PT defende adiamento da IV Conferência de Cultura para 2023
Nota da Secretaria Nacional de Cultura do PT discute junto aos partidos da Federação Partidária “Brasil da Esperança” (PT, PCdoB e PV) e demais partidos de oposição a realização da Conferência em 2023
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As Conferências de Cultura se constituem num dos componentes centrais do Sistema Nacional de Cultura, estruturadas federativamente possibilitam a mais ampla participação social na formulação das políticas públicas no campo da cultura, conformadas nos planos de cultura, assegurando o caráter democrático do SNC.
No Brasil foram realizadas três Conferências Nacionais de Cultura, a primeira em 2005, a segunda em 2010 e a terceira em 2013. A quarta, prevista para o ano de 2017, até hoje não aconteceu.
A I Conferência Nacional de Cultura representou um marco histórico na democratização da gestão cultural no Brasil. Realizada na cidade de Brasília, de 13 a 16 de dezembro de 2005, foi antecedida de 438 Conferências Municipais e Intermunicipais, envolvendo 1.158 municípios e um total de 53.507 participantes, 18 Conferências Estaduais e no Distrito Federal.
A II Conferência Nacional de Cultura, realizada na cidade de Brasília, de 11 a 14 de março de 2010, foi antecedida de Conferências em 3.216 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal, realizadas durante o ano de 2009.
A III Conferência Nacional de Cultura, realizada na cidade de Brasília, de 27 de novembro a 1 de dezembro de 2013, ampliou ainda mais a participação social. As Conferências Municipais, Intermunicipais, Territoriais, Regionais, Estaduais e Livres tiveram 450 mil participantes. A Conferência Nacional contou com 953 delegados de todos os 26 estados e do Distrito Federal, eleitos nas respectivas conferências estaduais e distrital.
Após esse período de grandes avanços com a realização das Conferências Nacionais de Cultura respeitando a periodicidade de quatro anos, tendo uma crescente participação social e se consolidando como o símbolo maior da democratização da gestão cultural no Brasil, a partir de 2016, com o golpe parlamentar do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a situação da cultura muda radicalmente. No governo Michel Temer e posteriormente no de Jair Bolsonaro, sofre um enorme retrocesso, em especial, no que trata dos processos de participação social, mesmo quando assegurados pela Constituição Federal, como é o caso das instâncias do SNC.
Estabelece o art. 216-A da Constituição Federal:
“O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais.”
Uma guerra cultural sem trégua foi deflagrada contra a cultura brasileira, iniciando com a extinção do Ministério da Cultura, tentada inicialmente por Temer e consumada por Bolsonaro, ato que representou uma enorme perda simbólica e um profundo golpe na estrutura da gestão cultural do País. O MinC foi transformado em Secretaria Especial de Cultura, inicialmente vinculada ao Ministério da Cidadania e, posteriormente, ao Ministério do Turismo. Dirigentes desqualificados e inexperientes, preocupados apenas em promover a guerra cultural, perseguir e censurar os que fazem cultura e buscar visibilidade midiática por meio de factoides e fake news, provocaram um enorme caos na gestão cultural do governo federal com o desmonte e paralisia das suas principais instituições culturais e a total descontinuidade das políticas públicas de cultura.
Órgãos Gestores da Cultura, Conferências, Conselhos, Colegiados, Fóruns, Planos de Cultura, Sistemas de Financiamento enquanto componentes fundamentais do SNC e essenciais para o processo de participação social e democratização da gestão cultural passaram a ser alvos de uma política de desconstrução, descaracterização, desqualificação, esvaziamento político e asfixia financeira, visando o desmonte das instituições e das políticas públicas de cultura.
O Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC) foi profundamente atingido e enfraquecido. Foi retirado o seu caráter deliberativo, foram suprimidas várias das suas principais atribuições e sofreu uma redução drástica na sua composição, passando de 68 para 36 membros. As conquistas fruto de muitos anos de luta dos diversos segmentos culturais foram simplesmente desconsideradas pelo governo Bolsonaro. Todos os 18 Colegiados Setoriais instalados e os respectivos Fóruns Nacionais foram sumariamente extintos, bem como suprimidas as respectivas representações no plenário do CNPC.
O calendário previsto com a realização de Conferências Nacionais em 2017 e 2021 foi ignorado, tanto por Temer como por Bolsonaro.
O Plano Nacional de Cultura e suas 53 metas previstas para execução até o ano de 2020 foram completamente abandonados. Sem a realização da Conferência Nacional prevista para 2017 que deveria ter como pauta a avaliação do Plano e a definição das diretrizes para elaboração do novo Plano Nacional de Cultura, a vigorar a partir de 2021, o governo Bolsonaro através da Medida Provisória nº 1.012, de 1º de dezembro de 2020, prorrogou a vigência do Plano por mais dois anos, ou seja, até o final do ano de 2022.
Por que só agora, cinco anos após a data prevista, a Secretaria Especial de Cultura propõe a realização da IV Conferência Nacional de Cultura neste ano de 2022, com as etapas Municipais, Estaduais e Distrital, realizadas durante o período eleitoral e a etapa nacional prevista para realização em dezembro, no último mês do governo Bolsonaro?
Quais os verdadeiros motivos que levam esse governo, cuja única política foi a desconstrução das instituições e das políticas culturais, agora, no apagar das luzes, querer realizar a toque de caixa uma conferência nacional?
Por várias razões sempre se evitou realizar Conferências em anos eleitorais.
Primeiro porque as atenções gerais da sociedade estão voltadas para as eleições e a prioridade dos cidadãos é o debate eleitoral. A grande mobilização da sociedade naturalmente é voltada para as campanhas dos candidatos nas disputas eleitorais, sejam municipais ou como nesse ano de 2022, estaduais, distrital e nacional. Neste quadro, os diversos setores da sociedade buscam se articular para inserir as suas questões nos debates eleitorais e nas propostas apresentadas pelos candidatos.
Os meios de comunicação também estão focados na cobertura do processo eleitoral e principalmente nos temas mais polêmicos entre os candidatos. Neste ano de 2022, em especial, a sociedade está dividida e polarizada, numa acirrada disputa partidária e ideológica.
As Conferências buscam construir políticas públicas como políticas de Estado, num debate aberto e democrático, onde haja espaço para manifestação das diversas opiniões, mas que, também, haja clima para a construção de convergências e, se possível, de consensos.
Num ano eleitoral o ambiente é de conflito, as disputas são acirradas e prevalecem as divergências, não sendo produtivo realizar conferências.
A Conferência Nacional começa nos Municípios e sua representatividade e legitimidade depende da ampla participação não apenas das capitais e grandes municípios, mas, também, dos pequenos e médios, que se constituem na grande maioria dos municípios brasileiros. Portanto, a mobilização destes municípios é decisiva para o sucesso das Conferências Estaduais, Distrital e Nacional. Isso exige tempo para a articulação federativa e a sensibilização dos diversos segmentos culturais e da sociedade. Depende, principalmente, da confiança dos diversos atores envolvidos num processo que assegure, de fato, uma ampla participação social e o fortalecimento democrático do Sistema Nacional de Cultura.
No último dia 12 de abril, em “Carta Aberta ao Setor Cultural e à Sociedade Civil pela Não Realização da IV Conferência Nacional de Cultura em 2022”, um número significativo de Conselheiros Nacionais de Cultura representantes da sociedade civil, expõem uma série de motivos que os levam a se manifestar contrários à realização da Conferência Nacional neste ano de 2022.
Citamos, a seguir, alguns deles:
– Para realizarmos a IV Conferência Nacional de Cultura e termos a participação efetiva do setor e a garantia do caráter democrático desse evento é preciso que esse trâmite obedeça a um cronograma que garanta o princípio da participação popular. Técnica e politicamente consideramos uma lástima realizar tão importante conferência, garantida ao setor, a toque de caixa somente para cumprir tabela.
– Não houve previsão orçamentária nos entes federados para realizar suas conferências de cultura, por não haver sinalização, à época, da preparação do orçamento de 2022. E chamamos a atenção para o fato de ser um ano eleitoral, com uma disputa extremamente polarizada.
– Prazos, modelo virtual, lei Aldir Blanc e Paulo Gustavo em andamento, retomada econômica do setor cultural que se encontra com grandes dificuldades de voltar à normalidade. Como se dará a mediação entre gestores e sociedade civil, quando detectados conflitos de interesse e inobservância das disposições legais?
– Outrossim, também evidenciamos o momento vivido pelos municípios que têm minimamente seus sistemas de Cultura instituídos, e que estão em processo de prestação de contas com a União, referente aos projetos realizados com os recursos da Lei Aldir Blanc, sendo essa uma demanda que, certamente, será encarada com muito mais afinco do que a realização das conferências municipais.
Por outro lado, o posicionamento do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e do Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e Municípios Associados da Frente Nacional dos Prefeitos vai na mesma direção:
Ressalta a importância e legitimidade das Conferências Nacionais de Cultura. Desde a primeira realizada em 2005, as Conferências se consolidaram enquanto espaços fundamentais para a existência de um Sistema Nacional de Cultura (SNC). Em suas etapas municipais, estaduais e nacional, as Conferências sempre contaram com a participação de representantes do governo e sociedade civil organizada para debater sobre demandas prioritárias das políticas públicas na área da cultura a serem implantadas.
Informa que a previsão de convocação da IV Conferência Nacional de Cultura, por parte do Governo Federal, era em janeiro de 2022, o que não aconteceu.
Em razão do tempo exíguo para a realização das Conferências de Cultura, seja na esfera municipal e estadual, e preparação para a realização da IV Conferência Nacional de Cultura, entendem não ter mais condições de realizar em 2022, correndo o risco de comprometer a transparência, legitimidade e a ampla participação do setor cultural em todo o processo.
Por todas as razões expostas nesse documento, a Secretaria Nacional de Cultura do PT vem a público defender a realização da IV Conferência Nacional de Cultura no ano de 2023, bem como manifestar a sua concordância e apoio ao posicionamento conjunto do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura e do Fórum Nacional de Secretários e Gestores de Cultura das Capitais e Municípios Associados, assim como à Carta Aberta dos Conselheiros Nacionais de Cultura.
Visando ampliar esse debate vem colocar esse documento em discussão junto aos partidos da Federação Partidária “Brasil da Esperança” (PT, PCdoB e PV), bem como aos demais partidos de oposição. Em especial, levar essa discussão ao meio cultural, envolvendo conselheiros de cultura, gestores, artistas, fazedores de cultura, militantes da cultura, produtores culturais, instituições, organizações e movimentos culturais, para que possamos de forma unificada acumular força suficiente para evitar o desastre da realização de uma conferência esvaziada e ilegítima neste ano de 2022 e juntos possamos realizar em 2023, a tão sonhada IV Conferência Nacional de Cultura, com uma ampla participação social, num processo de retomada do desenvolvimento cultural e da democracia no nosso Brasil.
Brasília, 25 de abril de 2022.
Secretaria Nacional de Cultura do PT