“Prato feito” sobe quatro vezes mais que a inflação
FGV constata aumento de 23% no preço do tradicional “prato feito” brasileiro, contra 6,1% do Índice de Preços ao Consumidor calculado pela instituição. Feijão e arroz sofreram altas dez vezes acima do IPC
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Como se não bastassem o desemprego e a queda brutal da renda, os brasileiros têm cada vez mais dificuldade para se alimentar. O tradicional “prato feito”, por exemplo, aumentou em média 23,2% entre março de 2020 e março deste ano. Quase quatro vezes mais que a variação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), que chegou a 6,1% no mesmo período.
Para chegar a esse resultado, a instituição levantou a variação de preços dos dez principais alimentos do “PF” – arroz, feijão, carne, ovo, batata frita e produtos de salada. Segundo a pesquisa, os preços que mais subiram foram os do arroz (61%) e do feijão preto (69%), dez vezes mais que a variação do IPC.
O feijão carioca subiu 20%, enquanto os preços das carnes bovinas foram reajustados em 27,2%, do frango, em 13,9%, do ovo, em 10%, da batata, em 19% e da cebola, em 40%. O preço do tomate foi o único a baixar (-24%).
O IPC calculado pela FGV apresenta o mesmo resultado acumulado da inflação oficial do país: o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em março, ele ficou em 0,93%, acima da taxa de 0,86% de fevereiro, chegando a 6,10% em 12 meses.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os novos valores do auxílio emergencial impostos pelo desgoverno Bolsonaro, que variam de R$ 150 a R$ 375, não compram sequer a metade de uma cesta básica. A instituição defende que o salário mínimo de uma família composta por dois adultos e duas crianças deveria ter sido de R$ 5.315,74 em março.
Patrícia Costa, supervisora de pesquisas do Dieese, responsabiliza a orientação neoliberal da equipe econômica pela inexistência de qualquer tentativa de conter a escalada dos preços dos alimentos. “A fome dos brasileiros vai ajudar a baixar a inflação, o que é um cenário extremamente perverso”, lamentou à ‘Rede Brasil Atual’.
Em entrevista à ‘CNN’, o pesquisador da FGV Matheus Peçanha recorreu aos vilões de sempre. “Esse movimento do câmbio induz um aumento nas exportações, sobretudo dos cereais e das carnes, favorecendo a redução da oferta interna e pressionando os preços”, disse o pesquisador. Ainda segundo ele, a pandemia fortaleceu a procura por gêneros alimentícios, contribuindo para o aumento de preços também pela demanda.
Desmonte de políticas de segurança alimentar desestabilizou preços
No entanto, o projeto bolsonarista de destruição dos marcos da Constituição de 1988, alimentado pela sede de lucro da ala selvagem do agronegócio, é que gera aberrações como a alta dos preços de itens básicos. É a “inflação dos pobres”, face mais cruel do neoliberalismo do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes.
Desde 2017, a cada ano se reduz mais e mais o orçamento do Ministério da Agricultura para formar estoques reguladores de alimentos não perecíveis geridos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Embora uma lei obrigue a manutenção de um estoque de 20% dos produtos em relação ao consumo anual.
Esses estoques impedem altas especulativas e de desequilíbrios de ofertas, mantendo a normalidade dos preços. Mas o mecanismo de defesa vem sendo desmontado desde o golpe contra Dilma Roussef. Segundo a Conab, em dois anos de desgoverno Bolsonaro os estoques atingiram os níveis mais baixos desde 2013, em números absolutos.
Enquanto o Executivo se omite e não aplica políticas de manutenção de preços mínimos, o agronegócio brasileiro investe cada vez mais na monocultura para exportação. E a valorização cambial, que deixa as commodities nacionais mais competitivas no exterior, faz com que o preço dos insumos, importados, encareça a produção de produtos da cesta básica.
Ao mesmo tempo, a agricultura familiar é sabotada em nome da “liberdade do mercado”. A proposta de orçamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2021 praticamente reduz a zero a verba para a reforma agrária. Quando, na verdade, o país deveria impulsionar um processo de democratização e desconcentração da terra, como defende o Dieese.
“A partir de Michel Temer, destruíram completamente todos os instrumentos políticos que garantiam a segurança alimentar da população”, afirma o frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Com a queda drástica no investimento para o setor, já prevíamos que haveria um desabastecimento. Temos alertado isso desde 2017. Desde então, nós vimos a área produzida, a produtividade e os estoques públicos caírem. É a crônica de um desastre anunciado”, disse o frade ao portal ‘Metrópoles’.
Segundo o último Censo Agro, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017, cerca de 77% dos estabelecimentos rurais foram classificados como de agricultura familiar. Eles foram responsáveis por 23% do valor da produção agrícola nacional, mas 100% de sua produção é destinada à mesa dos brasileiros.
Da Redação