Pedro Benedito Maciel Neto: A falácia do estado ineficiente

Sem o Estado não haveria universalização da educação e do ensino, da saúde ou da segurança pública; sem o Estado não haveria políticas públicas

Paulo Pinto/Agência PT
Tribuna de Debates do PT

Há uma máxima corrente, da qual poucos têm coragem de discordar, trata-se da afirmação de que o Estado seria ineficiente e por esse motivo ele deveria ser o menor possível [mínimo], mas isso é uma falácia, pois as questões a serem respondidas seriam: é possível ao Estado ser eficiente? Qual a métrica para aferir-se a eficiência do Estado?

Podem os meus críticos, e não são poucos, dizer que a eficiência é principio informador da administração pública e que o artigo 37 da constituição estabelece como princípios a serem obedecidos, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e a eficiência, portanto a busca da eficiência na administração é dever dos agentes políticos e dos servidores em geral.

De fato está lá, mas sejamos todos honestos: o principio da eficiência não nasceu na constituinte, foi incluído através da Emenda Constitucional nº 19 de 1998, como justificativa para a reforma do Estado, de inspiração liberal, no governo Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, o principio da eficiência foi incluído para dar contornos de constitucionalidade à desestatização e concessões realizadas naqueles anos, políticas que atenderam exclusivamente os interesses do mercado e sua lógica.

Ademais, ao Estado cabe, segundo o artigo 174 da Constituição federal, ser o agente normativo e regulador da atividade econômica e exercer, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, em busca do desenvolvimento humano, social e econômico.

A busca do desenvolvimento humano, social e econômico é a tarefa do Estado, à luz dos fundamentos, objetivos e princípios, respectivamente contidos nos artigos 1, 2 e 3º da Constituição da República; os princípios informadores da administração pública [inclusive o da eficiência] estão contidos e subordinados à tarefa maior que é a construção da nação a partir dos fundamentos, objetivos e princípios. Evidentemente não estou aqui a advogar a irresponsabilidade da gestão pública, mas que a substância determina a forma e não o contrário.

Apenas a ação do Estado pode salvar uma nação da barbárie invariavelmente produzida pelo mercado desregulado, recorro ao blog “desenvolvimentoconsciente” para construção do argumento.

O capitalismo é um sistema em que a acumulação de capital não está governada pelas decisões de poupar, mas pelas decisões de investir. O motor do desenvolvimento é o investimento, mas sendo ele extremamente instável, pois depende da expectativa de lucro (e não há nada que assegure sua estabilidade), cabe ao Estado para fomentar e estimular o investimento, somente o Estado é eficiente para isso.

O Estado possui um papel econômico importante no controle monetário, para evitar que as alterações no valor do dinheiro corroam as bases do capitalismo e interfiram no processo produtivo (inegável também que é limitado o poder da política monetária do Estado, na medida em que não consegue manter a taxa de juros num nível compatível com o pleno emprego). Essa relativa incapacidade do Estado de controlar a taxa de juros e influir sobre a eficiência marginal do capital está ligada ao reduzido poder estatal para exercer algum tipo de influência sobre as expectativas. Na medida em que o Estado não consegue manter o investimento privado num nível que assegure o pleno emprego, não lhe resta outro caminho para atingir este objetivo senão o de realizar investimentos públicos, outro ponto de inegável eficiência do Estado.

O Estado deve intervir na economia de mercado com o fim de diminuir o desemprego involuntário e aumentar a produção, o que seria o elemento chave da intervenção consiste na administração da demanda efetiva através de dois processos: pela política fiscal e monetária.

Através da política fiscal o Estado pode reduzir os impostos sobre a renda pessoal, o que estimula o consumo que é um componente da demanda efetiva.

Em momentos de profundo desespero social o Estado pode aumentar a demanda efetiva e reativar a economia com um simples processo que é o aumento do gasto do governo, evidenciando que não se pode abandonar à iniciativa privada o cuidado de regular o volume corrente de investimento.

