Por Gleide Andrade e Silvio Sá: “Democratizar a comunicação e fazer a reforma política: a quem interessa?”
Estabelecer uma análise técnica e conceitual acerca das mudanças estruturantes, as quais o Brasil vem experimentando, nos últimos 10 anos, não é uma tarefa fácil. Poderíamos citar diversas ações setoriais…
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Estabelecer uma análise técnica e conceitual acerca das mudanças estruturantes, as quais o Brasil vem experimentando, nos últimos 10 anos, não é uma tarefa fácil. Poderíamos citar diversas ações setoriais implementadas ou em andamento no âmbito do território nacional, o que por si só já justificaria os êxitos alcançados pelo país. Porém, pretendemos destacar quatro pontos fundamentais para reconhecer que o Brasil já reúne as condições necessárias para se consolidar como potência mundial. Nos últimos anos, a Administração Pública Federal fez a opção por um crescimento com distribuição de renda, ampliou os investimentos em infraestrutura, construiu um plano nacional de expansão do ensino superior e técnico, e, por meio de políticas de inclusão social e transferência de renda, retirou mais de 40 milhões de brasileiros da miséria extrema.
No entanto, se é notório reconhecer os destaques sob o ponto de vista econômico, é preciso avançar no que diz respeito ao aprimoramento da democracia brasileira. Em razão disso, consideramos fundamental promover duas reformas para que o Brasil possa manter as conquistas alcançadas até o presente momento: a regulamentação dos meios de comunicação e a reestruturação do sistema político eleitoral.
“Já está mais que na hora de galgarmos rumo à regulamentação dos meios de comunicação”
Se é fato que o país não tolera qualquer tipo de censura à liberdade de expressão, já está mais que na hora de galgarmos rumo à regulamentação dos meios de comunicação, com vistas a assegurar uma aplicabilidade prática do disposto no artigo 5º, incisos IV, V, XIII e XIV da CF/88. Sendo assim, a liberdade de comunicação encontra limites previstos pelo próprio legislador constituinte, sobretudo quando há uma colisão entre liberdade de expressão e democratização do acesso à informação. Portanto, é fundamental aliar a regulamentação dos meios de comunicação social com a democratização dos órgãos de difusão.
Quebrar os monopólio e oligopólio da comunicação no Brasil não é uma medida totalitária, como, estrategicamente, alguns órgãos de imprensa estão a anunciar, mas um dever que se impõe ao Estado brasileiro. Não existe informação democrática e isenta quando a difusão pertence a alguns poucos grupos privilegiados. Desse modo, democratizar os meios de comunicação, notadamente a TV, o rádio e a internet, é contribuir para consolidar uma democracia que concorra para a formação de uma vontade livre e plural. Em razão disso, o que se deve indagar sobre esse tema é: a quem interessa a regulamentação e democratização dos meios de comunicação?
A reforma política é outro ponto caro à democracia brasileira tendo em vista a notória decadência do nosso sistema eleitoral. Não é possível manter os ganhos econômicos e sociais, experimentados pelo país nos últimos anos, sem alterar o sistema político nacional.
Um país como o Brasil, que já ingressou em uma rota de desenvolvimento, em razão de pontos já mencionados anteriormente, não pode conviver com um sistema eleitoral refém do financiamento privado de campanhas eleitorais. Ora, se a política é financiada pela iniciativa privada, é obvio que não poderemos assegurar a independência e a autonomia dos órgãos de representação política. Não há democracia, na qual as condições para representar o povo dependam do quanto o cidadão tem para gastar em uma campanha eleitoral.
Não se trata de excluir da vida política do país integrantes da iniciativa privada. Isso verdadeiramente não seria democrático. O que se espera de uma reforma política/democrática é que o líder comunitário se coloque em condições de igualdade na disputa com o candidato escolhido pelo poder econômico. Isso é o que chamamos de isonomia no âmbito da escolha dos representantes do povo. Reforma política significa, pois, assegurar a qualquer um do povo condições de ocupar os espaços públicos de representação política, independentemente de sua situação econômica.
