Milhões de brasileiros ainda esperam pelo auxílio emergencial

Ministério Público Federal forma força-tarefa em estados para exigir resposta imediata do governo federal sobre a demora na resolução de problemas. Ex-ministro da Fazenda defende extensão do pagamento pelo tempo que for necessário

Bruno Caramori

Governo atrasa pagamento do Auxílio Emergencial

O Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU) ingressaram com ação civil pública na Justiça Federal em Sergipe para obrigar o governo federal a fazer ajustes urgentes no processo de análise e concessão do auxílio emergencial. Os órgãos também querem que sejam solucionados problemas de ordem operacional que estão impedindo o pagamento do benefício aos sergipanos.

Mais de 400 queixas já chegaram ao MPF e à Defensoria Pública da União em Sergipe sobre dificuldades de acesso ao aplicativo da Caixa, problemas para o cadastro das informações exigidas pelo sistema, falta de transparência quanto aos motivos do indeferimento, divergência de informações no Cadastro Único e até incompatibilidades entre o status atual de desemprego e as informações emitidas pelas empresas na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Há também queixas quanto à impossibilidade de correção de dados desatualizados junto aos cadastros oficiais.

Segundo os agentes, embora a Lei que regulamentou a concessão do auxílio não tenha estabelecido qualquer prazo para a finalização da análise dos pedidos, a Caixa Econômica Federal (CEF) chegou a informar, por meio da imprensa e em resposta a reclamações de diversos cidadãos, que a avaliação dos requerimentos seria realizada em um prazo de cinco dias úteis, admitindo a possibilidade de atrasos.

Com base nisso, e na própria natureza alimentar do auxílio, os autores da ação argumentam que essa indefinição fere o direito à razoável duração do processo e torna ineficaz um direito emergencial para sobrevivência dos trabalhadores durante o período de pandemia.

Outro ponto é a necessidade de prover aos cidadãos canais de atendimento eficientes para prestar orientações e sanar dúvidas, evitando que o cidadão se veja obrigado a comparecer pessoalmente às agências para resolver pendências nos cadastros ou o processamento errado dos dados.

Na Paraíba, o MPF também anunciou uma força-tarefa com a DPU e advogados voluntários para ajuizar ações coletivas e individuais contra problemas detectados no processamento dos cadastros de pessoas ainda não contempladas.

“São centenas de denúncias que já chegaram ao MPF e DPU com relatos de problemas nos dados cadastrais desatualizados do governo federal, que impedem, de forma indevida, a concessão do benefício; a impossibilidade de contestar ou recorrer da decisão de indeferimento e, sobretudo, a demora na análise do pedido e na concessão da verba. Mais ainda: muitos pedidos são negados sem especificação dos motivos e o solicitante não pode sequer fazer novo cadastro, pois o aplicativo não permite”, informou o MPF.

O MPF argumenta que a base de dados do Governo Federal não é atualizada e, portanto, não retrata a realidade dos brasileiros. Além disso, muitos pedidos são negados sob a alegação do governo de que outro membro da família já teria sido contemplado pelo benefício; alegação de mesmo endereço para famílias que moram em casas diferentes, mas no mesmo sítio, na zona rural; ou alegação de existência de vínculo empregatício formal em aberto, inclusive com órgãos públicos, quando os vínculos já estariam encerrados.

“São injustiças absurdas porque, além de não poderem recorrer, as pessoas não têm acesso à razão do indeferimento; usam-se dados defasados do CadÚnico, que não representam mais a situação atual dos cadastrados, como é o caso de pessoas que eram casadas e se separaram, que moravam com os pais na época do cadastramento, mas já constituíram uma nova família; pessoas que concorreram a cargos eletivos, mas não se elegeram. Ou seja, se você foi candidato a vereador nas eleições de 2016 e teve um voto, você é suplente e seu pedido de auxílio está sendo indeferido”, apontou o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza.

A Defensoria Pública da União observou o “crescimento exponencial” das denúncias sobre indeferimentos arbitrários do auxílio emergencial. “É muita demanda chegando, além das 225 representações que nos foram encaminhadas pelo MPF”, informou a defensora regional de Direitos Humanos na Paraíba, Marcella Sanguinetti Soares Mendes. “Estamos tentando ao máximo coletivizar as ações, pois os assistidos não têm condições de aguardar tanto tempo. Eles precisam do dinheiro agora”, ressaltou.

Um a cada três brasileiros que requisitaram o auxílio emergencial ainda não recebeu a primeira parcela do benefício, revela uma pesquisa do Instituto de Pesquisa DataSenado, do Senado Federal. Foto: Reprodução.

Demora sem fim

Um a cada três brasileiros que requisitaram o auxílio emergencial ainda não recebeu a primeira parcela do benefício, revela uma pesquisa do Instituto de Pesquisa DataSenado, do Senado Federal. Segundo o portal ‘Metrópoles’, os estatísticos do Senado calculam que entre 24,3 e 29,6 milhões de brasileiros ficaram de fora do programa.

Os pesquisadores revelam que até o momento o auxílio chegou para apenas 65% dos brasileiros inscritos no programa – aproximadamente quatro em cada dez pleiteantes foram excluídos do programa de renda emergencial.

A Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), que processa os pedidos, informou que desde o início do trabalho, em 3 de abril, processou e devolveu 112,5 milhões de resultados à Caixa, após homologação pelo Ministério da Cidadania. O número representa 95,2% dos 118,2 milhões de solicitações recebidas até 14 de maio.

Além dos 36,8 milhões de trabalhadores que foram considerados inelegíveis e vem tendo dificuldades para contestar o resultado, há mais 16,4 milhões identificados como inconclusivos, que necessitam de complemento cadastral. E pelo menos 5,7 milhões ainda aguardam um novo lote de pedidos processados pelo Dataprev e homologados pelo Ministério da Cidadania.

Desse total, 1,5 milhão de cadastros estão retidos pelo Ministério da Cidadania para processamento adicional, e 4,2 milhões são cadastros realizados entre 1º e 14 de maio, ainda em processamento pelo Dataprev.

Pedro Guimarães, presidente da Caixa, disse que a demora é responsabilidade da Dataprev e do Ministério da Cidadania, que fazem o cruzamento dos dados para liberar o pagamento do auxílio.

Na terça (19), a Caixa iniciou o pagamento da primeira parcela a 8,5 milhões de pessoas – muitas delas inscritas desde abril. Esses beneficiários só poderão ter acesso à segunda parcela daqui a 30 dias. Para elas, o calendário complementar da segunda parcela foi empurrado para as últimas semanas de junho.

Extensão do período

O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu em reunião com empresários, na terça (19), que o auxílio poderia ser prorrogado – contanto que o valor seja reduzido a R$ 200, o mesmo proposto pelo governo em março, quando começou a se discutir a criação do benefício. “O que a sociedade prefere, um mês de R$ 600 ou três de R$ 200? É esse tipo de conta que estamos fazendo. É possível que aconteça uma extensão. Mas será que temos dinheiro para uma extensão a R$ 600? Acho que não”, barganhou.

Com o cinismo que lhe é peculiar, o ministro da Economia manifestou “preocupação” com a base da pirâmide social brasileira. “Se falarmos que vai ter mais três meses, mais três meses, mais três meses, aí ninguém trabalha. Ninguém sai de casa e o isolamento vai ser de oito anos porque a vida está boa, está tudo tranquilo. E aí vamos morrer de fome do outro lado. É o meu pavor, a prateleira vazia”, justificou.

Em contraponto, o economista Nelson Barbosa defendeu, em artigo publicado no jornal ‘Folha de S. Paulo’, que o auxílio emergencial seja estendido pelo tempo que for necessário. “O auxílio tem duração de três meses (abril a junho), mas o governo já reconheceu que será preciso prorrogá-lo, pois a crise é grande, e a economia não vai se recuperar rapidamente, mesmo após o fim do distanciamento social”, analisou Barbosa, para quem o desafio da prorrogação está do lado financeiro.

Secretário de Política Econômica e Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda no governo Lula, entre 2007 e 2010, e ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Dilma Rousseff, Barbosa estimou que, se a concessão do auxílio durar pelo prazo de um ano, o gasto do governo poderia subir para R$ 496 bilhões, ou 7% do PIB previsto para 2020.

“Para colocar o tamanho fiscal do auxílio emergencial em perspectiva, o gasto do governo com benefícios do INSS foi de 8,6% do PIB no ano passado. Diante da crise social e desses números fiscais, por quanto tempo devemos prorrogar o auxílio emergencial? A resposta é: por quanto tempo for necessário, o que depende de nossa capacidade de sair do distanciamento social com segurança”, pregou Barbosa.

“O impacto líquido sobre a dívida pública será menor do que 3,5% do PIB devido ao efeito expansionista do auxílio emergencial sobre a economia e a arrecadação do governo”, explicou o ex-ministro. “O processo não acaba no gasto inicial do beneficiário do auxílio emergencial. A empresa ou pessoa que vendeu produtos para beneficiários dos R$ 600 também gastará parte de sua renda, gerando nova rodada de expansão do PIB, em um processo que nós economistas chamamos de “multiplicador”.

Barbosa assume que o gasto influenciará as contas do governo, mas apelas para o bem maior social. “Vai ter mais déficit primário, e isso é normal diante da crise atual. Outros países do mundo também estão passando por isso, e, neste momento de combate à pandemia, é mais importante preservar vidas e dar a ajuda que a economia precisa do que se preocupar com o tamanho da dívida”, ponderou.

Para o ex-ministro, as contas podem ser ajustadas no futuro: “Quando o pior passar, poderemos adotar ajustes do Orçamento, incluindo eliminação gradual do auxílio emergencial e aumento progressivo da tributação sobre renda e riqueza, recolocando nosso sistema de transferências de renda em bases mais sustentáveis”, concluiu.

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