O sempre atual Keynes afirmou que “… uma socialização algo ampla dos investimentos será o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e fórmulas de toda a espécie que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada. Mas, fora disso, não se vê nenhuma razão evidente que justifique um Socialismo de Estado abrangendo a maior parte da vida econômica da nação. Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o montante agregado dos recursos destinados a aumentar esses meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores, terá realizado o que lhe compete. Ademais, as medidas necessárias de socialização podem ser introduzidas gradualmente sem afetar as tradições generalizadas da sociedade”.

Noutras palavras, Keynes rompeu o paradigma de que orçamento publico deve ser equilibrado e, sendo assim, o governo poderia até imprimir para elevar o gasto para obter os resultados desejados que seja a diminuição do desemprego e tirar a economia do ciclo depressivo. Keynes menciona inúmeras vezes em sua obra que mesmo os gastos aparentemente “inúteis”, como abrir buracos e construir pirâmides, tinham o poder de criar riqueza e manter um elevado nível de emprego, o faz como uma saída possível diante da oposição da “teoria clássica” e das dificuldades políticas a qualquer intervenção estatal na economia. Admitindo que o desemprego seja, em si mesmo, um custo social, os gastos “inúteis” podem enriquecer a comunidade pelo aumento que provocam na demanda efetiva.

A defesa que Keynes faz da intervenção do Estado na economia significa o fim da política do “laissez-faire”, mas não do individualismo como filosofia política e econômica: “Não é verdade que os indivíduos possuem uma ‘liberdade natural’ prescritiva em suas tendências econômicas. Não existe um contrato que confira direitos perpétuos aos que os têm ou aos que os adquirem. O mundo não é governado do alto, de forma que o interesse particular e o social sempre coincidam. Não é administrado aqui embaixo para que na prática eles coincidam. Não constitui uma dedução correta dos princípios da economia que o auto-interesse esclarecido sempre atua a favor do interesse público. Nem é verdade que o auto-interesse seja geralmente esclarecido; mais frequentemente, os indivíduos que agem separadamente na promoção de seus próprios objetivos são excessivamente ignorantes ou fracos até para atingi-los. A experiência não mostra que os indivíduos, quando integram um grupo social, são sempre menos esclarecidos do que quando agem separadamente”.

Para a distribuição de renda Keynes não escreve abertamente sobre o tema, porém dá pauta para o surgimento do Estado de Bem-Estar social, onde os governos reconheceram que a distribuição de renda resultante do mercado é inaceitável com isso o governo passa a proporcionar uma distribuição de renda mais igualitária. Ou seja, o Estado teria que exercer uma influencia orientadora sobre a propensão a consumir, através de seu sistema de impostos, fixando a taxa de juro e por outros meios.

Que me perdoem os liberais, mas a ação individual não possui a capacidade de prover o interesse social, apenas a ação estatal, não como negação da iniciativa individual, mas como condição mesma de sua sobrevivência. Estado e livre iniciativa não se opõem, mas se complementam. A livre iniciativa individual é cega em relação ao interesse social, mas, se for inteligentemente dirigida e controlada pelo Estado, ela ainda é o meio mais eficiente de se atingir o progresso econômico e social. Fazer é técnico e não filosófico. Keynes afirma ser possível separar os serviços que são tecnicamente sociais dos que são tecnicamente individuais. Assim, cabe ao Estado assumir aquelas funções que estão fora do âmbito individual, aquelas decisões que ninguém adota se o Estado não o faz, aquelas coisas que atualmente deixam de ser feitas.

Sem o Estado não haveria universalização da educação e do ensino, da saúde ou da segurança pública; sem o Estado não haveria políticas públicas como o “Minha casa, minha vida”, PROUNI, FIES, Seguridade Social; não haveria SEBRAE, universidades públicas, nem nada, apenas o “eficiente” processo de acumulação de riqueza nas mãos de poucos e o caos contido com a violência (pois a juízo dos liberais a Estado caberia apenas proteger a propriedade privada e a livre iniciativa).

 

Por Pedro Benedito Maciel Neto, advogado e autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast