Pochmann: autoritarismo e ‘crise’ política como fontes de poder dos parasitas
Ao desistir do jogo democrático e do crescimento econômico como meio de distribuição de renda, a elite econômica alimenta o desencanto e o clima de instabilidade política
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Logo no início deste século, o Brasil retomou o vigor econômico com repartição menos desigual da renda, capaz de expandir o nível das atividades produtivas, generalizar empregos e elevar a qualidade de vida em geral da população, especialmente a parte mais pobre, na base da pirâmide social. De um lado, o crescimento econômico disponibilizava mais recursos arrecadados pelo Estado que retribuía, de outro, na oferta de mais infraestrutura e serviços públicos na educação, saúde, saneamento, segurança, entre outros.
Mas todo o reconhecimento internacional e, sobretudo nacional, demonstrado por sucessivas vitórias das candidaturas anti-neoliberais, não agradou parcela privilegiada e enriquecida da elite, que optou por desistir do projeto virtuoso de país em curso. Ao final de 2014, esse movimento desencadeado pela elite política e econômica rompeu com o ciclo da Nova República, que vinha desde a década de 1980, ao não aceitar o resultado eleitoral, jogando o país no abismo antidemocrático e na desorganização econômica e social.
De 2015 em diante, o nível de atividade econômica encontra-se quase 5% inferior ao ano de 2014, embora os ricos continuem a acumular mais renda, como se não houvesse crise do crescimento da produção. Para tanto, o curso da política econômica e social adotada precisou acelerar os mecanismos de enriquecimento através da apropriação da renda alheia.
Noutras palavras, ocorre a retomada do receituário neoliberal já implementado na década de 1990, com o repasse da riqueza estatal para ricos internos e externos, bem como a manutenção do sistema de tributação que privilegia fundamentalmente o andar de cima da sociedade. Desde a reforma tributária neoliberal de 1995, por exemplo, que os ricos possuem quase 80% de suas rendas isentas de taxação, cuja alíquota média não alcança de 7%, ao contrário dos 40% cobrados nos países da OCDE.
Por conta disso que o Brasil possibilita ao segmento constituído por apenas 2,1 milhões de pessoas ricas concentrarem a maior parcela de renda do mundo, cuja composição da riqueza desloca-se das atividades produtivas para a função de parasitas no país.
Segundo a revista Forbes, do conjunto da fortuna de R$ 1,2 trilhão dos 206 bilionários em 2019 (eram R$ 346 bilhões de 74 bilionários em 2012) destacam-se os proprietários nas participações acionárias, fundos financeiros, holdings e bancos, ou seja, meros administradores de rendas.
Nesse contexto, voltar a crescer a economia pode tornar-se um obstáculo aos atuais rufiões de renda. Por isso, a retórica ideológica neoliberal predominante nos últimos cinco anos de “ajustes na economia”, voltada a elevar a confiança dos ricaços, oferecendo mais facilidades para o enriquecimento, justamente os parasitas que não pagam impostos nem muito menos canalizam recursos para o investimento produtivo, salvo a especulação.
Ao contrário deles, o restante da sociedade vive com menos recursos disponíveis, incapazes de fazer rodar o conjunto da economia nacional. As empresas podem produzir com menor custo se comparado ao de 2014, porém se encontram diante de menor quantidade de consumidores com renda para adquirir a produção potencial, que ao não se realizar, termina empregando menos e mal a mão de obra existente, tampouco gerando receita adicional a ser arrecadada pelo Estado para o atendimento do conjunto de suas despesas.
A grande desistência da elite enriquecida jogou o país no circuito vicioso da economia, com regressão contínua no padrão de vida do conjunto da população. Assim, a instabilidade política – que leva as pessoas a desacreditarem cada vez nela – somente deve aumentar, sem saída à vista.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas, e presidente da Fundação Perseu Abramo