Mestre de capoeira é morto a facadas por apoiador de Bolsonaro
Moa do Katendê era referência da cultura afrobrasileira e foi morto com 12 facadas nas costas na madrugada desta segunda (8)
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O mestre de capoeira Moa do Katendê, de 63 anos, foi assassinado com 12 facadas nas costas em um bar em Salvador (BA). O assassinato foi cometido por um apoiador do candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro (PSL) na madrugada desta segunda-feira (8), após uma discussão sobre as eleições.
Educador, compositor, artesão e liderança do movimento negro e da cultura no estado da Bahia, Mestre Moa declarou seu apoio a Fernando Haddad (PT) no primeiro turno das eleições e defendia o voto no petista.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou que o homem que cometeu o assassinato foi preso em flagrante. O autor do crime admitiu que, após uma discussão de caráter político, voltou a sua casa e buscou a faca que utilizou no homicídio.
O corpo de Mestre Moa foi velado em um cemitério no bairro de Baixa de Quintas, onde amigos, familiares, artistas populares e militantes foram prestar homenagens.
A SSP não confirmou a identidade nem o estado de saúde de um outro homem, de 51 anos, que também foi atingido no braço. Ele foi encaminhado para o Hospital Geral do Estado (HGE).
Biblioteca viva
Nascido em Salvador, Romualdo Rosário da Costa é um dos principais nomes da cultura popular afro baiana. Iniciou-se ainda menino, na década de 1960, na Academia de Capoeira Angola Cinco Estrelas.
Era compositor e, em 1977, consagrou-se campeão do Festival da Canção Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil. Também participou do grupo Erê Gegê e, fundou, em maio de 1978, o Afoxé Badauê – cantado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Moraes Moreira.
No final da década de 1980, ministrou aulas de capoeira e percussão para crianças em projetos na Fundação Nacional de Assistência Social, na antiga Febem e SOS Criança. Na época, também participou do Movimento de Artistas Negros de São Paulo com projetos musicais Negra Música (1988) e Venha ao Vale (1989), ao lado de Jorge Ben Jor. Na capital paulista, fundou o Afoxé Amigos de Katendê.
Mestre Moa membro da Associação Brasileira de Capoeira Angola, discípulo de mestre Bobó de Pastinha e era descrito por capoeiristas como “uma biblioteca viva, um museu vivo da história da arte afro brasileira”. Ele era um defensor da reafricanização da juventude e do Carnaval da Bahia.
Uma pessoa de muita delicadeza é como a professora da Universidade Federal da Bahia e mestra de capoeira do Grupo Nzinga, Paula Barreto, se lembra de Mestre Moa. “Machuca mais justamente por ser essa figura, uma pessoa que agiu e defendeu seus ideais e a cultura negra de maneira pacífica”, pontua.
“Para nós, ele deixa essa imagem: um capoeirista angoleiro elegante, de jogo lento e totalmente distanciado da violência. De muito charme e muita graça e leveza. E, fora da roda de capoeira, um cara sempre agradável e bem-humorado, atraindo e reunindo pessoas em torno dele.”
Mestra Paulinha conta que o crime sensibilizou comunidades da capoeira, do afoxé e da militância negra em Salvador: “Há muita revolta e pouco de temor de que esse seja um caminho, o crime de ódio. Não tem como se referir a esse crime que não a essa maneira”.
Repercussão
O ator paulista Sidney Santiago Kuanza afirmou que a morte da liderança foi “covarde” e relacionou com o aumento da cultura de ódio promovido pelo candidato Jair Bolsonaro. “Já é a derrocada. É o começo de violência que já era esperado. ‘Ele não’, porque ele empodera, mesmo que à distância, a truculência e a violência”, afirmou em vídeo.
No Twitter, Manuela d’Ávila (PCdoB), vice da chapa de Fernando Haddad, afirmou que o assassinato de Mestre Moa é resultado do quadro da intolerância e do ódio: “foi morto porque pensava diferente de quem o assassinou. Era defensor da cultura e dos negros e negras e lutava por qualidade de vida para quem mais precisava”, disse.
A cantora Karina Buhr se pronunciou nas redes sociais: “O Brasil segue sangrando na estupidez”. O rapper Rashid também postou no Twitter. “Onde isso vai parar? Tive a oportunidade de conhecer o mestre, devido a um projeto musical do qual eu participava com ele. Tô profundamente triste com a notícia”, afirmou.
Jaques Wagner, senador eleito pelo PT no estado da Bahia, afirmou que o assassinato de Mestre Moa é “inaceitável”: “É deplorável que a diversidade de posicionamentos, a maior riqueza da democracia, motive perseguições e até mortes. E faço um alerta: ou voltamos para a normalidade democrática com garantia da liberdade de opinião e respeito às diferenças ou viraremos um faroeste, uma terra sem lei.”
Por Brasil de Fato