Sem indústria dinâmica e inovadora não há desenvolvimento social

“Além da maior criação de emprego e renda, a Indústria é a principal responsável pela geração e difusão de tecnologia”, diz artigo de Fernando Sarti

Sumário Executivo

Importância da Indústria para o desenvolvimento

O principal argumento em defesa da indústria brasileira se sustenta no fato que o desenvolvimento social é indissociável do desenvolvimento produtivo. Uma indústria forte e dinâmica significa maior criação de empregos diretos e indiretos com rendimentos superiores aos da média da economia (R$ 2.100 contra R$ 1.700 no comércio, R$ 1.660 na construção e R$ 840 nos serviços domésticos, segundo PNAD-IBGE para o terceiro trimestre de 2017). Permite a geração e difusão de tecnologia, o que promove uma estrutura produtiva mais competitiva e uma inserção externa mais virtuosa com a geração de superávit estrutural na balança comercial e, consequentemente, a redução da vulnerabilidade externa da economia. Fortalece o mercado interno de massas através dos multiplicadores do emprego e da renda e do acesso a produtos e serviços de melhor qualidade. É responsável por uma parcela significativa dos impostos e contribuições que financiam os gastos sociais. Tem uma contribuição significativa na taxa de investimento da economia. Compõe um sistema industrial diversificado, complexo e integrado por pequenas, médias e grandes empresas, a grande maioria de capital nacional. Assegura a soberania do país na produção local de bens e serviços industriais e tecnológicos estratégicos. Enfim uma indústria diversificada, dinâmica, inovativa e competitiva é imprescindível para o desenvolvimento social e econômico sustentável, sustentado, inclusivo e soberano .

A fragilização da indústria brasileira

A indústria brasileira perdeu força e importância nas últimas décadas. É causa e consequência do menor crescimento econômico observado no período. Uma indústria fragilizada perde protagonismo como motor de dinamismo da economia, enquanto uma economia com baixo crescimento limita os vetores de demanda por bens industriais (consumo, investimento e exportação). Menores escalas internas e externas ampliam os custos, com impactos negativos sobre a rentabilidade. Menor rentabilidade inibe investimentos que, por sua vez, tem impactos negativos sobre a modernização, expansão e desenvolvimento tecnológico da Indústria. Configura-se assim um ciclo vicioso e um indesejado e preocupante processo de desindustrialização.

China e as mudanças nos padrões de competitividade

E o que é mais preocupante, o processo de desindustrialização agrava-se num momento em que importantes transformações estruturais ocorrem na indústria global. Uma mudança estrutural importante é o deslocamento e fortalecimento da indústria na Ásia e, em especial, na China, que impôs um novo patamar de competitividade advinda das escalas internas e externas de produção e comercialização, dos custos reduzidos de mão-de-obra e do crescente desenvolvimento tecnológico. O resultado tem sido o acirramento da competição internacional com uma expressiva redução dos preços industriais, o que coloca desafios importantes para o desenvolvimento industrial de economias como o Brasil. O sucesso asiático é emblemático também porque desqualifica o argumento de que há um processo de desindustrialização global no âmbito de uma economia cada vez mais sustentada no conhecimento e nos ativos intangíveis. O grau de industrialização (relação entre o valor agregado manufatureiro e o PIB) tem aumentado nos países asiáticos e a indústria segue como principal vetor para o crescimento econômico. A rigor os desenvolvimentos produtivo e tecnológico nos setores de bens e serviços caminham juntos e se retroalimentam, é o que mostra a experiência asiática.

Nova revolução tecnológica

Outra transformação importante pode ser observada nos elevados e crescentes investimentos em P&D&I nos países avançados e asiáticos que tem acelerado a quarta revolução industrial, com fortes impactos sobre o nível e a qualificação de emprego, a competitividade dos setores tradicionais e a criação de novos setores. As 1000 empresas globais com maiores gastos em P&D&I, investiram mais US$ 700 bilhões em 2017, um acréscimo de 50% em relação ao início da década. Há em curso na economia mundial mudanças importantes no ciclo de desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos, na forma de produção, na logística de compra e de comercialização cada vez mais fragmentada, integrada e hierarquizada, na contribuição dos ativos tangíveis e intangíveis na geração e captura do valor agregado nas várias etapas da cadeia de produção e de valor.

