Mercadante: Vélez comete mais uma ilegalidade ao tentar impor conteúdo nos livros didáticos
Para o petista, ministro de Jair Bolsonaro mais vez atenta contra preceitos fundamentais da Constituição ao apresentar golpe de 64 como um regime democrático
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É inacreditável que o ministro da Educação, Vélez Rodríguez, atente mais uma vez contra preceitos fundamentais da Constituição brasileira, desta vez, com o anúncio de que fará mudanças unilaterais nos livros didáticos, com o intuito de apresentar o golpe militar de 64 como um “regime democrático de força”. Essa medida agride a liberdade de cátedra, o livre exercício do magistério e o pacto federativo.
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi criado, com outra denominação e menor abrangência, em 1929, e foi sendo aprimorado ao longo de muitas gestões do MEC. O PNLD segue critérios técnicos, alinhados ao Plano Nacional de Educação, dentro de um regime de colaboração entre os entes da federação, municípios, estados e união. As redes escolares, municipais e estaduais, têm total liberdade acadêmica e pedagógica, a partir de um princípio constitucional que estabelece a liberdade de cátedra e o regime de colaboração.
Portanto, o PNLD assegura que as redes de ensino e seus respectivos professores e professoras optem, dentro de um cardápio de opções oferecidas pelo Ministério da Educação, por obras que assegurem qualidade acadêmica e científica e atendam aos projetos pedagógicos de cada escola. O foco é a distribuição de livros didáticos, pedagógicos e literários, de forma sistemática, regular e gratuita para todas as escolas públicas, de educação infantil, ensino fundamental e médio, interessada.
Dentro desses princípios constitucionais, o MEC não pode e nem poderá tentar impor conteúdos, pacotes ideológicos, visões unilaterais e, muito menos, a nova “verdade histórica” sobre o golpe de 1964, nos livros didáticos. O atual ministro e seu governo já afirmaram que defendem a ditadura de 64, que rasgou a Constituição, que censurou, que restringiu a liberdade de manifestação e de organização, que perseguiu, que prendeu, que torturou, que assassinou e que forçou o exilio de muitos que lutavam pelo reestabelecimento do estado democrático de direito.
A democracia é um regime tão fantástico e flexível que permite, até mesmo, aos que a ela se opõem o direito se expressar livremente. Mas, o regime democrático e a Constituição brasileira não permitem que o ministro da Educação possa impor sua visão obscurantista aos livros didáticos ofertados pelo governo federal.
Os comitês que selecionam os livros do PNLD são formados por especialistas, com reconhecimento acadêmico, via de regra integrantes e pesquisadores dos corpos docentes de nossas universidades, que, ao elaborarem os pareceres de cada obra, sequer identificam os autores das mesmas, para assegurar o absoluto rigor técnico nas escolhas.
Definitivamente, não compete ao ministro da Educação impor o conteúdo dos livros, mas sim as redes de ensino, que têm a mais ampla liberdade acadêmica e pedagógica para escolher a bibliografia escolar.
Por mais que o ministro Vélez, assumidamente monarquista, não goste, o Estado brasileiro é republicano e ainda democrático. Como tal, exige o respeito absoluto à pluralidade das ideias, à liberdade de cátedra e ao pacto federativo e seu regime de colaboração.
Mais uma vez, o ministro está tentado violar a Constituição. Vélez já voltou atrás seis vezes em medidas ilegais e descabidas, já foi acusado de improbidade administrativa por uma delas, e terá que voltar a sétima. Foram 15 assessores demitidos, hoje, foi a vez do assessor de comunicações do MEC. Caso insista nessa iniciativa autoritária, ilegal e descabida, logo teremos novas demissões e recuos, ou mais um processo contra o ministro.
O PNLD é um programa consolidado, reconhecido e valorizado internacionalmente, que deve ser preservado e aprimorado. O respeito à liberdade de cátedra, à pesquisa científica e ao pacto federativo exigem critérios eminentemente técnicos na seleção dos livros que compõe o programa e são pilares fundamentais para o êxito do mesmo.
Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação