Mercadante: Medidas autoritárias na Educação estão fadadas ao fracasso
Em nota, ex-ministro da pasta repudia decreto de Bolsonaro que pretende militarizar as instituições públicas de ensino no Brasil. “Escola deve ser território de afeto”.
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Como é característico de governos autoritários, Bolsonaro e sua equipe do Ministério da Educação publicaram, sem qualquer debate ou participação popular, o Decreto nº 9.466, que pretende, entre outras coisas, militarizar a educação no Brasil.
De acordo com o referido decreto, as escolas devem adotar por “adesão o modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital tendo como base a gestão administrativa, educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares”.
Ao publicar tal medida, o atual governo parece desconhecer que a educação pública brasileira já possuiu experiências pedagógicas exitosas e de excelência, no ensino médio, como os institutos e centros tecnológicos federais ou alguns projetos especiais na redes estaduais de ensino técnico.
Um indicador fundamental que atesta a qualidade do ensino médio dos Institutos Tecnológicos Federais é o desempenho dos mesmos no Pisa. Em 2015, se fossem considerados um país, teriam ficado em 2º lugar em Linguagem, 11ª em ciências e 30º em matemática, entre os 70 países mais ricos do planeta.
Nos estados, responsáveis por cerca de 85% das matrículas no ensino médio, as escolas técnicas estaduais receberam grandes aportes de recursos para construção de infraestruturas, laboratórios e para o esforço de melhoria da qualidade do ensino por parte do MEC. Além disso, seguem um padrão de qualidade parecido com o dos Institutos Tecnológicos Federais. Porém, a ampliação desta experiência nas demais escolas das redes nāo se dará jamais pela simples adesão por decreto. É preciso planejamento estratégico, políticas públicas, mais investimentos e parceria republicana.
Os Institutos Federais de Tecnologia e as escolas técnicas estaduais são a prova definitiva de que a educação pública pode dar certo. O sucesso dessas escolas está no fato de adotarem a educação em tempo integral, fruto de pesados investimentos públicos, e de possuírem professores com formação docente, carreira e salários mais adequados que a média das demais escolas públicas.
A militarização por adesão seguramente não é a solução para os imensos desafios da educação brasileira, especialmente no ensino médio. É inquestionável que os colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares também possuem, na maioria dos casos, um bom desempenho acadêmico , especialmente nas disciplinas de exatas, como demonstram os resultados da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas- OBMEP.
Porém, esses projetos pedagógicas, construídos a partir de valores como a disciplina e a hierarquia, são direcionados para os jovens que possuem uma vocação orientado para a carreira militar, seja na segurança pública ou na defesa nacional. Não sāo e nem poderiam ser o projeto para o conjunto da rede pública de ensino médio.
Como sempre defendi na minha vida pública, volto a dizer que escola deve ser um território do afeto, que deve oportunizar uma formação completa, humanista, inclusiva, de tolerância e de cidadania, com foco na consolidação de uma cultura de paz e de respeito integral aos direitos de todos e de todas.
No ensino médio, precisamos avançar na qualidade da oferta para os jovens ingressarem nas universidades, para iniciarem uma formação técnica e profissionalizante, mas sempre dentro de uma perspectiva mais ampla de formar para a vida em sociedade, em que a vocação militar é um nicho muito específico.
Na educação, e a história nos prova isso, a imposição de medidas autoritárias, em que não há a participação e o envolvimento da comunidade escolar, está fadada ao fracasso. Por isso, um decreto que pretende fomentar artificialmente a militarização das nossas escolas por adesão nāo tem viabilidade efetiva, não deveria ser a prioridade para melhoria da qualidade no ensino médio e tem um imenso potencial de ser um retumbante fracasso.
Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação