haver – está em construção isso – iniciativas muito fortes para reduzir a burocracia, tanto nessa área como para ter acesso mais fácil ao BNDES e à Caixa Econômica. E o outro ponto é a qualificação da força de trabalho. Ou seja, ter não só o emprego, mas emprego mais qualificado. Além disso, apoiar muito a questão da inovação, de investimento em pesquisa e desenvolvimento, para inclusive renovar o parque industrial.

Valor: Mas o risco de desindustrialização não foi revertido….

Falcão: O problema da indústria não é só o da competição com o produto importado, é também um certo atraso tecnológico, da defasagem entre países desenvolvidos e emergentes. Porque hoje não é nem [a questão sobre] que indústria tem. Mas como está a distribuição disso. Você tem pesquisa e desenvolvimento, marcas, marketing, e para os outros é call center. E isso mantém a desigualdade sob o ponto de vista da renda, mas também a defasagem do desenvolvimento industrial.

Valor: O empresariado critica esse investimento em infraestrutura porque ele é sempre via BNDES, queixam-se que o governo não cede nos contratos, para que os serviços sejam remunerados via tarifa. É sempre com subsídio do BNDES. Isso tem chance de mudar?

Falcão: Primeiro, há candidatos falando que se precisa acabar com subsídio do BNDES, e subsídio que não é só dessa área, tem [também] para o [programa] Minha Casa Minha Vida. Essa é uma questão importante: o que é o subsídio e a quem serve. Sobre o BNDES, ao mesmo tempo em que se clama que haja mais espaço dos bancos privados, ninguém quer abrir mão, e ela [Dilma] tem dito: “Vou manter crédito para médio e longo prazo”. E quem garante crédito para médio e longo prazo é o BNDES. Até então ninguém se dispunha. E vamos notar que, até o governo nosso, crédito de médio prazo era de cinco anos. Ninguém investe em infraestrutura com menos de oito, dez, 15 anos, para ter o retorno do investimento. Isso foi mudado. Como também aprendemos que, da maneira como estava formulada a TIR [taxa interna de retorno], não tinha investimento em infraestrutura. Isso foi um aprendizado, que propiciou a se ter mais interessados nas concessões. Agora, para expansão de ferrovias, parece que tem 18 ou 19 grupos que manifestaram interesse. Por quê? Porque mudou a sistemática das concessões.

Dilma tem aprendido várias lições, como a questão das concessões e o diálogo com lideranças dos Brics

Valor: Um segundo mandato vai de fato atrair mais interessados pelo modelo tarifário do que pelo financiamento pelo BNDES?

Falcão: Mas tem uma combinação das duas coisas. Já houve uma mudança.

Valor: Não há o risco de Dilma, se reeleita virar, como se diz, um ‘pato manco’, uma presidente sem poder?

Falcão: O Lula fez um segundo mandato melhor do que o primeiro. Estamos reunindo todas as condições para que o segundo mandato de Dilma seja melhor do que o primeiro. E ela agora tem aprendido várias lições.

Valor: O sr. pode citar três lições que ela tenha aprendido?

Falcão: A questão das concessões, além dessa de ter um diálogo mais efetivo e permanente [com a classe média], assim como ter um diálogo com lideranças mundiais para manter o Brasil como grande player. Essa lição se materializou agora, nos Brics, quando conseguimos viabilizar, com negociação muito ampla, tanto o banco quanto o fundo de proteção, de R$ 100 bilhões.

Valor: Isso significa maior convergência com a política externa que vinha de antes, com Lula?

Falcão: Sim.

Valor: Por que a arrecadação do PT foi tão baixa na primeira parcial de prestação de contas divulgada pelo TSE?

Falcão: Há uma retração natural, agora, dos grandes financiadores porque, efetivamente, não queremos caixa dois. A lição do mensalão foi mais do que suficiente para a gente não enveredar nas práticas que os outros partidos incorriam. Em segundo lugar, as empresas também estão receosas, com essa questão de doleiro, e as pessoas põem as barbas de molho.

Valor: Mas se não tem caixa dois seria de se esperar que o caixa um aumentasse?

Falcão: Muita gente não quer aparecer, fica receosa. Mas vamos cumprir as metas de arrecadação.

Valor: Essa retração teria a ver com resistência do empresariado em não financiar o PT enquanto Dilma não firmar compromissos que interessam ao setor?

Falcão: Tem coisas que podem não estar agradando eventualmente. Por exemplo, ela admite a necessidade de mudança na Justiça do trabalho, de atualização da legislação trabalhista, mas não de revogar direitos, de acabar com férias, 13º salário, valorização do salário. Mas não podemos trocar esses princípios para ter mais financiamento.

Valor: E a grande queixa de que o governo está usando a Petrobras para segurar a inflação, ao não fazer o reajuste do preço da gasolina?

Falcão: Houve seis reajustes da gasolina neste período. Mas você tinha que fazer uma escolha entre remuneração de acionistas e o poder aquisitivo da população. E a Petrobras, além de ter acionistas, é um patrimônio do povo brasileiro. Eu acho que vai haver o reajuste. Eles estão discutindo. Não sei se depois da eleição ou se vai ser no ano que vem. Não pode ser um choque. O Eduardo [Campos, candidato à Presidência pelo PSB], pelo que vi na imprensa, desautorizou o [coordenador de campanha] Alexandre Rands, que disse que teria um reajuste. O Aécio [Neves, candidato à Presidência pelo PSDB], pelo visto, se for eleito, vai promover um reajuste brutal, pelo menos pelo discurso dele.

Valor: O PT permitirá que Lindbergh Farias, coligado ao PSB, faça campanha para Campos no Rio?

Falcão: Não. Ele tem um palanque só, que é para Dilma. Ele é do PT. O fato de ter o Romário [candidato do PSB ao Senado], na coalizão, é o Romário que está cedendo tempo [de TV] para ele. E vai fazer sua campanha específica. Inclusive, calou a boca. Não fala [mal] mais da Dilma. Porque, além de criar dificuldade para o Lindbergh, era uma coisa totalmente contraditória para ele, Romário.

Veja Link: http://www.valor.com.br/politica/3647112/lula-vai-ter-influencia-maior-em-2

  

Da Redação da Agência PT de Notícias

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast