Na Paulista, ambulantes mostram que reforma da Previdência só vem para piorar
Na manifestação de São Paulo, dezenas de vendedores enxergam a “reforma” de Bolsonaro como um fator para agravar a desigualdade
Publicado em
Aos 20 anos, Jackson Francisco da Silva pode ser visto aos olhos de uma parte da população brasileira como um empreendedor. Trabalhador autônomo, é vendedor ambulante. A preços que variam entre 5, 8, 10 e 15 reais repassa sua pipoca e batata armazenadas em um carrinho comprado por ele há cerca de dois anos.
“No começo foi difícil, mas a gente foi na luta e estamos até hoje”, conta. Todos os dias, a partir da estratégia “onde for melhor estou indo”, o vendedor se desloca pela cidade de São Paulo. Na noite desta sexta-feira (22), Jackson trocou a saída de alguma estação do metrô para ficar diante do vão livre do Masp, na Avenida Paulista, onde uma multidão vociferava contra a “reforma” da Previdência entregue pelo governo ao Congresso.
Assim como na “reforma” trabalhista, o governo apresenta a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6 como a salvação da economia. Mas aquelas mudanças fizeram aumentar a informalidade no mercado de trabalho, agravando justamente o problema da Previdência.
É o caso de Jackson. No mercado de trabalho há dois anos e com um dinheiro que “dá para viver no limite da sobrevivência”, o jovem não consegue contribuir para sua aposentadoria, apesar da jornada superior a oito horas e das condições de trabalho que refutam a promessa do empreendedorismo. “Mas por enquanto o que está virando é isso”, conforma-se.
O vendedor acompanha a proposta à distância. Ele baseia suas más impressões sobre a “reforma” pelo nome que está à frente dela, do presidente Jair Bolsonaro. “Eu já não gosto dele”, explica.
Em tempos de crise e da falta de trabalho no mercado formal, ser autônomo é quase um imperativo para o ambulante, que, inseguro quanto ao futuro, analisa a proposta para a Previdência como mais uma reforma desestimuladora para os trabalhadores – principalmente entre os que se arriscam nas ruas. Na Paulista, ontem à noite, eram inúmeros.
No momento em que o ex-ministro do Trabalho e da Previdência Luiz Marinho descrevia a “reforma” como uma “crueldade” que atingiria principalmente os mais vulneráveis, a poucos metros do caminhão de som, de onde dirigentes e lideranças políticas manifestavam-se contra a proposta, a vendedora Ariane Alves da Silva, de 18 anos, estudante do ensino médio, segurava seu carrinho de milho.
Incertezas
Grávida de seis meses, Ariane vê incerteza ao pensar no futuro. Ela trabalha desde os 10 anos para ajudar a mãe, a também ambulante Terezinha Dutra Alves, de 55 anos, deslocando-se cotidianamente de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, até o centro da capital. E sabe o que poderá representar o alerta que diversos especialistas fazem quanto à proposta de Bolsonaro. A mãe já pensa em ir embora, voltar para a Bahia.
Em um cenário como o brasileiro, em que a desigualdade e o dinheiro curto forçam a entrada desde cedo de jovens no mercado de trabalho, a falta de comprovação de vínculo empregatício, com a “reforma” da Previdência, irão fazer com que Ariane, mesmo tendo começado tão cedo, precise ficar mais tempo ainda atrás de empregos para sobreviver.
“Vamos ter que trabalhar mais, independente da idade, se aguenta ou não aguenta”, lamenta a ambulante, que, nos últimos anos, vê maior concorrência nas ruas enquanto oportunidades no ramo formal são cada vez menores, além do aumento de dificuldades no dia a dia.
“Tá faltando emprego, pessoal tá ficando desempregado e vem para a rua. Só que agora a gente nem consegue trabalhar direito por causa da fiscalização, eles levam tudo, a gente trabalha assim, mas é arriscado”, conta.
No momento em que é preciso correr da fiscalização, popularmente conhecida como “rapa”, a vendedora Larissa Lins Pereira, de 35 anos, se dá melhor que Ariane ou ainda Jackson.
Carregando apenas uma caixa com pacotes de bala de menta que vende a 2 reais, sob o vão livre do Masp, esconder a mercadoria é uma das tarefas mais fáceis de uma vida marcada por outras dificuldades, como pagar aluguel, contas ou manter o tratamento para HIV.
Trabalhando desde muito cedo, com cerca de 8 anos, aos 20 Larissa conseguiu um trabalho que arcava com a sua Previdência. Depois de anos de contribuição, encontra-se hoje afastada do emprego em decorrência de sua doença, entre outras questões de saúde, como depressão e tuberculose, recebendo apenas um salário mínimo (R$ 998) como beneficiária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O trabalho como vendedora ajuda para complementação de sua renda. Permite uma vida com o básico, moradia e comida, nada em excesso. Lazer, nem pensar. Diante da possibilidade de redução dos benefícios sociais contidos na propostas do governo, Larissa rebate: “Eu acho isso ridículo, tem que mandar ele (presidente) viver com R$ 400, porque um quarto, no centro da cidade, você não encontra nunca por esse preço”.
Quem é rico pode
A vendedora também não se esquece de afirmação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que chegou a dizer que “todo mundo consegue trabalhar até os 80 anos”. Para ela, é a síntese de um projeto que busca usar a crise para retirar mais direitos dos trabalhadores.
“Tem que mandar o Rodrigo Maia trabalhar até os 80 anos, porque você pode até chegar aos 80 anos, mas se você é rico, tem condições de pagar um bom médico, clínica. Se você não tem condições ficará à míngua, à mercê do governo”, retruca.
Com muitas dúvidas quanto às mudanças previstas, o vendedor Francisco Assis, de 45 anos, afirma estar entre “a cruz e a espada”. Inicialmente a favor da “reforma” por achar necessária ao país, ao ouvir sobre os riscos quanto ao sistema de seguridade, mudou de opinião. “Eu não sou a favor dele (Bolsonaro) querer o que ele está querendo fazer”.
Com a alta rotatividade, outra característica do mercado de trabalho no país, Francisco alternou períodos de contribuição com anos sem arcar com a Previdência. Mais que sua aposentadoria, ele teme sofrer um acidente de trabalho e, por isso, acredita que continuará contribuindo.
Com mais perguntas que respostas sobre a Previdência, evidenciando um debate desigual sobre a “reforma”, o receio maior de Francisco é a tramitação no Congresso. “Você acha que vai acontecer isso? Eles não vão aprovar não, né?” Uma pergunta carregada de certa esperança. No ato da Paulista, com muitos trabalhadores formalizados e no serviço público, a expectativa e a preocupação eram compartilhadas com os excluídos do mercado.