Reunião entre Lula e Maduro marca retomada das relações entre Brasil e Venezuela
Presidentes discutiram temas como comércio bilateral, cooperação energética, proteção das fronteiras e combate ao crime organizado
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu, nesta segunda-feira (29), no Palácio do Planalto, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em um encontro que marcou a retomada das relações diplomáticas entre os dois países. O chefe do governo venezuelano está em Brasília também para participar, nesta terça-feira (30), na sede do Itamaraty, de encontro dos presidentes da América do Sul, que representará o restabelecimento do diálogo do Brasil com as nações do continente.
“Primeiro eu queria dizer aos meus amigos do Brasil, à imprensa brasileira, da alegria desse momento histórico que estamos vivendo agora. Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil, e nós recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais, com uma seriedade que sempre fizemos, sobretudo com os países que fazem fronteira com o Brasil”, disse Lula, ao lado de Maduro, após se reunir com o colega venezuelano.
“A Venezuela sempre foi um parceiro excepcional para o Brasil, mas, por conta das contingências políticas e os equívocos, o presidente Maduro ficou oito anos sem vir ao Brasil, e o Brasil ficou muito tempo sem ir a Venezuela, e nós temos um pequeno problema de ordem política, de ordem cultural, de ordem econômica e de ordem comercial”, prosseguiu o presidente Brasileiro. “Espero que daqui pra frente nunca mais, no Brasil, a gente tenha que romper uma relação por ignorância com a Venezuela”.
Relações comerciais
O chefe do governo brasileiro lembrou que “a gente tinha uma relação comercial que teve um fluxo de praticamente seis bilhões e seiscentos milhões de dólares e hoje tem pouco menos de dois bilhões de dólares. Isso é ruim pra Venezuela e é ruim pro Brasil. Porque o comércio extraordinário é aquele que funciona como se fosse uma via de duas mãos. A gente vende, a gente compra”.
Lula também ressaltou a dificuldade de “conceber que tenham passado tantos anos sem que o Brasil mantivesse um diálogo com a autoridade de um país amazônico e vizinho com o qual compartilhamos uma fronteira de dois mil e duzentos quilômetros. Não é pouca fronteira, possivelmente essa fronteira é mais extensa do que qualquer país europeu tenha com outro país”.
“Eu penso, companheiro Maduro, que esse novo tempo que nós estamos marcando agora não vai superar todos os obstáculos que você tem sofrido ao longo desses anos. Eu briguei muito com companheiros sociais, democratas, europeus, com governos, dos Estados Unidos. Eu achava a coisa mais absurda do mundo para as pessoas que defendem a democracia, era as pessoas negarem que você era presidente da Venezuela, tendo sido eleito pelo povo, e o cidadão que foi eleito para ser deputado fosse reconhecido como presidente da Venezuela”, criticou Lula, em referência ao oposicionista venezuelano Juan Guaidó, apoiado por uma coalizão de partidos liderada pelos Estados Unidos..
“Eu lembro de uma vez que eu discuti com uma pessoa sobre as reservas de ouro da Venezuela. Eu fiquei sabendo que a Venezuela tinha uma reserva de trinta e uma toneladas de ouro em Londres. E que essa reserva de ouro, ao invés de ser colocada sob a guarda do governo da Venezuela, foi colocada sob a guarda do Guaidó”, relatou o presidente brasileiro.
Lula lembrou dos ataques que recebeu de seus oponentes por defender as relações do Brasil com a Venezuela. “Havia discursos e mais discursos que os adversários diziam ‘não, porque se esse Lula ganhar as eleições, o Brasil vai virar uma Venezuela, se o Lula ganhar as eleições, o Brasil vai virar uma Argentina, se o Lula ganha as eleições, o Brasil vai virar uma Cuba’, quando, na verdade, o único sonho nosso era ser o Brasil mesmo”, disse.
“A gente queria que o Brasil fosse o Brasil melhor, porque nós já fizemos uma vez o Brasil ser melhor, ser mais democrático, ser mais rico, ter mais distribuição de renda, ter mais educação e ter mais saúde. Isso nós já fizemos uma vez. E nós voltamos pra fazer”, enfatizou.
