“Quem se sente impune para destruir a Amazônia se sente livre para matar”

Para César Muñoz, pesquisador da Human Rights Watch, a impunidade é cúmplice dos desmatamentos e queimadas que destroem o patrimônio dos brasileiros

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Queimadas na Amazônia

César Muñoz percorreu durante dois anos diversas áreas de floresta da região da Amazônia. Pesquisador sênior para o Brasil na Divisão das Américas da Human Rights Watch, Muñoz é o responsável pelo relatório Máfias do Ipê: Como a Violência e a Impunidade Impulsionam o Desmatamento na Amazônia Brasileira.

Divulgado pela organização internacional na terça-feira (17), o estudo comprova: a destruição da Amazônia brasileira é impulsionada por redes criminosas contratadas por quem faz extração ilegal de madeira na floresta.

Foram cerca de 180 entrevistas com autoridades locais e de Brasília, de órgãos de defesa do meio ambiente, indígenas, moradores dos estados do Maranhão, Pará e Rondônia, pequenos agricultores, defensores da floresta ameaçados de morte, familiares de parte dos mais de 300 assassinados na última década.

“Eu fiz toda pesquisa e em algum momento tive apoio de outras pessoas. Temos um sistema interno muito forte de revisão dos resultados. Especialistas em meio ambiente que vão ajudar nessa parte, em mulheres, da Biblioteca Nacional”, explica.

A conclusão é grave. “A questão da violência na Amazônia, relacionada à extração ilegal de madeira e outros crimes, é um problema crônico do Brasil, não começou com o governo Bolsonaro, mas estamos vendo que a situação piorou com o governo Bolsonaro”, afirma Muñhoz.

“E por que piorou? Porque quando você enfraquece os órgãos de controle, os órgãos ambientais, reduz o orçamento, reduz o número de buscas, de operações, elimina a autonomia dos fiscais para atuar, deixando-os com receio, com medo de serem punidos, quando faz tudo isso é uma festa para os grupos criminosos que estão desmatando a Amazônia. Essas redes que estão destruindo a Amazônia elas são violentas. Então, quando se sentem livres para desmatar, elas se sentem livres para intimidar, para ameaçar e até para matar.”

César Muñoz é jornalista e trabalhou para a EFE, a maior agência de notícias de língua espanhola no mundo, como correspondente em Washington e depois à frente dos escritórios no Equador, no Paraguai e no Brasil. Também atuou na CNN, Europa Press TV, e outros meios de comunicação nos Estados Unidos e na Espanha, seu país de origem.

“Nós esperamos que nossa pesquisa possa ajudar no debate público. Queremos que seja nossa contribuição e esperamos que as autoridades leiam realmente e percebam a gravidade da situação. E que tomem medidas para resolvê-la”, disse em entrevista à Rede Brasil Atual.

Confira alguns destaques da entrevista:

 

Rede Brasil Atual: Como o governo pode ver um relatório como esse, feito por um organismo internacional? E o que vocês pensam sobre a questão da soberania?

César Muñoz: Eu não sei como eles vão reagir. O que posso dizer é que nosso relatório é baseado em entrevistas com brasileiros que estão relatando a situação de insegurança, de impunidade na Amazônia, principalmente provocada por redes criminosas que são compostas por brasileiros.

Nós achamos que é um problema crônico do país, que piorou com o governo atual e que tem de ter uma resposta. Não se pode simplesmente deixar esses grupos criminosos, que são extremamente perigosos agirem sem nenhum controle, sem freio.

Esperamos que nossa pesquisa, que é baseada em entrevistas, no terreno, fizemos 180 entrevistas durante dois anos, possa ajudar no debate público.

“Se você usar o discurso da soberania, e agir, atuar contra as redes criminosas e fortalecer com recursos as agências, como o Ibama, o ICMBio, perfeito. Esse é o ideal, tem de acontecer. O discurso da soberania deve vir acompanhado de ações concretas para combater criminosos”

Queremos que seja nossa contribuição e esperamos que as autoridades leiam realmente e percebam a gravidade da situação. E que tomem medidas para resolvê-la.

RBA: Vocês encontraram alguma dificuldade para fazer as investigações, o relatório, as entrevistas?

Muñoz: Sim. Uma das dificuldades de fazer uma pesquisa como a nossa é que ninguém tem, ninguém acompanha no governo os casos de violência e ameaças das zonas com madeireiros, com destruição da Amazônia. Não tem. Você pode perguntar e ninguém vai ter esses dados porque não tem acompanhamento. E esse é um dos grandes problemas.

Porque estamos falando de um problema crônico do Brasil e para você resolver qualquer problema precisa ter os dados e uma análise da situação. E esses dados não existem. O mais parecido que existe é o trabalho, extraordinário na verdade, da Comissão Pastoral da Terra, que é um organismo vinculado à igreja católica, que tem representantes nos estados. Eles que fazem esse acompanhamento das vítimas que eles conhecem, dos assentamentos etc. E depois publicam os dados.

Esses dados mostram mais de 300 mortes na última década, por conflitos de terra, sobre recursos naturais. Então, o grande desafio é procurar os dados desses casos, porque não é só contar os casos. Você tem de saber se houve uma investigação ou não houve. Qual foi a qualidade da investigação. Se não houve denúncia, por que não houve? Esse foi o desafio para nós e que tentamos fazer. Para isso, viajamos por várias regiões da Amazônia indo a pequenas cidades onde aconteceram os crimes para falar com a polícia, com o Ministério Público, com testemunhas, com a família para saber o que aconteceu.

Leia a entrevista na íntegra

 

Por Rede Brasil Atual

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