Nacionalismo e soberania nacional, por Francisco Chagas
“O nacionalismo é um fenômeno histórico que surge na era das revoluções, como uma resposta à crise da ordem tradicional” – Eric Hobsbawm
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Esse artigo é uma contribuição das reflexões necessárias para a militância de esquerda, em particular a petista, quando o PT completar 45 anos e teremos o Processo de Eleições Diretas (PED) em 06 julho. Acredito que o debate sobre a questão nacional e o nacionalismo tem profundo apelo nos brasileiros e brasileiras de todas as gerações, em especial no imaginário, daqueles que viram no globalismo imperialista apenas um discurso que piorou a sua vida real cotidiana.
O nacionalismo é uma construção histórica, portanto está sobrecarregada de força política e ideológica. As forças em curso na história o conduzem a fim de concretizar o seu projeto de nação como uma comunidade de destino.
O sentido de comunidade de destino que congrega uma identidade coletiva de uma nação, baseia se na crença de que todos temos uma história, uma cultura e uma língua em comum. No caso brasileiro a comunidade destino está amalgamada em um território, com uma língua hegemônica, de múltiplas culturas que se fundiram numa diversidade cultural, com ricos recortes regionais, profundo fosso de desigualdades econômica e social, e indisfarçáveis preconceitos étnicos, raciais, sexuais e religiosos.
AS EXPERIÊNCIAS NACIONALISTAS DO BRASIL
Getúlio Vargas (1930 -1945 e 1951 – 1954)
O Brasil deu passos significativos para consolidar uma base nacionalista da nossa economia com a criação da Companhia Siderurgica Nacional (CSN) em 1941. Em 1953 criou a Petrobras que se tornou a principal empresa estatal de petróleo e gás e hoje constitui uma das maiores empresas petrolíferas do mundo.
Na área social criou a consolidação das leis do trabalho (CLT) em 1943, recentemente desmontada pelo governo golpista de Michel Temer com grande impacto negativo na vida da classe trabalhadora. Em 1945 criou o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que também sob governo de Bolsonaro foi reformada e precarizada trazendo grande prejuízo ao povo brasileiro.
Getúlio também construiu grandes obras de infraestrutura como a Rodovia Castelo Branco e a Hidrelétrica de Paulo Afonso.
Juscelino Kubitschek (1956 -1961)
O Brasil viveu um período desenvolvimentista com o Plano de Metas, para áreas como energia, transporte, alimentação, indústria e educação. O objetivo era crescimento econômico e modernização e tinha como meta síntese a construção de Brasília. Na área social Juscelino criou a Lei de diretrizes de base da educação e a expansão da educação básica. Criou o ministério da saúde e expandiu o serviço de saúde. Criou o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS). Criou o Banco Nacional da Habitação com expansão da habitação popular. Criação da Lei do Salário-Mínimo em 1961 e expandiu os direitos trabalhistas.
Regime Militar (1964 – 1985)
Promoveu políticas de desenvolvimento econômico nacional com o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG) promovendo incentivos à indústria nacional em especial no setor de siderurgia, petroquímica e automobilística. Na infraestrutura construiu ferrovias e rodovias, deu incentivos para indústria de construção naval. Já na área política e social foi um período de repressão, tortura, censura, prisões, exilio, além do desaparecimento e assassinatos dos opositores. O regime impôs controle da educação visando uma ideologia conservadora, para isso reprimiu os movimentos sociais, sindical, estudantil. Durante esse período agravou-se as desigualdades sociais, promoveu um feroz arrocho salarial, que teve como consequências o aumento da pobreza e da miséria, da maioria do povo e uma imensa concentração de renda.
Ao final desse período, a “redemocratização lenta gradual e segura”, como definiu o General Golbery do Couto e Silva, forjou uma República tutelada pelos militares em paradoxo com a Constituição Cidadã cujo conteúdo social sempre encontrou forte resistência nas forças conservadoras para construção de uma nação soberana e inclusiva.
Collor (1990 – 1992) e FHC (1995 – 2002)
O desmonte das políticas nacionalistas
Esse período foi uma assumida ruptura com as políticas de construção nacional e a adoção do “Consenso de Washington”: cartilha neoliberal que previa abertura comercial desenfreada com privatização das empresas estatais, desmonte dos sindicatos, arrocho salarial, desvalorização dos serviços públicos e desmonte do Estado nacional brasileiro.
FHC usou toda máquina de propaganda do governo para desqualificar as empresas públicas, sucatear e entregar o nosso patrimônio ao capital privado, em especial estrangeiro.