Diálogo ampliado
O presidente também manifestou o desejo de que as relações entre os dois países extrapolem a questão comercial. “É isso que eu desejo e é isso que eu espero: que você [Maduro] contribua conosco para que a relação entre o Brasil e Venezuela não seja uma relação apenas comercial. Ela tem que ser comercial, ela pode ter uma relação política, ela pode ser cultural, ela pode ser econômica, ela pode ser feita de ciência e tecnologia, ela pode ser feita das nossas juventudes, construindo parcerias entre as nossas universidades”, sublinhou Lula.
“Portanto, ela pode ser feita, inclusive, com as nossas forças armadas, trabalhando em conjunto na fronteira para que a gente combata o narcotráfico em toda a nossa fronteira. Nós já tínhamos criado uma vez a Secretaria de Defesa da América do Sul, já tínhamos criado uma vez. E é possível criar outra vez. Por isso, Maduro, seja bem-vindo ao meu país”, disse.
BRICS e cooperação energética
Lua falou ainda sobre a possibilidade de ingresso da Venezuela nos BRICs, um mecanismo internacional de cooperação econômica e desenvolvimento formado por cinco importantes economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. “Tem várias propostas de outros países que querem entrar nos BRICs, e nós vamos discutir, porque não depende da vontade do Brasil, depende da vontade de todos. A gente vai discutir se houver um pedido oficial [da Venezuela], e esse pedido será oficialmente levado para os BRICS. E lá nós decidiremos”, disse o presidente Brasileiro, pontuando que “sou favorável” ao ingresso da Venezuela no grupo.
Outro assunto tratado foi a retomada da cooperação energética entre os dois países, o que incluiria o uso da energia da Venezuela para o abastecimento do Estado de Roraima, com o abatimento da dívida que o país vizinho tem com o Brasil. “Não se justifica Roraima ser o único estado fora da matriz energética brasileira, funcionando na base termoelétrica, muito mais cara, muito poluente, e a gente tem condições. O nosso ministro da energia vai conversar com o ministro da energia da Venezuela, e eu espero que o mais rápido possível ele nos convoque”, disse Lula.
O mandatário acrescentou ser preciso que a Venezuela se organize para enfrentar a narrativa dominante de que é um país autoritário e antidemocrático. “Eu acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer o pessoal mudar de opinião”, disse Lula. “Construir a sua narrativa e virar esse jogo, para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela voltar a ser um país soberano”.
Moeda comum no continente
Ele também voltou a defender a adoção de uma moeda comum para transações comerciais entre os países da região. “Para que a gente possa fazer negócio sem precisar ficar dependendo do dólar, até porque o dólar só um país tem a máquina de rodar dólar e esse país faz o que quiser”, disse.
Em seu pronunciamento, o presidente Nicolás Maduro fez agradecimentos ao governo brasileiro e falou sobre o futuro das relações bilaterais com o Brasil. “Quero agradecer por toda a atenção, a recepção fraterna e solidária que nossa delegação tem recebido do Brasil e pela preparação desse encontro bilateral. Tivemos uma boa, proveitosa e longa conversa com o presidente Lula, com toda a sua equipe. Fizemos uma revisão de tudo o que diz respeito a essa época de ouro das nossas relações, onde o Brasil e a Venezuela se encontravam cara a cara”, disse.
“E se encontravam a partir de uma vontade comum, de construir uma América do Sul em paz, com prosperidade, com igualdade. E como isso foi estancado, de um dia para o outro. Porque, amigo, Lula, essa ideologização extrema das relações internacionais hoje é um fenômeno que consiste na aplicação de fórmulas extremistas que vão para a direita e buscam qualificar as relações dividindo-as, subdividindo-as, e atropelando-as. E a Venezuela teve a aplicação desse modelo ideológico extremista, que ainda está sendo aplicado”, ressaltou o presidente venezuelano.
Da Redação