Réu confesso: Bolsonaro admite minuta golpista e põe aliados para ameaçarem o STF
Em ato na Paulista, extremista também pediu anistia para terroristas do “8/1”, conectando o plano de golpe aos atos de vandalismo
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Amedrontado diante da certeza de que será preso, Jair Bolsonaro pôs em prática, no domingo (25), um plano digno dos grandes chefes de quadrilha. Em um comício na Avenida Paulista, dias depois de ficar em silêncio na Polícia Federal, o extremista fez uma chantagem com o Supremo Tribunal Federal (STF). Ele confessou ter discutido uma minuta de golpe de Estado, mas usou a manifestação para passar a mensagem de que, caso venha a ser preso, sua manada de seguidores poderá ser convocada para um novo “8 de janeiro”.
Como parte do plano, o discurso de Bolsonaro foi comedido e se restringiu a rebater as evidências colhidas pela PF a respeito da trama golpista e a pedir “anistia” para os terroristas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro do ano passado. Por outro lado, o ex-presidente terceirizou a figuras como o pastor Silas Malafaia e o senador Magno Malta a função de atacar o STF e ameaçar com a possibilidade de um novo ataque violento às instituições democráticas.
“O que é golpe? É tanque na rua, é arma, conspiração. Nada disso foi feito no Brasil”, disse Bolsonaro. “Agora o golpe é porque tem uma minuta do decreto de estado de defesa. Golpe usando a Constituição? Tenha paciência!”, prosseguiu.
Em uma nítida demonstração do pavor de ir para a cadeia, ele disse também que, “apesar de não ser golpe, o estado de sítio não foi convocado”, omitindo o fato de que a trama golpista não foi adiante por falta de adesão da cúpula militar.
Para juristas e parlamentares, o ex-presidente, ao admitir a existência da minuta, confessa ter planejado um golpe de Estado e, com o pedido de anistia, conecta o crime aos atos de vandalismo em Brasília.
“Pedir anistia é confissão de culpa. Bolsonaro é réu confesso. É o que faltava depois de tantas provas”, afirmou a presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), na rede social X.
Pedir anistia é confissão de culpa. Bolsonaro é réu confesso. É o que faltava depois de tantas provas.
— Gleisi Hoffmann (@gleisi) February 25, 2024
“Quando fala em anistia para os condenados pelos atentados de 8 de janeiro, Bolsonaro está mirando sua própria impunidade. É incapaz de defender interesses que não sejam os dele. Com golpista não tem que ter complacência, a começar pelo chefe de todos eles”, disse Gleisi, em outra postagem.
“Destruição deles”
Durante o ato na Avenida Paulista, o discurso mais agressivo foi o de Silas Malafaia. Ele afirmou, entre outros delírios, que Bolsonaro é “o maior perseguido político” da história do país, que “o Supremo poder desta nação é o povo” e que, caso o ex-presidente seja preso, o resultado será a “destruição deles”.
“Toda essa engenharia do mal, toda essa maldade contra Bolsonaro. Covardes ao arrepio da lei e da Constituição. Ao presidente, você com Deus é maioria sempre. E eu vou dizer uma palavra que eu disse para você algumas vezes no telefone. Eu não desejo isso para você, mas vou te deixar aqui uma palavra. Se eles te prenderem, você vai sair de lá exaltado. Você vai sair de lá exaltado. Se eles te prenderem, não vai ser para a tua destruição, mas para a destruição deles. Você vai sair de lá exaltado”, afirmou.
Malafaia também criticou, sem citar o nome, o ministro do STF Alexandre de Moraes, responsável pela investigação dos atos antidemocráticos. “Como um ministro do STF tem lado? Ele não tem que combater a extrema direita nem a extrema esquerda. Ele é o guardião da Constituição”, disse.
“Tempestade”
Já Magno Malta bradou que “eles não são malucos” de prender Bolsonaro e deixou no ar a ameaça de um ataque ainda mais violento às instituições do que o realizado pelos bolsonaristas em 8 de janeiro de 2023.
