Novo Congresso será Jurassic Park ideológico
Congresso Nacional eleito em 5 de outubro é o mais conservador desde 1964, diz levantamento do Diap
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Para um País que, entre junho e julho de 2003, deleitou-se em manifestações de rua para mudar os modos da política nacional, essa não é, definitivamente, uma boa notícia. Das urnas eletrônicas da última eleição, no domingo passado, emergiu um Parlamento repleto de religiosos, ruralistas e militares de extrema-direita como há muito não se via no Brasil. Para ser mais exato, há cinco décadas.
De acordo com levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), os eleitores brasileiros elegeram o maior número de políticos conservadores desde 1964, quando um golpe militar instaurou uma ditadura de 21 anos no País. O crescimento do número de parlamentares identificados com causas reacionárias, aponta o estudo, é reflexo do clima geral de desqualificação da política. “Há um ambiente de descrença nas instituições e nos agentes públicos que foi influenciado pela mídia. Muitos políticos se apresentaram como ‘salvadores da pátria’ e foram eleitos por isso”, analisa o diretor do Diap, Antônio Augusto Queiroz.
O levantamento realizado pelo Diap ainda está em curso, mas os resultados parciais revelam dados preocupantes, como a redução do número de parlamentares engajados em causas sociais e da frente sindical. Ao mesmo tempo, ganharam mais força as bancadas evangélica (com mais 52 nomes, até o momento) e de segurança (com a adição de 29 políticos), formada por militares, policiais e promotores da linha dura.
Segundo Queiroz, o novo quadro dificultará o debate sobre pautas como a união homoafetiva, a legalização do aborto e a descriminalização da maconha para fins medicinais e de consumo recreativo. Para ele, a esperança de debates futuros sobre esses temas reside na reeleição da presidenta Dilma Rousseff, no pleito do próximo dia 26, contra o adversário Aécio Neves (PSDB). “Se a Dilma for eleita, essas pautas terão mais condições de resistir, porque Aécio não tem uma postura clara em relação a elas”, avalia.
Retrocesso – “Os conservadores estão eufóricos”, afirma o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), o deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG). Ele acredita que o resultado do primeiro turno das eleições reflete o “apodrecimento” do sistema político brasileiro. “O Brasil vai ter que pensar muito sobre isso, pois houve uma diminuição do embate de ideias, de programas. Milhões de pessoas se abstiveram de votar, isso está atrelado à despolitização”, afirma.
Para o deputado, as eleições deste ano foram marcadas por discursos de ódio fomentados pela imprensa especialmente contra o PT. “Criou-se um clima de violência política e as concessões de rádio e TV privilegiam apenas um lado, o que desequilibra a discussão”, diz.
Defensor da reforma política, Miranda acredita que o plebiscito popular realizado de 1º a 7 de setembro, que resultou em quase 8 milhões de assinaturas favoráveis à Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, foi mais efetivo do que as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, em 2013. “Está claro que as manifestações produziram pouco efeito e despolitizaram as pessoas”, avalia Miranda. “Isso se reflete no número de abstenções nesta eleição e, quando isso acontece, quem ganha é a direita”.
Parlamentares eleitos – Exemplos claros do novo quadro de políticos conservadores que integrarão o Congresso Nacional nos próximos quatro anos são os deputados federais eleitos com recorde de votos no Rio de Janeiro e São Paulo, Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Marco Feliciano (PSC-SP). O primeiro é defensor da ditadura, da tortura, da pena de morte, da redução da maioridade penal e contrário ao casamento homoafetivo. Feliciano também é contra a união entre pessoas do mesmo sexo e chegou a ser denunciado por declarações racistas feitas pelo Twitter. Ambos sinalizaram apoio à Aécio Neves, no segundo turno das eleições.
Além destes nomes, o Congresso contará ainda com o líder ruralista eleito senador pelo estado de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Aos 64 anos, Caiado é um defensor histórico do latifúndio e se coloca como porta-voz da criminalização dos movimentos sociais, principalmente daqueles ligados à luta no campo, como o Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Da turma bandido-bom-é-bandido-morto, com discurso inteiramente baseado na truculência como política de segurança pública, o deputado eleito Alberto Fraga (DEM-DF), vai encontrar um campo fértil ao lado de Bolsonaro. Parlamentar mais votado do Distrito Federal, Fraga nem sempre esteve alerta contra o crime: foi secretário de Transportes durante o governo de José Roberto Arruda, que teve a candidatura impugnada por ter envolvimento no esquema conhecido “mensalão do DEM”, em 2009.
Por Victoria Almeida, da Agência PT de Notícias.