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Esse processo de privatização das empresas públicas brasileiras constitui sem sombra de dúvidas um crime de lesa pátria. Segundo Aloisio Biondi o governo promoveu um processo de sucateamento das empresas públicas em torno de amplas campanhas de depreciação dos seus valores, depois justificava a necessidade de sanear e a seguir leiloava com enorme deságio, permitindo ganhos exorbitantes por parte dos compradores privados. Esse foi o maior processo de corrupção a céu aberto da história da República. Segundo Biondi o governo FHC gastou 86 bilhões para sanear as empresas públicas que a seguir foram vendidas por 85 bilhões. Em conta simples, o povo brasileiro pagou 1 bilhão para entregar um patrimônio extraordinário construído com seu suor e sangue.
Tivemos uma verdadeira desconstrução e esvaziamento da nossa soberania e das políticas sociais pela aplicação das receitas neoliberais.
Lula e Dilma (2002 – 2016)
Os esforços de reconstrução nacional com inclusão social
O Brasil estava combalido pelas políticas neoliberais, apesar disso muitas medidas foram tomadas para alavancar a economia nacional, promover o desenvolvimento econômico com transferência de renda para os mais pobres.
No plano social os governos petistas lograram grande sucesso através de políticas de transferência renda com notável crescimento do salário-mínimo, políticas sociais como Bolsa Família, Luz Para Todos, Farmácia Popular e uma lista enorme de políticas públicas que permitiu em 14 anos de governo petista uma transferência de renda da ordem de 17% para os mais pobres. Inaceitável do ponto de vista das nossas elites oligárquicas.
Os governos de Lula e Dilma foram caracterizados pelo neodesenvolvimentismo, procurando realizar políticas de desenvolvimento dentro dos limites do capitalismo neoliberal. Realizaram políticas de proteção do mercado interno com a dotação de recursos ao BNDES para incentivar a produção nacional. Nesse período o Brasil registrou um crescimento econômico significativo e passou a ocupar o 9º lugar entre as grandes economias mundiais. Recuperou a indústria naval, investiu pesadamente em infraestrutura, rodovias, ferrovias, porto, aeroportos, veículos, eletrodoméstico, móveis, construção civil, energia e apoiou a produção de alimentos através da agricultura familiar. Os tempos são outros, as forças políticas e econômicas que governam o Mundo e em particular o Brasil são outras, mesmo que ainda estejamos reproduzindo o velho modelo agroexportador desde o período colonial até os dias de hoje. O Brasil é um dos maiores exportadores do mundo de soja, café, cana de açúcar, milho e carne bovina. Produtos minerais como: ferro, cobre, ouro e manganês. Também mantem uma boa exportação de veículos, aeronaves, equipamento de transporte, produtos químicos e farmacêuticos.
Os dois primeiros governos de Lula tivemos uma taxa média de crescimento da ordem de 4% superando a média do governo FHC que foi de 2,3%. Reduziu a inflação de 12,53% para 3,14% em 2002 e depois para 5,9% no final do governo, gerou 14,5 milhões de empregos, o salário-mínimo teve aumento real de 53,6 %, o que possibilitou o aumento do consumo das famílias.
Michel Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2018 – 2022)
A Lava Jato e o desmonte do Brasil – O IMPÉRIO CONTRA ATACA
Durante esses governos foi promovido um verdadeiro desmonte dos avanços na construção de um projeto nacional que estava em curso no Brasil, destruindo a indústria naval, a engenharia e fragilizando a Petrobrás, a maior empresa de energia do país, dividindo a sociedade e impedindo um projeto nacional soberano.
A Lava Jato foi a maior operação de rapinagem tramada em conluio com as agências do império estadunidense e as nossas oligarquias vassalas para impedir os avanços das forças populares no Brasil.
O tema da corrupção foi usado como gatilho através da prática de guerra cognitiva duramente empreendida por campanhas de desinformação. Mentiras foram repetidas diuturnamente nas redes sociais e nos meios de comunicação de massas visando emparedar o governo do PT, segregar os petistas e botar no comando Michel Temer com uma plataforma chamada “Uma Ponte para o Futuro”, que na prática era um voo para o passado de subserviência, dependência e miséria que marca a nossa história, bem como uma cisão profunda na sociedade brasileira.
A mobilização do ódio contra as principais lideranças do PT, contra os programas sociais, e a destruição das nossas indústrias como a da Petrobras que havia desenvolvido pesquisa e prospecção do Pré-Sal e que os recursos oriundos seriam destinados para educação, saúde, ciência e tecnologia, foram o resultado de uma estratégia para destruir a política e inviabilizar o Brasil como uma nação soberana.
