Midiã Noelle defende comunicação antirracista e compromisso com a equidade
Em entrevista ao Café PT, jornalista, ativista e escritora discute linguagem, mídia e luta diária contra o racismo
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Ao programa Café PT desta sexta-feira (28), a jornalista, escritora e ativista Midiã Noelle falou sobre o lançamento do livro “Comunicação Antirracista – Um guia para se comunicar com todas as pessoas em todos os lugares”. Ela aprofundou a discussão sobre como o racismo estrutura a comunicação no Brasil, os desafios enfrentados pela população negra na mídia e a importância da representatividade.
Noelle também compartilhou sua experiência na elaboração do Plano de Comunicação pela Igualdade Racial do governo Lula. “Com racismo, não há democracia”, enfatizou.
A escritora explicou que a comunicação antirracista exige um olhar descolonizado e a valorização das semelhanças entre as pessoas.
“A gente precisa descolonizar o nosso olhar e reconhecer o processo de semelhança com o outro. É a partir dessa identificação que a comunicação antirracista se estabelece”.
Para ela, a comunicação antirracista também é antipunitivista e fundamentada no reconhecimento de direitos. “A promoção dos direitos da população negra depende desse reconhecimento. O que a população negra sofre historicamente impacta toda a sociedade.”
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Linguagem no cotidiano
Midiã Noelle relatou experiências que demonstram como o racismo se manifesta nas interações diárias. “Trabalhei por muito tempo em organismos internacionais. Muitas vezes, sobretudo na ONU, as pessoas não me reconheciam como profissional. Achavam que eu estava falando de sabão em pó (Omo), e não da ONU.”
Ela ressaltou que o corpo negro comunica, mas frequentemente não é associado a posições de destaque. “Uma pessoa me vê, estabelece contato visual, mas não enxerga que essa mulher negra pode ocupar aquele cargo.”
A ativista também apontou expressões racistas comuns no idioma, como “lista negra”, “inveja branca” e “morador de rua”. “Por que ‘lista negra’ é algo ruim, enquanto ‘inveja branca’ é positiva, se inveja é inveja?”
A representatividade e o poder da imagem
Noelle criticou a forma como imagens reforçam estereótipos da população negra, especialmente em campanhas publicitárias. “Usar uma criança negra para arrecadar recursos reforça a cultura do sofrimento. Em vez de mostrar como a doação pode mudar sua vida, perpetua o lugar da dor.”
Ela também destacou o impacto da mídia na construção de imaginários sociais. “Na minha infância, todas as paquitas da Xuxa eram brancas e loiras. Eu nunca poderia ser uma delas. Quando surge uma mulher negra, ela aparece hipersexualizada, como a Bombom.”
Apesar de avanços na presença de jornalistas negros em frente às câmeras, Midian Noel ressaltou a ausência deles em cargos de decisão. “Hoje há mais pessoas negras na TV e nas novelas. Mas onde estão os editores de jornais e portais? São poucas as pessoas negras que decidem quais pautas serão publicadas.”
Essa lacuna impacta a cobertura jornalística. “Um editor branco do Sul pode não entender os impactos socio-raciais de uma pauta sobre encarceramento. Ter jornalistas negros nesses espaços é fundamental.”
Lugar de fala
A jornalista diferenciou “lugar de fala” de responsabilidade social. “Lugar de fala todo mundo tem. Mas o compromisso antirracista precisa ser de todos, negros e não negros.”
Ela também criticou a expectativa de que pessoas negras eduquem os outros sobre racismo. “Ensinar é cansativo para uma população que sofreu quase 400 anos de escravização. Os brancos precisam estudar, refletir e entender por que há a necessidade de se autoafirmar diminuindo o outro.”
Plano de comunicação pela igualdade racial
Midiã Noelle contribuiu para a criação do Plano de Comunicação pela Igualdade Racial, instituído em 2023 por decreto do presidente Lula.
“Foi um trabalho inédito, elaborado por um grupo interministerial, com propostas que vão desde publicidade e patrocínio até a criação de uma incubadora de tecnologia com foco racial.”
Ela enfatizou a importância da capacitação de comunicadores públicos. “Quando os agentes de comunicação do governo entendem as desigualdades que a população negra enfrenta, eles podem incidir de forma mais efetiva e gerar um impacto real.”
Juventude Negra Viva
Durante a entrevista, ela citou o Plano Juventude Negra Viva, também lançado pelo governo Lula, como um avanço na proteção da juventude negra. “O plano busca reverter a estigmatização e a violência histórica contra jovens negros.”
O impacto se estende às mães e famílias. “Enquanto os jovens negros morrem, suas mães adoecem. Quando são presos, são elas que carregam o peso desse sistema injusto.”
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Comunicação antirracista
A obra Comunicação Antirracista já está em pré-venda, com lançamentos programados para São Paulo, Brasília, Salvador e Nova York. “Esse livro sistematiza não só meus 15 anos de trabalho, mas também minha vida pessoal e os territórios de onde vim. É uma devolutiva minha para o mundo. Fui investida por mulheres negras e tive muita sorte: minhas chefes eram todas negras.”
Ela reforçou que a obra é prática. “Apresento caminhos para um Brasil melhor. É um guia para todas as pessoas, em todos os lugares.”
No encerramento da entrevista, Midiã Noelle reforçou a gravidade do racismo e a urgência de enfrentá-lo.
“O racismo mata. As palavras impactam vidas. Denunciar atitudes racistas é essencial. Sem combater o racismo, não há democracia.”
“A diversidade também é lucro. Quando me contratam para consultoria, eu digo: enfrentar o racismo é evitar processos. É investir em equidade e respeito.”
Lançamento do livro
Título: Comunicação Antirracista – Um guia para se comunicar com todas as pessoas em todos os lugares
Pré-venda: Já disponível
Disponível nas livrarias: A partir de 31 de março
Eventos de lançamento:
– São Paulo: 27/03
– Brasília: 03/04
– Salvador: 05/04
– Nova York: Durante o Fórum Internacional de Pessoas Afrodescendentes
Da Redação