Recuperação a caminho? Para o Dieese, política econômica seguirá excluindo a maioria
Instituto não vê dados que sustentem repetido discurso de “retomada” da atividade. Pequena melhora “tem sido apropriada pela parcela mais rica da população”
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“A hipótese de crescimento do PIB em 2020 tem como base aumento da concentração da renda, manutenção de altas taxas de desocupação e de emprego precário e empobrecimento da classe trabalhadora”, diz o Dieese, em seu Boletim de Conjuntura de dezembro. Para o instituto, a manutenção da política econômica indica que o governo “seguirá excluindo a maioria dos brasileiros de qualquer avanço”.
Na análise, o Dieese lembra que em todo final de ano a mídia tradicional e o mercado financeiro “procuram difundir a ideia de que a recuperação está a caminho”, o que novamente acontece, com previsões otimistas para 2020, com base no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre, que teve alta de 0,6% em relação ao período imediatamente anterior, somando 1% em termos anuais. “No entanto, nos últimos seis anos, as projeções sobre o bom desempenho do PIB ficaram sempre muito distantes da realidade”, observa, lembrando que em 2018 a previsão era de crescimento de 2,5% neste ano – mas mesmo com liberação de quase R$ 45 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o PIB “mal atingirá aumento de 1%, completando o terceiro ano de baixo crescimento”. Ao comparar 2018 e 2019, o Dieese aponta um “cenário de semi-estagnação econômica”.
Em relação ao mercado de trabalho, por exemplo, o instituto mostra uma situação de volatilidade e expansão “por meio do emprego informal e outras formas precárias, como trabalho em tempo parcial, temporário, intermitente, terceirizado, entre outros, possibilitados pela reforma trabalhista”. A consequência é que a recuperação do mercado interno, a partir da renda, continua lenta. São aproximadamente 12,4 milhões de desempregados, 27,1 milhões de subutilizados, 11,9 milhões de empregados sem carteira e 24,4 milhões de trabalhadores por conta própria – estes dois últimos são recordes na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE.
Pressões inflacionárias
A inflação pode estar baixa, mas o custo de vida mantém-se alto, diz o Dieese. “A fraqueza da economia contribui para a permanência da inflação abaixo da meta, mas há pressões inflacionárias pontuais que afetam negativamente as condições de vida das famílias, como a alta nos alimentos, especialmente nas carnes; as resultantes da política de preços da Petrobras; e de reajustes de planos de saúde e energia elétrica.” Além disso, o preço da carne fez a inflação oficial (IPCA) voltar a subir em novembro, atingindo 0,51%, maior taxa para o mês em quatro anos. A “prévia” da inflação oficial, em dezembro, foi ainda maior.
Também as negociações coletivas continuam exibindo resultados fracos. De acordo com o instituto, de janeiro a outubro, 25% dos acordos foram fechados com reajuste abaixo da inflação, enquanto só 26% igualaram a inflação acumulada até o período da data-base. E as negociações que superaram o índice tiveram, em média, ganho real de apenas 0,17%.
O boletim do Dieese lembra ainda que o estoque da dívida pública federal atingiu R$ 4,1 trilhões em outubro – desse total, R$ 3,9 trilhões referem-se à dívida interna. “Quem ganha dinheiro com isso? Metade dos detentores de títulos da dívida são bancos, fundos de investimento e seguradoras. As instituições financeiras detêm R$ 913 bilhões desse montante, enquanto os fundos de investimento mantêm R$ 1 trilhão. As seguradoras respondem por R$ 160 bilhões desse estoque. Os dados são do Tesouro Nacional, do Ministério da Economia.”
Bilhões em juros
Com custo médio da dívida, para o Tesouro, de 8,43% ao ano, o pagamento de juros soma R$ 360 bilhões em 12 meses, o equivalente a 5,1% do PIB. “Para quem?”, pergunta o Dieese. “Bancos, fundos de investimento, seguradoras etc. E essas instituições negociam, em média, um volume financeiro de títulos da dívida pública da ordem de R$ 45,5 bilhões, ao dia”, acrescenta, apontando perspectivas negativas para o problema.
“A situação fiscal do Estado brasileiro, especialmente a União, reflete tanto a baixa intensidade da atividade econômica (que afeta negativamente a arrecadação) como a dependência das receitas extraordinárias, como as de concessões e privatizações. Esse não é um cenário que aponte para a sustentabilidade fiscal. Como a base de arrecadação é dependente da atividade econômica, se esta permanecer fraca, a opção por uma nova rodada de ajuste fiscal, como já se tornou prática, pode ter efeito contrário – deprimir a economia, derrubando ainda mais a arrecadação.”
O boletim faz referência a previsão da Secretaria de Política Econômica, de crescimento de 2,32% em 2020 e de 2,5% nos dois anos seguinte, “números próximos do previsto pelo mercado financeiro, mas que poderá se mostrar distante da realidade mais uma vez”. O instituto não vê dados que sustentem as projeções de “retomada” da atividade.
“Ainda que a liberação de recursos do FGTS, a redução das taxas de juros e os efeitos expansionistas dos gastos associados à eleição municipal possam dar um fôlego temporário ao consumo das famílias e a investimentos marginais, não há nenhum elemento objetivo que permita afirmar que o baixo crescimento tenha sido superado. Ao contrário, a política econômica, baseada no arrocho salarial, na austeridade fiscal, na liberalização da economia e no crescente endividamento das famílias, asfixia o mercado interno. E as incertezas provocadas pelo agravamento da crise capitalista e pela instabilidade política continuam deprimindo as expectativas de investimentos das grandes corporações.”
O Dieese considera “mais realista” supor que o PIB oscilará em 2020 entre 0,5% e 1,5%. “A modesta ampliação do consumo das famílias e dos investimentos da construção civil deve ser compensada pela contração da demanda externa.
Mais grave é que mesmo a pequena melhora, observada a partir de 2017, tem sido apropriada pela parcela mais rica da população, como mostra o Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas 2019. Parcela dos 1% mais ricos fica com 28,3% da renda. A concentração de renda no Brasil é a segunda maior do mundo.”