Pauta ambiental firmada em documento do Brics contrasta com políticas de Bolsonaro

‘É simbólico que carta não traga menção à questão da Amazônia’, afirma coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O documento final assinado pela cúpula do Brics nesta quinta-feira (14), durante encerramento do encontro, definiu 73 pontos que deverão ser tratados como metas pelos cinco países que integram o bloco – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Chamada de “Declaração de Brasília”, a carta prevê, para a área de meio ambiente, por exemplo, um compromisso com as metas de redução das emissões de carbono definidas a partir do Acordo de Paris, tema que está na centralidade da crise ambiental que circunda o governo Bolsonaro. Antes mesmo de tomar posse, o então presidente eleito deu diferentes declarações críticas ao tratado. Em dezembro de 2018, por exemplo, ao falar sobre o tema, Bolsonaro afirmou que “a política ambiental não pode atrapalhar o desenvolvimento do país”.

O Acordo de Paris foi firmado em 2015 e definiu metas para que os signatários mantenham o aquecimento global abaixo de 2 ºC. Até o ano de 2017, o texto foi ratificado por 147 países. Entre idas e vindas, o presidente brasileiro defendeu uma flexibilização das normas do documento e, após uma crise na relação com a França, afirmou, em junho deste ano, que o Brasil continuaria no Acordo de Paris, pressionado pela iminência de quebra de acordos comerciais.

A relação do clã Bolsonaro com o tema, no entanto, segue conflituosa. Entre outras coisas, os três filhos do presidente fazem recorrentes menções críticas em tom de deboche ao debate sobre o aquecimento global. Em manifestação feita via Twitter, Flávio Bolsonaro já chegou a se referir ao tema como “farsa”.

O Brasil figura em 6º lugar no ranking mundial dos maiores poluidores, sem considerar os países da União Europeia. Os dados são da 7ª edição do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), divulgado pelo Observatório do Clima este mês. Em 2018, após dois anos de queda, o índice de emissões subiu 0,3%.

“Eu avalio que o Brasil assina a declaração com esses compromissos mais pra poder enganar e por pressão do ponto de vista comercial no âmbito internacional. Todas as medidas que vêm sendo adotadas na política ambiental no país vão ao contrário do atendimento às metas assumidas no Acordo de Paris”, afirma o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP).

No documento final do encontro do Brics, destaca-se a omissão de questões ligadas à Amazônia, onde o problema do desmatamento ganhou corpo ao longo deste ano, desencadeando uma crise no governo Bolsonaro. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que, no mês passado, o desmatamento na região cresceu 5% em relação a outubro de 2018. Os meses anteriores tiveram aumentos mais expressivos: 90% em junho, 278% em julho, 222% em agosto e 96% em setembro, se comparados com o mesmo período do ano anterior.

“É simbólico que o documento do Brics não traga menção a essa questão. Se não colocou compromisso com o controle do desmatamento na Amazônia, onde o foco é maior, isso sinaliza que é um compromisso pra enganar a curto prazo. Depois, isso tem consequências inclusive econômicas pro país, que perde credibilidade”, aponta Tatto.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), sublinha que o país ainda está longe de cumprir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris por conta do desmatamento na região, de onde vem a maior parte das emissões de gases.

“E nós teremos um choque de realidade agora no dia 1º de dezembro, quando vão sair os dados novos [anuais] de desmatamento e, provavelmente, vamos chegar novamente a cinco dígitos. Devemos chegar ou passar de 10 mil km² de desmatamento na Amazônia neste período de 12 meses. Isso vai ser um choque, o que distancia o Brasil do cumprimento das metas assumidas no Acordo de Paris. Vai ser um escândalo interplanetário”, projeta o parlamentar.

Diante da constatação de que a declaração do Brics prevê o cumprimento das metas de redução de gases sem mencionar as questões de desmatamento na Amazônia, o climatologista Alexandre Araújo Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que não é possível dissociar as coisas, que mantêm uma relação científica intrínseca.

“Se você queima madeira ou se derruba árvores e deixa elas se decomporem, se tiver desmatamento ou queimada, o que acontece é que você vai liberar o carbono que está na matéria orgânica da árvore. Ele vai pra atmosfera na forma de dióxido de carbono. O CO2 é o principal gás emitido nas atividades humanas causador de efeito estufa”, explica Costa.

O professor pontua que o Acordo de Paris, mencionado na carta do Brics, não amarra penalidades para quem não cumprir as metas.

“Como o acordo é baseado em contribuições voluntárias, nem todo mundo precisa ser sincero como o Trump e detonar o clima. O Trump simplesmente diz ‘não vou, estou fora do acordo’. Uma outra maneira de você não parecer tão brutamonte como o Trump é dizer que está dentro, mas sabotar o acordo, ou seja, ter meta e não cumprir. O acordo não tem valor vinculante”, critica, ironizando também a conduta do governo Bolsonaro diante do tema.

Por Brasil de Fato

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