“Reforma de Bolsonaro é bem pior que a de Temer”, diz presidente da CUT
Vagner Freitas, presidente da CUT, alerta para os riscos embutidos na proposta e fala sobre a asfixia financeira imposta pelo governo aos sindicatos
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Nesta sexta-feira 22, as centrais sindicais fizeram uma série de protestos de rua, assembleias de trabalhadores e panfletagens em portas de fábrica contra a proposta de reforma da Previdência apresentada pela equipe econômica de Jair Bolsonaro. Trata-se de um evento preparatório, um “esquenta” para uma greve geral. O objetivo é iniciar a mobilização em defesa da aposentadoria, criando condições para uma paralisação nacional, caso a proposta avance no Congresso.
“A reforma de Bolsonaro é bem pior que a de Temer”, alerta Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a apontar as ameaças embutidas na proposta de retirar os critérios de concessão dos benefícios da Constituição e os interesses por trás da ideia de adotar o modelo de capitalização individual.
O movimento surge um contexto dramático para os sindicatos, sob forte ataque do governo, que não poupa esforços para acabar com a sustentação financeira deles. A MP 873, para citar um exemplo, impede descontos de mensalidades e contribuições sindicais na folha de pagamento dos trabalhadores. “Como não conseguem derrotar politicamente o movimento sindical, tentam asfixiá-lo financeiramente”, diz.
CartaCapital: Qual é o objetivo da mobilização?
Vagner Freitas: Impedir o desmonte da previdência pública. Na verdade, é um “esquenta” para uma futura greve geral, que vamos fazer se não conseguirmos impedir o avanço dessa proposta no Congresso Nacional.
CC: A proposta de Bolsonaro é tão nociva quanto a de Temer?
VF: É bem pior. A reforma de Bolsonaro tem dois fatores que não existiam na de Temer. Primeiro, ela retira da Constituição as regras para concessão de benefícios, que passariam a ser regidas por leis ordinárias. Ou seja, não seria mais necessário ter maioria qualificada, 308 votos, para aprovar na Câmara mudanças na aposentadoria. Bastaria maioria simples. Além disso, estão acabando com a ideia de Previdência universal, baseada no princípio da solidariedade, da repartição de recursos, de seguridade. Pretendem trocar isso por um fundo de capitalização, essa é a grande maldade.
CC: Por quê?
VF: O trabalhador terá que contribuir com um valor muito maior do que ele paga hoje, pois esses fundos serão geridos pelo mercado privado. Cada um terá uma conta individual, fará a sua própria poupança ao longo da vida. Qual trabalhador vai conseguir fazer isso para ter alguma proteção na velhice? O Brasil tem 12 milhões de desempregados, grande parte dos trabalhadores não são formalizados. De onde vem esse emprego com qualidade, capaz de permitir a cada um montar a sua própria poupança? Com essa carteira de trabalho verde-amarela, institucionalizam o bico. Estão acabando com o conceito de emprego, legalizaram o trabalho precário.
CC: O senhor se refere ao trabalho intermitente?
VF: Sim. Você vai fazer bico de segurança, de garçom, mas não tem nada garantido. Vai trabalhar quando o patrão quer, não terá renda certa para sustentar a sua família. Muitos trabalhadores não entendem isso, acham que terão a liberdade de trabalhar para quem quiser, na hora que desejar. Isso não existe. O patrão é que vai dispor da sua hora, é ele que diz quando você deve comparecer, quando vai te pagar. O funcionário está na mão dele. Ainda tem gente que nutre aquela ilusão alimentada pelos filmes de Hollywood, do sujeito que veste um avental, trabalha em um restaurante por algumas horas, recebe no mesmo dia, atravessa a rua e toma uma cerveja. Isso é ficção, não é a nossa realidade.
CC: Em abril de 2017, as centrais sindicais conseguiram fazer uma megaparalisação contra as reformas de Temer em várias capitais do País. É possível repetir esse feito na atual conjuntura?
VF: Acredito que sim, porque a atrocidade dessa reforma é muito maior do que a do governo Temer. Precisamos, claro, fazer um bom trabalho de comunicação para que os trabalhadores saibam o que está em jogo.
CC: Mesmo com a asfixia financeira imposta pelo governo aos sindicatos? A MP 873 proibiu descontos de contribuições sindicais na folha de pagamento.
