Pedro Benedito Maciel Neto: Uma análise econômica da seguridade social
A seguridade é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos do Estado
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A seguridade social é um direito e, nos termos do que dispõe a constituição federal, deve ser organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observando-se critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
Bem, o governo anunciou um rombo de 151,9 bilhões de reais nas contas do Regime Geral da Previdência Social, o maior desde 1995 e apresentou uma proposta de reforma do sistema previdenciário. Com um déficit de 150 bilhões é muito difícil, a priori, negar a pertinência da reforma da previdência, mas a proposta de reforma da previdência tem despertado debate irracional, panfletário, mas pouco substantivo.
De um lado está o pessoal do Palácio do Jaburu e do Planalto, a grande mídia com seus especialistas com um discurso liberal apaixonado sobre a urgência inafastável de uma reforma da previdência social e de outro, não menos apaixonados, estão os que veem na reforma apenas mais um movimento que implanta uma cruel agenda liberal capaz de desconstruir direitos e conquistas sociais, tudo para atender interesses do mercado.
Quem tem razão? Não sei, mas é inegável que a proposta conseguiu contrariar especialistas em direito do trabalho e previdenciário, além de todas as centrais sindicais, mas não unificou todos os setores pró-governo.
O Dieese qualifica a proposta de absurda, afirma fazer parte de um processo de desconstrução do sistema previdenciário e 70% da população ficaria fora do sistema previdenciário; a professora Rosa Maria Marques, da PUC-SP, estudiosa da Previdência no Brasil, considera que a reforma despreza as especificidades dos trabalhadores e não altera o modelo de financiamento do sistema. Ela afirma que há uma clara opção por trabalhar com o fluxo de despesas, muito embora proponha o fim da isenção da contribuição sobre os produtos exportados, o que deve aumentar a arrecadação. E pondera que o chamado “rombo” da Previdência merece estudo melhor, pois os números apresentados consideram a Previdência Social em si, isto é, suas receitas e despesas, mas Previdência Social faz parte da Seguridade Social que, seria superavitária.
Quando fui buscar argumentos a favor da reforma de Temer encontrei o presidente do Itaú e da FEBRABAN Roberto Setubal e, curiosamente, o então ministro da Fazenda da Presidente Dilma Rousseff, Joaquim Levy, coincidentemente ambos são banqueiros. Levy teria afirmado que a reforma da Previdência Social seria prioridade do governo em 2016 para reorientar a política fiscal; afirmou que o Tesouro Nacional apresentaria em 2015 um superávit de R$ 48 bilhões, o equivalente a 0,8% do PIB. Mas que a Previdência terminaria 2015 com um déficit de mais de R$ 80 bilhões. O então ministro do governo Dilma considerava duas medidas essenciais para reorientar a situação fiscal em 2016: (a) a reforma da Previdência, o que ele qualificava de “absolutamente indispensável” e (b) criar uma fonte de receita específica (que funcionaria como uma ‘ponte’ para se chegar à estabilidade fiscal).
Por isso tudo o tema merece reflexão racional.
A constituição prevê um modelo tripartite de financiamento do setor, segundo o qual o Estado, os empregadores e os trabalhadores contribuem em partes iguais.
E levando em conta o modelo tripartite todos que defendem a reforma na forma proposta estariam errados quanto ao déficit, segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais – ANFIP.
A ANFIP analisou o suposto déficit de 80 bilhões de reais apurado pelo governo em 2015 o qual, segundo os pesquisadores da associação, poderia ter sido coberto com parte dos 202 bilhões arrecadados pela COFINS, dos 61 bilhões coletados pela CSLL e dos 53 bilhões arrecadados pelo PIS-Pasep, haveria ainda outros 63 bilhões capturados da Seguridade pela Desvinculação das Receitas da União e os 157 bilhões de reais de desonerações e renúncias de receitas.
Noutras palavras: o déficit não existiria de fato, ele decorre de um erro conveniente que os diversos governos cometem: desde 1989 não se contabiliza a parte do governo como fonte de receita da Previdência, ou seja, a União nega que a Previdência faça parte da Seguridade Social, em confronto com os artigos 194 e 195 da Constituição.
Será que está certa? Se estiver correta a análise da ANFIP a reforma proposta tem qual objetivo de fato?
E, nesse contexto, não se pode esquecer que o tema aposentadoria, está contido no Título VIII da nossa constituição o qual trata “Da Ordem Social”.
E no Capitulo I do referido Titulo VIII há o artigo 193, ele prevê que a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. E no mesmo “Titulo VIII” há o Capítulo II, que trata da Seguridade Social, ou seja, não poderá o equilíbrio financeiro e atuarial desprezar o bem-estar e a justiça sociais.
A seguridade é financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sendo que os regimes de Seguridade Social são: (a) geral, que é destinado aos particulares, é o regime do INSS; (b) próprios, como o dos servidores públicos; (c) complementares, que visam complementar o regime geral ou dos servidores públicos.
A verdade é que a Seguridade Social (conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social) é custeada por meio das contribuições sociais, num sistema tripartite.
E fonte de custeio são os meios econômicos e financeiros obtidos e destinados à concessão e à manutenção das prestações da Seguridade Social. Há as fontes diretas de custeio previstas para o Sistema, que são cobradas de trabalhadores, empregadores e do Estado através das contribuições (PIS, COFINS, CSLL) e há as fontes indiretas, através dos impostos, que são utilizados nas insuficiências financeiras do sistema, sendo pagos por toda sociedade.
Será que é possível encontrar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema sem comprometer o bem-estar e a justiça sociais? Esse é o desafio e o dever daqueles que respeitam a carta política do país, por isso talvez antes de uma reforma a sociedade merecesse um debate transparente e honesto sobre o tema, realizado em rede de TV e na web, no horário nobre. Sem debate e participação ampla da sociedade não há democracia.
Por Pedro Benedito Maciel Neto, advogado e autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007, para a Tribuna de Debates do 6º Congresso. Saiba como participar.
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