Procurador contrário à decisão da ONU esqueceu-se da missão do MPF
Procurador considerou liminar em favor de Lula “precipitada”, embora MPF tenha como meta garantir a lisura do processo eleitoral e respeito aos tratados
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O procurador regional do Ministério Público Federal Maurício Gotardo Gerum resolveu rebelar-se contra a instituição que representa. Isso porque ele desafiou a própria Procuradoria-Geral da República, ao desrespeitar a decisão do Comitê dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas que determinou que Lula tenha a candidatura garantida nas Eleições 2018.
Gerum considerou a determinação “precipitada e inexequível” ao emitir um parecer, nesta segunda-feira (20), sobre um recurso da defesa do ex-presidente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4)
A PGR, em várias resoluções já publicadas em seu site, destaca a importância do respeito aos tratados, com destaque aos de Direitos Humanos. A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, sempre defendeu a prevalência de decisões no âmbito do direito internacional em questões internas do país. Por enquanto, a procuradora-Geral se mantém em silêncio.
O procurador, por sua vez, criticou a ONU por ter feito o documento sem consultar o governo brasileiro a respeito da situação de Lula. “Além de violar caros princípios constitucionais como a independência do Poder Judiciário e o devido processo legal, não é a isso que se prestam os organismos internacionais”, declarou Gerum.
O curioso é que os advogados de Lula, apesar da importante vitória na ONU, não chegaram a notificar o fato no recurso do TRF-4. O procurador mesmo assim foi além. Como se não bastasse isso, Gerum desafiou a missão do MPF – Promover a realização da justiça, a bem da sociedade e em defesa do Estado Democrático de Direito – e um dos principais objetivos do MPF, presentes no Planejamento Estratégico para o decênio 2011-2020, instituído pela portaria PGR/MPF nº 687, de 20 de dezembro de 2011. O documento diz que é um objetivo estratégico:
Ser percebida como uma Instituição que atue na defesa da sociedade por meio da proteção do Regime Democrático e promoção dos Direitos Fundamentais. Fomentar o emprego dos meios extrajudiciais e judiciais necessários para garantir a lisura do processo eleitoral, bem como a efetividade do regime democrático e dos direitos fundamentais abrangidos pela Constituição da República e tratados internacionais.
O parecer de Gerum claramente não leva em consideração o planejamento do MPF. A questão, no entanto, está longe de ser um consenso na instituição. Vladimir Aras, especialista em direito internacional e também procurador do órgão, reafirmou o caráter obrigatório da liminar da ONU. Segundo Aras, que é professor de processo penal e direito internacional, além de ter atuado na Operação Lava Jato, cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatar a decisão da Comitê.
O procurador explicou ainda que a obrigatoriedade de cumprir a decisão vem do fato de o Brasil ser um Estado parte do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, tratado internacional que tem vigência interna desde os anos 1990. Ao ratificar o tratado, o país se comprometeu voluntariamente perante a comunidade internacional e a seus próprios cidadãos a respeitar os direitos individuais, civis e políticos que constam do tratado.
Aras destacou ainda a ratificação pela adesão voluntária do Brasil ao Protocolo Facultativo, que regula as comunicações individuais (petições de cidadãos) ao Comitê de Direitos Humanos, em 2009.
A Gerum, que gosta de citar o escritor Fiódor Dostoiévski em seus processos na Lava Jato, com os “homens são de bronze”, só resta relembrar outro trecho da obra do russo para descrever a perseguição política a Lula, por meio de uma condenação penal sem provas.
“Em suma, pode-se dizer tudo da história universal, tudo que puder vir à cabeça da imaginação mais perturbada. Só não dá pra dizer uma coisa: que é sensata. Os senhores vão se engasgar na primeira palavra”.
Por Erick Julio, da Agência PT de Notícias