PT vota contra, mas indígenas sofrem derrota na Câmara, na votação do marco temporal

Além de ser crime contra os povos indígenas o projeto vai possibilitar e facilitar o aumento significativo do desmatamento e comprometerá as metas climáticas em nível global, afirmou a deputada Juliana Cardoso (PT-SP)

Bruno Spada

Votação do projerto do projeto de lei (PL 490/07) na Câmara dos Deputados

Sob protesto e com o voto contrário da Bancada do PT, o plenário da Câmara aprovou na noite desta terça-feira (30), por 283 votos a favor e 155 contrários, o projeto de lei (PL 490/07), do marco temporal de demarcação de terras indígenas. O projeto restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.

A deputada Juliana Cardoso (PT-SP), que é indígena, chegou a defender a retirada do projeto de pauta. “Esse é o projeto da morte, do atraso e do retrocesso; é o projeto da perversidade, do lucro acima da vida humana”, acusou. Ela afirmou que no País, “o nosso povo indígena já foi histórica e vergonhosamente explorado, escravizado, massacrado e assassinado desde a invasão de 1500. Agora, esse projeto da morte quer acabar, de novo, com os direitos adquiridos e quer promover a injustiça e legalizar a violência”, protestou.

Além de ser crime contra os povos indígenas, afirmou Juliana, o projeto vai possibilitar e facilitar o aumento significativo do desmatamento e comprometerá as metas climáticas em nível global. “Esse é um projeto que acaba com os direitos constitucionais do nosso povo. Não estamos tratando apenas dos direitos dos povos indígenas, mas do meio ambiente e da vida na Terra”, reiterou.

Indignada, Juliana enfatizou que o texto traz violações em todos os artigos. “São 14 artigos que violam não só a vida dos povos indígenas, do meu povo, mas também a questão ambiental. Não há condições de os senhores abrirem as portas para pessoas que não são indígenas, para que tenham ali lucros, em hidrelétricas, no garimpo, na especulação da terra contra os povos indígenas. Não matem a relação com os povos, com a Mata Atlântica, por conta da relação com o dinheiro”, pediu.

Compromisso do governo

Líder do Governo, deputado José Guimarães. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), ao se posicionar contra o projeto, lembrou do compromisso do governo Lula com o meio ambiente e com os povos originários. Ele citou ainda todo o esforço que foi feito nas últimas 48 horas para tentar adiar a votação do projeto.

“Eu me empenhei particularmente para buscarmos o consenso e esta matéria não ir a voto. Eu entendo que nós não poderíamos votar uma matéria que, para mim, é cláusula pétrea da Constituição, através de um projeto de lei. Se fosse uma proposta de emenda à Constituição, tudo bem, nós poderíamos discutir. Mas um projeto de lei não pode alterar aquilo que está no art. 231 da nossa Constituição”, afirmou.

O art. 231 da Constituição Federal estabelece os critérios para a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e não fala em marco temporal. Os critérios são: as terras por eles habitadas em caráter permanente; as utilizadas para suas atividades produtivas; as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Cinismo

Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), é muito cinismo defender esse projeto, “que possibilita a entrada, sem autorização, em territórios indígenas, que possibilita rever terras já homologadas, que estabelece o marco temporal, que é a legitimação do esbulho. E querem dizer que esse projeto é para defender os povos indígenas. V.Exas. têm sangue indígena nas mãos. V.Exas. estão aqui perpetrando um ataque sem precedentes aos povos indígenas”, acusou.

Erika Kokay também afirmou que o projeto fere a Constituição brasileira e não deveria nem estar sendo apresentada. “Ela legitima o esbulho que foi feito nos territórios indígenas. É como se os indígenas, que foram arrancados do seu território antes de 1988, fossem invisibilizados. Mas nós não podemos ter o sangue indígena nas mãos daqueles que acham que podem arrancar os territórios, daqueles que acham que podem submeter os povos indígenas ao que nós vimos com o povo yanomami, daqueles que acham que podem ter suas máquinas do garimpo ilegal dragando crianças, como aconteceu no território yanomami. Nós estamos aqui em defesa da nossa brasilidade. Nós estamos aqui em defesa de marcos civilizatórios”.

Texto aprovado

O texto, que segue para apreciação do Senado, foi aprovado na forma do substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), e estabelece que para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram, ao mesmo tempo, habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

Dessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse marco temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.

Supremo

Em sessão marcada para o dia 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá votar uma ação sobre o tema, definindo se a promulgação da Constituição pode servir como marco temporal para essa finalidade. O STF já adiou por sete vezes esse julgamento. A última vez ocorreu em junho de 2022.

Do PT na Câmara

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