Seis histórias de quem encontrou dignidade com o Minha Casa Minha Vida
Muito mais do que números e cifras de investimento, o maior programa de habitação do país traz esperança de futuro para quem sempre sonhou em ter a própria casa
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O presidente Lula anunciou, na terça-feira (14), em Santo Amaro (BA), a retomada do Minha Casa Minha Vida, com a entrega de 2.745 unidades habitacionais em nove cidades. A meta de seu governo é contratar, até 2026, 2 milhões de moradias.
Muito mais do que números e cifras de investimento, a casa própria muda horizontes, cria perspectivas e delimita uma nova trilha para muitas trajetórias que até então eram pautadas por privação e ausência de dignidade. Conheça algumas delas.
Santo Amaro (BA)
Valberta: “Muda tudo! É dignidade, é autoestima, é valorização”
Valberta Maria de Santana tem 57 anos e foi mãe solo em Santo Amaro (BA) durante anos, desde que saiu de um casamento abusivo com histórico de violência doméstica. “Fugi para não morrer”, resumiu. Passou a trabalhar nas ruas vendendo bolos e lanches pra criar as três filhas que, na época, tinham 12, 10 e oito anos. Morou de favor e trocou de residência várias vezes.
“A gente que mora de aluguel a vida inteira fica num ciclo de pagar e dever. O tempo todo mudando. Cansei de escolher entre aluguel, luz, água ou comida”, contou a autônoma. Ainda assim, com toda a dificuldade, as filhas estudaram, cresceram, estão casadas e vivem bem com os maridos.
É por isso que olhar o bloco 21 do Residencial Vida Nova Sacramento, em Santo Amaro (BA), tem significado tão especial para Valberta. Contemplada pelo programa Minha Casa, Minha Vida, ela espera apenas as últimas burocracias para entrar no apartamento de dois quartos, sala, cozinha, banheiro, com lavanderia e instalações completas. Vai viver lá ao lado do marido, o mototaxista Jesus Valadares dos Santos, e do cachorro Chico. “O Chico é um ancião boa praça que vive conosco desde 2011”, brincou.
“Estou feliz demais. Muito agradecida, porque isso muda tudo. É dignidade, autoestima, valorização, qualidade de vida e conforto”, listou a baiana nascida em Santo Amaro. Na cidade baiana, 684 unidades habitacionais foram entregues na terça.
Aparecida de Goiânia (GO)
Ceildes Rodrigues: “Sem casa, eu tinha perdido a minha raiz”
A diarista Ceildes Rodrigues da Silva, de 46 anos, é do tipo que não pensa duas vezes para se desdobrar pelos filhos. Quando Ryvian, seu mais velho, sofreu um acidente na escola em Rio Branco, no Acre, o diagnóstico de um grave traumatismo craniano gerou uma jornada migratória rumo à capital goiana. Ceildes foi informada de que os especialistas de que o filho necessitava estariam disponíveis na rede pública em hospitais do Centro-Oeste. Vendeu tudo e embarcaou com Ryvian, 16 anos, e Ryan, de 14.
“Cheguei a Goiânia sem nada. Vendi casa, móveis, tudo, porque precisava de recursos para me mudar e ficar dedicada ao tratamento do meu filho. Ele estava em estado muito grave de saúde. Ele quase morreu no Acre”, relata.
Durante o longo período de recuperação de Ryvian, a família chegou a morar numa casa de apoio ao lado de pessoas em situação de rua. “Depois nos deram um quarto separado em razão da situação delicada do meu filho”. Quase um ano depois da mudança, ela conta que, com o filho em melhores condições, conseguiu arrumar um emprego e foi morar de aluguel.
