Olívio Dutra: O PT e seus 35 anos
No dia 10 de fevereiro passado o Partido dos Trabalhadores completou 35 anos de existência formal. Na informalidade, começa com o Movimento Pró-PT, em 1978, por dentro de uma intensa…
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No dia 10 de fevereiro passado o Partido dos Trabalhadores completou 35 anos de existência formal. Na informalidade, começa com o Movimento Pró-PT, em 1978, por dentro de uma intensa movimentação de trabalhadores(as) de diferentes categorias e regiões, sendo núcleo principal o ABCD paulista, maior concentração operária do país. O anúncio do projeto se deu na Reunião Intersindical de Porto Alegre, RS, em 19-01-79. Portanto, o PT não surge dos gabinetes executivos ou legislativos, nem de geração espontânea, muito menos de cima para baixo.
Surge no seio de lutas importantes de parcela significativa do povo brasileiro que lutava não só contra a Ditadura mas por Terra, Trabalho, Liberdade e o direito de ser sujeito e não objeto da política. O Partido, já nos seus primeiros documentos, forjados nas discussões por núcleos de trabalho, moradia, estudo, lazer, etc, enfatizava a importância da Política não como “o toma lá dá cá” dos partidos tradicionais, mas como a construção de uma nova sociedade com o protagonismo das pessoas. Os debates foram se espraiando e se aprofundando. Incorpararam-se a esse movimento inicial outras vertentes e experiências de lutas sociais diversas, do pensamento libertário e do socialismo democrático, latentes nas lutas do povo brasileiro.
O Programa do Partido foi sendo forjado num processo e num ambiente político que exigia a interação entre a tarefa de elaborá-lo com as lutas travadas pelo povo contra a Ditadura, seus esbirros, seus defensores e suas políticas. Daí decorre um estaqueamento alicerçante do PT: o Protagonismo. A ideia de que a Política pode e só é transformadora à medida em que o povo for sujeito e não objeto dela.
O Partido já nasce afirmando a Democracia não como tática ou estratégica, mas como objetivo permanente. O ser humano é um ser político e se não se realizar nessa dimensão é um ser incompleto. Entenda-se a Política não uma profissão, um mandato, um cargo (estes são missões importantes porém passageiras) mas o exercício pleno da cidadania baseada na interação entre as pessoas, podendo formar associações, entidades, partidos, etc, na busca da construção solidária do Bem Comum. Maquiavel e Sun Tzu estão entre muitos que pensam diferente. A Ética da
Política é, portanto, a construção do Bem Comum com o protagonismo das pessoas.
Nos seus 35 anos de vida, o PT vem perseguindo realizar na prática essa concepção de Política. O Orçamento Participativo é o exemplo seminal mais emblemático dessa busca permanente. A participação direta da cidadania na construção da proposta orçamentária – uma peça essencialmente política – na integridade da sua Receita & Despesa, antes de ser remetida para o Poder Legislativo que a debate e a aperfeiçoa (ou não), tornando-a Lei. O OP, portanto, é um processo possibilitador, através da apropriação do conhecimento de como funciona a máquina pública, de empoderamento da cidadania e de ampliação do controle público sobre o Estado ( nas três dimensões), sobre os governos e os governantes, atacando, na origem, qualquer esquema de corrupção. Seja por conjunturas políticas, razões culturais, governabilidade, alianças, etc, o certo é que não radicalizamos e nem espraiamos o suficiente essa experiência democrática no universo de nossos governos, nem mesmo no trato do orçamento partidário.
O OP é uma referência mundial, mas praticamos um simulacro do que ele se propunha originalmente como conquista da cidadania e não “obra do PT”. As experiências do OP, na dimensão federada, são mínimas ou inexistentes. Nossos governos não tiveram gana nem condições políticas, por razões óbvias (as dimensões do país, a burocracia, a logística, a necessidade da construção de uma cultura participativa na maioria dos municípios e unidades federativas) de implementar o OP na dimensão federal. Houve ensaios importantes mas limitados a algumas regiões, com participação de entidades de representação nacional, voltadas à temas e não “ao conjunto da obra”; conferências temáticas, eleições de Conselhos que a Presidenta Dilma, ultimamente, pretendia reforçar através de um decreto definindo o Plano Nacional de Participação Social, agora em disputa na Câmara via um projeto de lei.
O certo é que a feitura do orçamento público continua sendo um mistério, uma alquimia tecno burocrática sobre cuja execução os grupos poderosos têm maior influência do que o povo. Vejam agora a manobra do Orçamento Impositivo, aprovado na Câmara, que estilhaça uma parcela considerável do orçamento da União em emendas parlamentares que vão reforçar o clientelismo político e os currais eleitorais. Isso tudo e mais um pouco, sublinha o quão distante estamos de um efetivo e democrático controle público sobre o Estado (nos cursos de formação é sempre bom esclarecer que o Estado não é só o Executivo, mas também os demais Poderes) brasileiro. Sublinhe-se a importância do MP como conquista republicana da Constituinte de 88 e que merece ser reforçado e não enfraquecido.
O controle público sobre o Estado de Direito Democrático não é uma questão de vontade de fazer ou não fazer, que possa ser resolvida por decreto ou qualquer impostura. Essa é uma conquista a ser obtida através de um processo de permanente, pacienciosa e persistente, provocação ao protagonismo político, uma construção inclusive cultural. Portanto, de longo prazo, que precisa de partidos políticos (respeitada a pluralidade e a diversidade) de corte diferenciado, como nasceu o PT, com vínculos reais e não hegemonista e/ou utilitarista com os movimentos sociais e comprometidos com a radicalidade democrática e com um Projeto de Nação que poderia vir a ser um projeto de poder solidário, socialista e democrático, não fosse as condutas condenáveis dos que, já na subida, colocaram “a carreta adiante dos bois”.
Cabe uma reflexão sobre as estruturas que se foram cristalizando no interior do Partido: os mandatos legislativos e executivos se sobrepondo às instâncias partidárias; as correntes internas não mais respondendo a necessidade do debate de temas sempre atuais como, o Brasil na América Latina e no Mundo, o Socialismo, o Capitalismo, o Estado, a vida no seu lato sentido, a C & T, a mãe Natureza, a Cultura.
Evidentemente que, nessa conjuntura, a partir da internacional, com o ressurgimento de ideologias que já ocasionaram grandes guerras, progroms, culags, campos de extermínio e, hoje, de formas diferenciadas, mais tecnológicas e sofisticadas, promovem guerras localizadas, sustentam ditaduras, instigam conflitos étnicos e religiosos, mantém campos de concentração e de torturas fora do alcance da Justiça e dos Direitos Humanos, e manejam instrumentos macroeconômicos que submetem nações, países e continentes à Banca internacional e à megaempresas que lhes sugam as riquezas, roubam-lhes a identidade, arrasam o meio ambiente, geram fome e miséria, não é razoável imitarmos o caramujo ou a avestruz diante de tais ameaças e perigos.
Estamos sobre ataque cerrado da direita e do neoliberalismo não apenas caboclo, mas dos seus comandos internacionais. A cereja no bolo desses ataques veio de atitudes de figuras importantes do nosso Partido e com funções destacadas nos nossos governos que cometeram erros sérios de condução política, em nome do Partido e se relacionaram pessoalmente de forma promiscua com contraventores e ladravazes de colarinho branco, ferindo fundo a imagem e a respeitabilidade do PT, dentro e fora do país. Essas condutas foram e são graves e o PT não pode tergiversar em torno delas. Sem ser juiz, promotor e carcereiro e enfrentando a insídia da Mídia monopolista local, regional e nacional, não podemos deixar de afirmar que os que se conduziram dessa forma não tiveram e não têm a concordância e a chancela de qualquer instância do Partido e que queremos que sejam julgados pelo Judiciário e não pela Imprensa. Punidos, que o Poder Público seja ressarcido plena e totalmente dos valores comprovadamente desviados.
O filiado do PT, principalmente o que não está empregado na estrutura partidária e ou nos gabinetes executivos e legislativos, é instado todos os dias a se posicionar diante de questionamentos e provocações de toda ordem vindos de adversários ideológicos mas, também, de uma cidadania que nos tinha como referência da boa política e hoje, perplexa, nos vê com decepção e desesperança, sobre condutas de dirigentes tomadas fora do alcance da sua militância e ao arrepio da ética da política do PT. Ocorre que essas condutas não aconteceram por acaso. O Partido vem, de longe, sofrendo uma transformação por conta de sua inserção de corpo inteiro na institucionalidade.
Antes, o PT se autossustentava, à medida que foi conquistando, pelo voto e pela expressão de suas candidaturas, mais presença nos legislativos e executivos, passou a depender dos recursos de gabinetes e um grande número de pessoas aí colocadas não contribuem financeiramente para o Partido nem participam ativamente de suas instâncias. Há uma cultura de acomodação e de pragmatismo se alastrando pelas engrenagens do Partido como uma ferrugem. Uma derrota eleitoral para o projeto adversário, ou, até mesmo uma alternância num governo petista, é um Deus nos acuda na disputa por novas colocações. Nada contra o Partido ter sofrido transformações nesses seus 35 anos de história. Nesse período perdeu e ganhou eleições, elegeu prefeitos, governadores e, por 4 vezes, a Presidência da República, formou bancadas legislativas nos três níveis, fez e desfez alianças e coligações. Algumas dessas transformações estão, no entanto, nos empurrando aos poucos para a vala comum dos partidos convencionais.