Um caso notório ocorreu na área da energia nuclear, cujo trabalho extraordinário realizado pelo Almirante Otto, sabidamente um brasileiro de grande valor para desenvolvimento do nosso projeto nuclear, foi preso sob acusações de corrupção pela Lava Jato e ficou confinado durante 4 anos e 8 meses, depois inocentado por falta de provas. O episódio foi um duro golpe na vida pessoal do Almirante que tentou o suicido na prisão, e um golpe maior ainda no programa nuclear brasileiro.
O NEOLIBERALISMO ESTÁ CARCOMIDO
“A desregulação do mercado é uma forma de tirania, que ignora as necessidades humanas e o bem-estar social” – Karl Polany – A Grande Transformação – 1S44
O neoliberalismo proclamado pela sociedade de Mont Pélerin em 1947 por defensores do livre
mercado como Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper e outros, afim de implantar a economia de mercado auto regulado, defender a liberdade individual como um direito fundamental e combater o socialismo, já demostrou não ser uma respostas as diversas crises profundas pelas quais vivem o sistema capitalista, expressa na explosão da bolha financeira em 2007/08 e que vem se agravando com grande intensidade.
Hoje o mundo desenvolvido está retirando dos seus cardápios as políticas neoliberais para recuperar as suas economias, porém no Brasil o capital financeiro especulativo insiste em continuar sangrando a economia produtiva através de medidas absurdas como Banco Central controlado pelo mercado, taxas de juros mais altas do planeta consumindo 50% do Orçamento da União, políticas recessivas, arrocho salarial, e uma brutal concentração de renda.
Não seremos um país democrático, forte, justo e soberano, sem um Projeto de Brasil Democrático, Forte, Justo e Soberano. Adotar uma agenda nacional desenvolvimentista de novo tipo, tendo com ponto central a unidade política do povo, promovendo seu bem-estar, com suas características de diversidade, é necessário para um novo padrão civilizatório.
UM NOVO NACIONALISMO
Um Novo Nacionalismo recusa o papel de vassalagem ao imperialismo e aos velhos colonizadores. Um novo nacionalismo não se submete a tutela de uma elite oligarca e servil dos interesses das potencias estrangeiras.
Um Novo Nacionalismo não se omite diante do fato de que a história das sociedades humanas é a história da luta de classes, e que, portanto, um programa nacional desenvolvimentista deve ter em pauta uma agenda atual da classe trabalhadora, que além de explorada é excluída dos direitos fundamentais e dos bens que a sociedade moderna produz através daquilo que é mais importante: o trabalho humano.
Quando o PT completa 45 anos e tem a responsabilidade de governar o Brasil com uma ampla composição de forças e o desafio de derrotar a extrema direita neofascista, devemos lembrar que essas forças são reacionárias no plano da política e dos valores e neoliberais no plano econômico e social.
O momento atual em que o novo governo dos EUA impõe uma agenda protecionista de alta intensidade e que as nações do mundo inteiro buscam afirmação, é importante o Brasil recuperar um projeto de nação soberana que busque a integração compartilhada e tolerante junto as nações do Sul Global, em especial as latino-americanas, indispensável para construir um novo nacionalismo civilizatório no qual a riqueza da nossa diversidade, da cultura, das nacionalidades, das regionalidades, dos territórios, dos símbolos, devem ser fortalecidas como força motriz de uma nova ordem multipolar democrática e inclusiva.
Neste momento difícil para nosso governo e para as forças progressistas do país é fundamental defender firmemente aquilo que representa o programa aprovado nas urnas em 2022.
Imprescindível também denunciar o falso patriotismo contido no Bolsonarismo que além de bater continência para bandeira do Império estadunidense, confessa crime de traição ao passar informações sigilosas do Estado brasileiro para seus aliados nos EUA. Além disso o seu filho Eduardo Bolsonaro, que é deputado federal, tem uma agenda quase que em tempo integral junto as forças da extrema direita americana afim de promover sanções contra o Brasil e coagir o nosso judiciário a não punir seu pai e centenas de golpistas que tentaram derrubar o Estado democrático de direito por ações violentas, inclusive com planejamento do assassinato do Presidente Lula, seu vice Alckimin e o Ministro Alexandre de Moraes. Por isso, um Novo Nacionalismo que ostente a nossa soberania hoje é indispensável.
Francisco Chagas
Foi vice-presidente do PT-SP, vereador e deputado federal