PL que incentiva cesáreas em São Paulo pode ser votado nesta terça

Deputados do PSL e do PSDB ignoram opinião de especialistas e evitam debater projeto que pode afetar a vida de milhares de mulheres no estado

Lula Marques/Agência PT

Janaína Paschoal

A Assembleia Legislativa paulista pode votar nesta terça-feira (18) o Projeto de Lei (PL) 435/2019, da deputada Janaína Paschoal (PSL), que pode ampliar a realização de parto cesariana no estado, independentemente de indicação médica, sob justificativa de dar autonomia às mulheres. Sem passar pelas comissões da casa, o PL será posto em votação por um acordo parlamentar de escolher propostas de deputados que seriam prioritárias para votação e leva-las direto ao plenário. O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública estadual (Nudem) são contra o projeto.

A lei estadual proposta por Janaína, a pretexto de combater o que já chamou de “ditadura do parto normal”, autoriza o a gestante usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) a optar pelo parto cesariana a partir da 39ª semana de gestação. O Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas do mundo. A principal crítica é a falta de discussão. O PL foi apresentado em março – mês em que a deputada tomou posse no parlamento paulista, e começou a ser discutido na semana passada. Não foi debatido em nenhuma comissão temática, nem foi aberto a audiência pública. Nenhuma organização técnica foi convidada a se manifestar sobre a proposta na Assembleia.

Janaína diz que sua intenção é defender a vida e a autonomia das mulheres em relação ao que chama de “obsessão” por parto normal. “O parto cesariana não é uma questão de comodidade, mas a salvaguarda da vida de uma criança pronta para nascer e que cuja mãe, muitas vezes, é mandada de volta para casa até que o parto normal tenha início – em função de uma verdadeira obsessão pelo parto normal – e acaba ocasionando asfixia fetal, levando crianças à morte em uma circunstância grave, triste e desnecessária”, afirmou.

O Coren, no entanto, discorda da proposta. “O PL apresentado está em desacordo com as 56 recomendações emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgadas em 2018, que estabelecem padrões de atendimento para reduzir as intervenções desnecessárias no parto. Nas últimas décadas, houve aumento significativo das taxas de parto cesariana em todo o mundo, sem comprovação de benefícios significativos para a saúde das mulheres e de seus bebês”, diz a entidade.

A defensora pública Paula Sant’Anna Machado de Souza citou estatísticas em que 70% das mulheres iniciam o pré-natal com desejo de ter um parto normal. Mas ao final, mais da metade ocorre por parto cesariana. “Será que elas realmente estão tendo opção? O que tem havido nesse tempo, que leva a escolha de um procedimento que contraria as indicações de saúde internacionais?”, questionou.

Edson Borges de Souza, coordenador da Residência Médica em Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, e integrante do colegiado da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa) ressaltou que sequer a ideia de autonomia da mulher pode ser colocada em questão neste projeto. Isso porque o parto no Brasil está longe de ser uma experiência agradável e humanizada para as mulheres, que sofrem todo o tipo de violência e desrespeito no processo. O que leva a um desequilíbrio na análise para escolha entre parto normal e cesariana.

“Oferecemos um parto vaginal padrão ‘cidade devastada pela guerra’ em oposição à uma cesariana padrão ‘Cancún’, e agora pretendemos que as mulheres escolham segundo o princípio da autonomia e a liberdade de escolha. É óbvio que as mulheres vão escolher, segundo as regras que elas próprias estabeleceram e as informações que elas têm. Não surpreende que tantas desejem e briguem na maternidade, para ter uma cesariana, e que se sintam agredidas quando não atendidas neste desejo. Costumamos dizer, neste caso, que as mulheres ‘escolheram a cesariana porque estão mal informadas’, ou que ‘foram mal preparadas no pré-natal’, afirmou.

Em 2018, o Brasil teve aproximadamente 55% dos nascimentos realizados por parto cesariana. Quando se observa apenas a rede privada, foram quase 85%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável uma taxa de até 15% dos partos serem cesarianas. A partir disso, há impacto significativo na ocorrência de mortes maternas. 52% das mortes maternas têm causas associadas ao parto por cesariana. Nós partos normais isso fica em torno de 23%.

“Projetos como esse defendem interesses de planos privados. Não existem dados ou argumentos técnicos que o justifiquem. Essa correria para aprovar parece uma necessidade da base do governo agradar ao PSL, por alguma votação posterior”, avaliou a deputada Beth Sahão (PT). Um grupo de deputadas de vários partidos convocou uma audiência pública para dialogar sobre o tema com representantes de entidades técnicas da área da saúde.

A co-deputada Raquel Marques, da Bancada Ativista (Psol), considera o projeto um retrocesso a toda discussão sobre saúde das mulheres e o parto. “Um projeto que trata da saúde, da vida, dos corpos das mulheres não pode ser aprovado assim, em rito sumaríssimo, sem discussão, sem a participação da sociedade, sem ouvir especialistas. É uma solução simplista para um problema complexo. As mulheres procuram o parto cesariana porque ela têm, de um lado, um parto extremamente violento, hospitais sucateados, sem estrutura, e de outro elas vêm a cirurgia como uma forma de fugir dessa verdadeira tortura”, explicou.

Para Raquel, a solução apresentada por Janaína é uma falácia que visa apenas à disputa política do lugar de defensora das mulheres. “Discutir autonomia das mulheres não é só garantir o direito à cesariana. Tem que se garantir o direito a escolher o acompanhante, que já é lei e não é cumprido, o direito de pedir analgesia, de ter doula, de decidir se quer ou não episiotomia. Um projeto que realmente defenda a autonomia da mulher deve fazer isso até o fim, podemos avançar muito mais. Dar o direito à cesariana sem discutir o orçamento do Estado, sem compromisso com a melhoria das condições dos hospitais e das equipes médicas, é uma proposta totalmente falaciosa”, afirmou.

Por Rede Brasil Atual

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