O PT ao surgir inaugurou um novo tempo na política brasileira. Nos governos que encabeçou o povo brasileiro conquistou cidadania junto com mais emprego com carteira assinada, geração de renda, educação, saúde, moradia, diminuição da miséria (saiu do mapa da fome da ONU), da mortalidade infantil, do analfabetismo, aumento da longevidade, do financiamento para a agricultura familiar e o empreendedorismo; investimentos pesados na infraestrutura do país; política externa independente, soberana, inclusiva, participativa e construtora de uma cultura de Paz; combate às exclusões, discriminações e preconceitos de qualquer espécie. Não é pouco, mas falta ainda muito para o Brasil se tornar verdadeira nação para o seu povo.
A maior riqueza do PT, na verdade, são seus milhares de filiados/militantes que o têm como ferramenta de transformação e não de acomodação; ferramenta que não pode enferrujar, perder o fio nem ficar frouxa em suas mãos; que se mobilizam nas ruas por uma Reforma Política de verdade, não o ornitorrinco que está quebrando a casca no ninho da maioria no Congresso, mas a que virá por pressão legítima e democrática da cidadania despertada e com a qual poderemos construir parcerias verdadeiras em torno de um Projeto de Nação com partidos de contornos programáticos e ideológicos claros.
A direita tenta surfar sobre as águas turvas da corrupção, mas dos seus quadros poucos se salvam com moral e autoridade para nos atacar. O maior erro dos petistas que causaram esse estrago à Política e ao Partido foi o terem se metido em enredos nos quais os partidos tradicionais da elite patrimonialista brasileira são escolados e mestres há muito tempo. Agora eles se acham “melhor do que nós” e, diante do desgaste do PT e do Governo, retomam suas bandeiras de privatização do Estado e achicamento da Petrobras, políticas que o povo rejeitou ao nos eleger por quatro mandatos sucessivos. Querem entregar as riquezas a serem extraídas do pré-sal às petrolíferas internacionais através de concessões e não mais pela partilha como conseguimos, em nossos governos, assegurar por Lei. Os ataques se redobram às políticas que em nossos 12 anos de governo já implementamos, afirmando o papel imprescindível do Estado na emulação de um desenvolvimento sustentável, redutor das desigualdades regionais, valorizador do trabalho e da distribuição mais equitativa da riqueza por ele produzida, onde empresas como a PETROBRAS, o BANCO DO BRASIL, a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e o BNDES são estratégicas.
As forças políticas, sociais e econômicas que se contrapõem ao projeto que defendemos e que, mesmo em conjunturas e correlações de forças adversas por conta de nosso compromisso com a classe trabalhadora e os mais pobres do Brasil, estamos executando, agora, com “os erros do PT” (e eles aconteceram), se acham “por cima da carne seca” e se preparam para obstaculizá-lo nas eleições de 2018. Na verdade, através dessas coligações espúrias, garantidas nas Leis, e as composições de governos delas decorrentes, incorporando no Executivo “técnicos”, “bruxos” e “experts” do campo adversário, essas forças nos estão piranhando há muito tempo.
Nessa situação, o campo de luta do Partido não pode ser o exclusivamente eleitoral. Daí que articulações serôdias, paralelas às instâncias partidárias e em torno de pessoas buscando prováveis candidaturas, é um grande equívoco e um desperdício de energias que não reabilitam o PT. O campo de lutas é o céu aberto da movimentação popular, com suas debilidades, contradições, desenfoques, no seio do qual podemos educar e aprender fortalecendo a organização popular e aglutinando forças para que, de baixo para cima, cresça a pressão sobre os governos, legislativos e judiciários, nos três níveis, em contraponto à pressão que sobre eles é exercida, de cima para baixo, pelos grandes grupos de interesse privado, seus lobistas e representantes.
Os neoliberais querem uma democracia sem povo, nós queremos o povo protagonista, exercitando plenamente a cidadania na defesa dos direitos individuais, coletivos e solidários e de reformas estruturantes que possibilitem o país se desenvolver de forma parelha, solidária e descentralizada e que a Democracia se consolide, além do discurso e do texto legal, na vida de milhões de brasileiros.
Por reformas: Agrária, Urbana, Tributária e Política.
A luta não é pequenas mas é por isso que vale a pena!
Olívio Dutra é presidente de honra do PT/RS