VF: Bolsonaro está fazendo a lição de casa. Temer foi derrotado pelos sindicatos, pelos movimentos sociais e pelos trabalhadores. Não conseguiu a fazer a reforma que pretendia, e que também havia sido proposta pelo mercado, pelos mesmos atores que orientaram Paulo Guedes, o ministro da Economia de Bolsonaro. Mesmo com uma maioria conservadora no Congresso, Temer foi derrotado. É por isso que eles desejam tanto acabar com o movimento sindical. Bolsonaro sabe que o principal instrumento de luta da classe trabalhadora é o sindicato.
VF: De forma inconstitucional, eles querem impedir os descontos em folha das mensalidades que os trabalhadores pagam aos sindicatos como associados. Como não conseguem derrotar politicamente o movimento sindical, tentam asfixiá-lo financeiramente. A sociedade sabe que os sindicatos são importantes para a democracia, para defender os trabalhadores. Quando entende que não é feito um trabalho de qualidade, pede a troca da diretoria, mas não defende o fim da entidade. Eles sabem que não conseguem derrotar essa ideia, então tentam sufocar, acabar com a sustentação financeira.
Com a reforma trabalhista de Temer, eles já acabaram com o imposto sindical (equivalente um dia de trabalho no ano). Tudo bem, a CUT entende que essa contribuição não deveria mesmo ser obrigatória. Sempre defendeu a substituição do imposto sindical pela taxa negocial dos acordos coletivos, aprovadas em assembleia. Agora, eles querem impedir o desconto dessa taxa negocial e também das mensalidades de trabalhadores sindicalizados. A MP 873 diz que é vedado ao empregador fazer qualquer desconto sindical em sua folha de pagamento, mesmo que isso tenha sido negociado em acordo coletivo.
CC: Muitos sindicatos sobrevivem com essa taxa acordada em negociações coletivas, não é mesmo?
VF: Após a reforma trabalhista, vários sindicatos filiados à CUT conseguiram ótimos acordos coletivos, que permitiam o desconto em folha da taxa negocial e da mensalidade dos trabalhadores sindicalizados. Bancários, químicos, metalúrgicos, entre outras categorias. Outro fato que mostra a falta de compromisso dessa turma com o discurso: eles fizeram questão de aprovar a prevalência do negociado sobre o legislado, não é mesmo? Pois bem, veja o exemplo dos bancários, a minha categoria. Foi feito um acordo para 400 mil trabalhadores com os bancos, e ele previa os descontos de contribuições assistenciais ou de mensalidades dos associados do sindicato. Então, agora, o negociado não vale mais? O objetivo é claro: querem inviabilizar os sindicatos para conseguir destruir a previdência pública sem resistência.
CC: Imagino que, em um contexto de crise, qualquer boleto pesa no fim mês. Se não houver o desconto em folha, o sindicato pode ficar a ver navios.
VF: Ah, sim. E o pior: não há nenhuma política de retomada do crescimento da economia. Os salários se desvalorizam, os empregos são precarizados. Como disse anteriormente, trabalho sem segurança e sem benefícios não é emprego, é bico. Nesse cenário, qualquer 30 reais, 40 reais faz falta no fim do mês. Mesmo sabendo da importância dos sindicatos, se o trabalhador precisar cortar gastos, ele o fará com aquilo que não é emergencial. Ele não vai cortar a escola dos filhos, não vai cortar a comida que leva à mesa de casa, não deixará de comprar remédios. Mas pode cancelar a assinatura do jornal, atrasar as mensalidades do sindicato… Para o governo, isso é decisivo para desmobilizar os trabalhadores e tomar o direito à aposentadoria, retirar os benefícios que o trabalhador tem. Daí a importância de fazer muito trabalho de base e grande esforço de comunicação, os brasileiros precisam saber disso.
CC: O senhor disse que a mobilização desta sexta é um “esquenta”, um preparativo para a greve geral. Essa paralisação nacional já tem data para ocorrer?
VF: Vai acontecer se esse projeto avançar no Congresso, quando houver a perspectiva de ser levado à votação. Da outra vez, fizemos um trabalho muito importante com os deputados. O mote da campanha era: “Se votar contra o trabalhador, não vai voltar”. Muitos não voltaram, inclusive o Rogério Marinho, hoje secretário especial de Previdência e Trabalho. Ele era deputado federal pelo Rio Grande do Norte e foi relator da reforma da Previdência de Temer. Dissemos a ele: “Você não vai voltar”. De fato, ele não voltou, não conseguiu se reeleger, mas ganhou sobrevida no governo Bolsonaro. Vamos continuar fazendo esse trabalho de convencimento com os parlamentares e a população.