Riscos e desafios para a indústria brasileira

A verdade é que corremos o risco de sermos excluídos de forma irreversível do grupo seleto das maiores potências industriais. Cabe destacar que a indústria brasileira ainda está posicionada entre as 10 maiores indústrias do mundo, apesar de concentrar sua produção em setores tradicionais intensivos em recursos naturais e do complexo metalmecânico e químico, que foi construída ao longo de várias décadas de seu processo de industrialização.

O desafio de reestruturar e recuperar a competitividade da indústria brasileira é enorme e urgente em um contexto internacional de mudanças tecnológicas, de novos patamares de competitividade e de acirramento da competição via preço e inovação. Os obstáculos a serem transpostos são de várias naturezas. A institucionalidade internacional está cada vez mais restritiva e punitiva para o uso de instrumentos tradicionais de política industrial e tecnológica como exigência de conteúdo local e margem de preferência no poder de compra público.

A perda de poder político e econômico da elite industrial, no bojo de um intenso processo de desnacionalização, somada à fragilização dos sindicatos e da representação dos interesses dos trabalhadores reduzem os atores para a defesa de uma agenda de desenvolvimento industrial e tecnológico.

Recuperação da demanda e o desenvolvimento produtivo

Dentro desse enorme desafio é necessário ser realista e pragmático. A recuperação dos vetores de demanda por bens industriais (consumo, investimento e exportação) é condição necessária para um novo ciclo de desenvolvimento industrial em novos patamares de escala e de tecnologia. Condição necessária, porém não suficiente. A partir da abertura comercial de início dos anos 1990, observamos, sobretudo nos ciclos de crescimento, o vazamento de uma parcela expressiva da demanda interna para o exterior, expresso no forte incremento do conteúdo e coeficiente importado de bens industriais, o que reduziu os efeitos internos de encadeamento industrial e tecnológico e abreviou os próprios ciclos de crescimento.

Além disso, essa recuperação exige políticas e ações que vão muito além da política industrial e tecnológica. Os instrumentos de política macro (câmbio, juros, estrutura de proteção tarifária e de defesa comercial e financiamento ao investimento e aos gastos com P&D&I) devem estar concatenados a uma visão mais ampla de desenvolvimento, que inclui necessariamente as dimensões industrial e tecnológica.

Elevação das importações e redução dos multiplicadores da renda e do emprego

A desejada e bem-sucedida expansão do consumo de massa, iniciada ainda no primeiro governo Lula, não foi acompanhada na mesma proporção do incremento da produção, do emprego e do valor agregado industrial; e sim por maiores importações de bens de consumo e de insumos industriais. Menores encadeamentos produtivos reduziram os multiplicadores da renda e do emprego. A verdade é que a substituição de produção e investimento domésticos por maiores importações não elevou a competitividade nem tão pouco logrou uma inserção externa mais virtuosa da estrutura produtiva brasileira nas redes globais e regionais de produção e valor. O coeficiente de exportação industrial não acompanhou a elevação do coeficiente importado. O país tornou-se fortemente deficitário na sua balança de bens industriais, sobretudo os de maior intensidade tecnológica, e crescentemente dependente das exportações de commodities agrícolas e minerais para a geração de superávits comerciais. A reduzida e decrescente rentabilidade da produção industrial, se comparada às demais atividades (finanças, comércio, serviços), constitui-se em um obstáculo importante aos novos investimentos industriais e tem contribuído para a desvalorização dos ativos industriais. O intenso processo de desnacionalização da estrutura produtiva em curso vem agravando essas tendências.

Interação entre os incentivos de demanda e desenvolvimento produtivo

Nesse sentido é fundamental encontrar uma maior interação entre as políticas de demanda por bens industriais e as políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico doméstico. As políticas de estímulo à competição (controle da concentração de mercado e abuso econômico, esforço exportador, elevação do coeficiente e conteúdo importado, privatização de empresas públicas, acordos comerciais, entre outros) devem ser combinadas com, e não subordinar, as políticas de estímulo à competitividade (aumento de escala interna e externa, estímulo à inovação, financiamento ao investimento e aos gastos com PD&I — Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação— incentivo à internacionalização de empresas nacionais).