Em um vídeo gravado pelo site Diário do Centro do Mundo (DCM), no qual é questionado sobre a possibilidade de Bolsonaro ir para a cadeia, o senador responde: “Não vai, não vai, não vai. [A reação] será maior, será mais forte. Nós não vamos desistir do Brasil. Eles não vão prender Jair Bolsonaro porque eles não são malucos”, afirmou, ao chegar à Avenida Paulista.
Coação no curso do processo
Para o advogado criminalista e ex-promotor de Justiça Roberto Tardelli, Bolsonaro, ao promover um ato com uma série de ameaças ao STF, cometeu o crime de Coação no Curso do Processo.
Definido no Artigo 344 do Código Penal (CP), esse delito consiste em “Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral”. Segundo o CP, o autor está sujeito à pena de reclusão de um a quatro anos e multa, além da pena correspondente à violência.
Segundo o criminalista, Bolsonaro teve a nítida intenção de usar o apoio popular para pressionar o STF.
“Tanto assim que ele fala em anistia. Ele oferece anistia. Ele pede anistia e oferece a paz. Ele meio que chantageia. Olha, não é diferente de um Pablo Escobar”, disse Tardelli, durante uma live do DCM, comparando Bolsonaro ao traficante e narcoterrorista colombiano que foi o fundador e único líder do Cartel de Medellín.
“Não está muito longe de um Pablo Escobar. O que ele faz é fazer toda a ordem constitucional refém dele. Vocês me dão a anistia e eu dou a paz, se não nós vamos jogar esse país para cima, nós vamos convulsionar isso. Se eu for preso, nós vamos convulsionar”, afirmou Tardelli.
Segundo ele, com a manifestação na Avenida Paulista, Bolsonaro criou um impasse para o STF. “O impasse está criado. Ou o Supremo decreta a prisão dele de imediato, ou o Supremo sinaliza que, para determinadas demonstrações de força, o Supremo abaixa a cabeça”, declarou.
“Grito de desespero”
Ministros do STF ouvidos pelo blog da jornalista Andréia Sadi, da GloboNews, classificaram a manifestação convocada por Bolsonaro como um “grito de desespero” diante do avanço das investigações do roteiro do golpe e do temor do ex-presidente da prisão.
Segundo avaliação feita ao blog por um integrante da Corte, Bolsonaro antecipou sua estratégia de defesa, com um “absurdo jurídico”, para tentar criar um ambiente junto aos apoiadores de que não havia nada de errado em discutir uma minuta de golpe de Estado.
Sobre a admissão da existência da minuta do golpe por parte de Bolsonaro, um ministro do STF afirmou ao blog: “Mas como ele diz que ia submeter [a minuta] ao Congresso se, com golpe de Estado, quem garante que ia ter Congresso? Tinha uma versão [da minuta] até para prender o {Rodrigo] Pacheco [presidente do Senado]”. O magistrado se refere à parte da trama golpista que previa a prisão de autoridades e até o enforcamento do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Ainda conforme Andréia Sadi, Bolsonaro, na visão da Polícia Federal, admitiu que estava liderando a tentativa de golpe e, ao pedir anistia, reconheceu também os crimes investigados.
Esse mesmo entendimento é compartilhado pelo líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG).
“É preciso dizer que esse cidadão [Bolsonaro] está sendo investigado por ter estimulado e forjado os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Agora, ele tenta posar de vítima, mas assina atestado de culpa ao defender anistia para aqueles que participaram efetivamente deste dia triste da história do nosso país”, disse o deputado, em um vídeo publicado no Instagram.
“É claro, Bolsonaro já antevê que poderá ser condenado e preso como idealizador e principal beneficiário da tentativa golpista. Neste momento, tenta posar de bom moço, mas seu histórico é conhecido por todos. Não tem compromisso democrático. Defende a tortura. É uma ameaça permanente à democracia e às nossas instituições. Por isso, é bom dizer: sem anistia! Estamos juntos”, prosseguiu Cunha.
Da Redação