“Eu confesso que não tinha mais perspectiva de, um dia, ter condições para comprar uma casa própria. Eram muitas despesas de saúde e o salário de diarista não era o suficiente”. Nessa trilha, ela conheceu o movimento “Quem tem casa tem raiz”, uma ONG que atua na cidade para reivindicar moradia digna para as pessoas em situação de exclusão social. Foi por meio dessa mobilização que eles tiveram acesso ao Minha Casa Minha Vida. A família vai receber a chave da casa nos próximos dias, no Condomínio Sebastião Vieira, em Aparecida de Goiânia (GO).
“A casa própria era um sonho que eu já havia abandonado. Agora voltei a viver, a sorrir e a sonhar novamente”, afirma Ceildes. “Ao ficar sem casa eu tinha perdido a minha raiz. Eu não tinha esperanças de recuperá-la. Agora poderei oferecer, novamente, uma vida digna aos meus filhos. Hoje choro não mais de preocupação, de tristeza, mas de felicidade”.
Na cidade de Aparecida de Goiânia (GO), 300 famílias foram contempladas na terça, no condomínio Sebastião Vieira.
Contagem (MG)
Gabriela Zeni: “Quem casa, quer casa”
O roteiro é conhecido de muitos brasileiros. A mineira Gabriela Zeni se tornou “nômade” pela necessidade em Contagem (MG). Cresceu sem um lar fixo ou estrutura de suporte, e por isso precisou se acostumar a chamar situações improvisadas de lar. “Nunca vivi a experiência de morar no que era meu. Não tinha estabilidade na vida. Sempre tinha que me mudar por dificuldades financeiras”, contou Gabriela.
Nessa caminhada, morou de favor e algumas vezes em casa de familiares. “Tentava sair, ter meu canto, pagar aluguel, mas as dificuldades financeiras me obrigavam a voltar à casa dos meus avós”, relatou. O mais próximo de uma casa própria até então tinha sido uma construção na ocupação popular Darcy Ribeiro, em Contagem, mas tiveram de sair porque a residência foi demolida por estar em área de risco.
“Foi aí que criamos um movimento social com moradores para reivindicar uma solução junto à prefeitura. Aí nos cadastraram no CadÚnico e no Minha Casa Minha Vida e conseguimos ser contemplados. Foi uma felicidade enorme para todos nós”, afirmou.
A conquista da casa própria possibilitou, ainda, outro sonho: se casar no civil com o marido, Devidson Alves de Lima. “Antes éramos casados apenas na igreja. A perspectiva de termos o nosso lar com o Minha Casa Minha Vida nos estimulou a nos casar também no cartório. Hoje, temos o nosso lar. Afinal, quem casa quer casa”, brincou. Ela diz que o MCMV fortaleceu vínculos familiares. “O relacionamento melhorou e também a relação com os parentes. Todos ficam felizes pela conquista”, disse.
Em Contagem, foram entregues na terça, nos residenciais Icaivera 1 e 2, 600 unidades habitacionais.
Aparecida de Goiânia (GO)
Beatrice: refugiada, haitiana e dona da própria casa
“Como refugiada, negra e mãe independente, nunca imaginei que conseguiria conquistar a casa própria no Brasil.” A frase é de Beatrice Robelin, estudante de psicologia de 46 anos, haitiana e refugiada. Ela deixou o país caribenho para trabalhar no Brasil e tentar ajudar a família que ficou lá. Atualmente, vive em Aparecida de Goiânia (GO).
“O meu ex-marido ficou no Haiti com nossos dois filhos. Na medida do possível, com todas as dificuldades, envio dinheiro a eles. Mas tenho um filho, Benjamin, de 7 anos, que nasceu no Brasil e cuido dele sozinha. É uma grande batalha”, explica.
Mesmo com dificuldade para sobreviver – morando de aluguel em locais precários desde a imigração – ela sempre procurou estudar para conquistar o ensino superior e melhorar de patamar de vida.