Não é possível consolidar a democracia no Brasil sem uma reforma política que possibilite a democratização do sistema eleitoral. Ora, como é possível eleger um congresso democrático se quem direciona a ocupação das cadeiras dos órgãos de representação política é o capital privado. Qual o nível de comprometimento desses parlamentares para enfrentar questões que vão de encontro aos interesses de grupos econômicos hegemônicos?
Em face desse paradoxo, entendemos que o caminho capaz de viabilizar a democratização dos órgãos de representação política passa pelo financiamento público das campanhas. Infelizmente o debate sobre a reforma política está sendo contaminando por falsas polêmicas, como, por exemplo: “financiamento público é dinheiro para políticos”; “o país vai gastar todo seu dinheiro nas campanhas políticas”; “financiamento público de campanha é retirar dinheiro da educação e da saúde”, dentre outros argumentos desprovidos de fundamentação razoável.
Contudo, é preciso salientar que a reforma política defendida pelo Partido dos Trabalhadores não se resume ao financiamento público de campanha. Entendemos que além da reestruturação do financiamento eleitoral é necessária a instituição de uma lista pré-ordenada de candidatos nas eleições proporcionais, bem como o aumento compulsório da participação das mulheres na política. Defendemos ainda o fim das coligações em eleições proporcionais com o objetivo de fortalecer a autonomia e o direito de escolha do eleitor.
A estruturação do financiamento público de campanha, atrelado a um sistema de listas preordenadas nas eleições parlamentares, tem por objetivo assegurar uma maior democraticidade junto ao processo eleitoral. Essa medida, que por sinal já é adotada em vários países democráticos, contribui para a consolidação de um sistema político-partidário mais programático e menos fisiológico. Afinal essa é função de um partido político na democracia, ou seja, estabelecer programas e metas que concorram para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, o objeto de escolha do cidadão, no momento do pleito eleitoral, não será a pessoa do candidato, mas o projeto partidário que melhor contribui para a efetividade de uma sociedade mais justa e igualitária.
Outro aspecto da reforma do sistema político eleitoral é o aumento compulsório da participação feminina na política mediante alterações na lei 9.504/97. Essa é uma medida urgente e necessária para o Brasil. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos 513 deputados (as) federais apenas 9% são mulheres. Apesar de representar 51,91% do eleitorado em nosso país a presença das mulheres junto às intuições políticas é irrisória. Assim, fica evidente o aspecto antidemocrático do atual sistema eleitoral brasileiro e sua reforma é uma medida que se impõe a nossa democracia.
Nessa perspectiva, a questão de fundo no debate sobre a reforma política é a quem interessa um financiamento público atrelado a uma reestruturação do sistema eleitoral. Certamente ela não interessa aos meios de comunicação de massa. A grande mídia sustenta um discurso demagógico em relação à política. Ao mesmo tempo em que critica a política, apesar de manter fortes laços com políticos de seu interesse, ela se silencia, nada divulga, nada repercute sobre os males do financiamento privado para a democracia brasileira. Qual o motivo do silêncio? Talvez, seja possível algum dia, se alcançarmos a democratização dos meios de comunicação de massa, debater esse tema de forma ampla e sem “pré-conceitos”. E, ao final, encontrar uma resposta para a pergunta: a quem interessa a reforma política no Brasil?
Ademais, não há liberdade, em sentido amplo, sem democratizar os meios de comunicação, como também não há representação política democrática quando a escolha dos representantes é determinada pelo número do CNPJ dos grandes grupos econômicos.
Por fim, o Partido dos Trabalhadores, mais uma vez se coloca como vanguarda das transformações que o Brasil precisa e inicia, em âmbito nacional, uma campanha pela reforma política. O objetivo é coletar mais de dois milhões de assinaturas para que um projeto de iniciativa popular sobre o tema da reforma política seja pautado pelo Congresso Nacional. Contudo, para que esse trabalho tenha êxito será preciso a participação de todos (as). Pois “só mudando o sistema político-eleitoral conseguiremos mudar o Brasil. Prá mudar tem que assinar“. Entre nessa campanha, vista essa camisa!
Gleide Andrade Oliveira é vice-presidente nacional do PT, Coordenadora Nacional da Campanha pela Reforma Política e mestranda em Administração Pública – FPA
Silvio de Sá e professor substituto de Teoria Gera do Processo na PUC-Minas , advogado e mestrando em Processo Constitucional – Puc-Minas