“Cheguei a conseguir bolsa de estudos para cursar medicina numa faculdade privada de Goiás, mas eu era a única negra na sala de aula. Não me sentia bem. O preconceito no Brasil ainda é forte, mesmo que silencioso. Era claro que eu não era bem-vinda no ambiente. Aí fui estudar psicologia com bolsa de estudos em outra faculdade particular, onde havia mais diversidade racial na instituição e eu me sentia melhor”, disse.
Outra barreira com a qual Beatrice teve de lutar é a linguística. Ela aprendeu português fazendo Educação de Jovens e Adultos, e conta que nunca imaginou que conquistaria o direito à moradia no país. “É a realização de um grande sonho. Desde o cadastro no MCMV foi uma espera de sete anos, mas valeu muito a pena. Agora terei condições de oferecer uma vida mais digna para os meus filhos”, afirma.
Na cidade de Aparecida de Goiânia (GO), 300 famílias foram contempladas no condomínio Sebastião Vieira.
Lauro de Freitas (BA)
Tatiana: das cinzas ao recomeço
A trilha de Tatiana Silva dos Santos nunca foi trivial em Lauro de Freitas (BA). Portadora de uma doença autoimune e mãe de dois filhos adolescentes, um de 13 e outro de 17 anos, ela sempre fez de tudo um pouco ao lado do marido para garantir a criação dos meninos. Ela como empregada doméstica e babá, ele como prestador de serviços gerais.
A luta da família, que já era contadinha, no limite, teve um grande revés em 2022. Um acidente doméstico com fogo destruiu todos os bens e pertences que acumularam em suas trajetórias numa casa de aluguel em que residiam. Desde então, experimentaram muitas dificuldades financeiras e atualmente moram de favor em um quartinho cedido.
É por isso que receber as chaves do Residencial Morada Tropical, em Lauro de Freitas, pelo programa Minha Casa, Minha Vida, mudou completamente o horizonte dos quatro integrantes da família. “Esse momento é muito gratificante na minha vida. Ter uma casa nossa, que não é de aluguel, e poder dizer isso para os meus filhos, não tem preço. Foi uma espera que valeu a pena”, afirmou a baiana de 39 anos.
“Agora vou ter um lugar para deitar e dizer que é meu”, completou. Em Lauro de Freitas, foram entregues na terça 205 unidades habitacionais do Minha Casa Minha Vida, no Residencial Morada Tropical.
João Pessoa (PB)
Manoela da Silva: “Em dez anos terei minha casa quitada”
Faxinas, bicos, jornadas como flanelinha. A diarista paraibana Manoela Leandro Pereira da Silva, 28 anos, é mãe de três filhos pequenos e sempre enfrentou dificuldades para sustentar a família. Uma trajetória ainda mais desafiante porque o filho mais velho dela foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista e demanda cuidados específicos.
“Por ter pouco dinheiro, sempre vivi de aluguel em estruturas precárias. Muitas vezes, dormíamos num pedaço de colchão no chão e em lugares insalubres, com mofo, bem apertados, mas nunca perdi a esperança de um dia ter a minha casa”, afirma.
A história dela começou a mudar quando teve acesso ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da capital paraibana, João Pessoa. “Lá consegui vários benefícios, desde receber informações do pré-natal, ter acesso ao Bolsa Família e fazer o cadastro no Minha Casa Minha Vida.
“Eu fiquei oito anos inscrita, mas valeu a pena esperar. Nós sempre vivemos com dificuldade nesses últimos 10 anos, mas nunca perdemos a esperança de conseguir a casa própria”, afirma Manoela, que teve o financiamento subsidiado aprovado no Minha Casa Minha Vida. Ela pretende se mudar ainda este mês para a casa nova, que será no Residencial Vista Alegre 1, em João Pessoa.
“Eu sou jovem, 28 anos, tenho muita sorte porque acabarei de pagar tudo em 10 anos – e com 38 terei minha casa própria quitada. E uma casa de muita qualidade. É muita felicidade, não é mesmo?”
Do Palácio do Planalto