Investimento, efeito acelerador e a competitividade industrial

Sem um novo ciclo de investimento produtivo e tecnológico não será possível atualizar ou reduzir a defasagem da estrutura produtiva doméstica vis-à-vis a internacional. O ciclo de investimento certamente não se iniciará pelo setor industrial, pelo menos não de forma generalizada, dadas a elevada capacidade ociosa e a baixa rentabilidade operacional diante de uma demanda reprimida por bens e serviços industriais. O investimento industrial induzido dependerá do investimento autônomo público e privado em outros setores de atividades.

Contribuição da infraestrutura para o novo ciclo de investimento

Um possível ciclo de investimento autônomo poderá se iniciar pela infraestrutura econômica e social. Há um reconhecido déficit de oferta nas áreas de transporte e mobilidade urbana, energia (sobretudo de fontes renováveis), TIC´s (tecnologias de comunicação e informação), construção residencial e saneamento básico. O Brasil investe aproximadamente 2% do PIB em infraestrutura básica (logística, energia, telecomunicações e saneamento), enquanto a média mundial é de 3,6% e no caso da China 8,5%. A infraestrutura pode e deve aumentar a sua contribuição para a taxa de investimento da economia (formação bruta de capital fixo). No Brasil essa contribuição oscila entre 10% e 15%. Importante atentar para o duplo papel dos investimentos em infraestrutura. De um lado, contribuem para o aumento da oferta futura de bens e serviços e, de outro, para o incremento da demanda por uma gama ampla de bens e serviços industriais. Há uma inequívoca sinergia entre infraestrutura e desenvolvimento industrial e tecnológico. Além disso, a infraestrutura tem o atributo de criar novos mercados e integrar mercados já existentes, promovendo o desenvolvimento regional e reduzindo as desigualdades regionais e sociais.

Importância do investimento e financiamento públicos

Para tanto é fundamental a recuperação do financiamento (BNDES, CEF e BB) e investimento públicos nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), estimulando e gerando sinergias e parcerias com o investimento e financiamento privado, incluindo o fortalecimento do mercado de capitais. A recuperação do investimento público passa necessariamente por uma reforma tributária, que reduza os regressivos impostos indiretos e amplie os impostos sobre a renda e a riqueza dentro da carga tributária. Importante destacar que historicamente o investimento e financiamento públicos foram sinérgicos ao investimento privado e não obstáculo ou restrição à sua evolução. Além disso, um padrão de financiamento público e privado com linhas de crédito adequadas de juros e prazo, ao favorecer o investimento e o fortalecimento de empresas e empreendimentos, estimula o desenvolvimento do mercado de capitais e não o contrário.

Artigo:
Sem indústria dinâmica e inovadora não há desenvolvimento social

I. Importância da Indústria
O principal argumento em defesa da indústria brasileira se sustenta no fato que o desenvolvimento social é indissociável do desenvolvimento produtivo. Uma Indústria forte e dinâmica significa maior criação de bons empregos com melhores salários. No Brasil, a Indústria gera quase 12 milhões de empregos diretos, dos quais 10,5 milhões na indústria de transformação (tabela 1). Os rendimentos médios são superiores aos de outros setores intensivos em emprego: serviço doméstico, comércio e construção (tabela 2). Assim, a Indústria fortalece o mercado interno de massas através dos multiplicadores do emprego e da renda e do acesso da sociedade a produtos e serviços de menores preços e/ou maior qualidade. Portanto, um padrão de crescimento econômico e social que tenha como um dos pilares o fortalecimento do mercado de massas não pode prescindir de uma Indústria forte, dinâmica e diversificada.

Tabela 1. Rendimento médio nominal por Atividade Econômica.
Terceiro trimestre de 2017

Além da maior criação de emprego e renda, a Indústria é a principal responsável pela geração e difusão de tecnologia. Inovações tecnológicas criam novos setores e mercados e ampliam a competitividade de setores tradicionais intensivos em recursos naturais (têxtil e vestuário, alimentos e bebidas, entre outros). A competitividade sustentada em tecnologia (e escala) assegura menor custo, melhor qualidade, maior agregação de valor e rentabilidade, uma inserção externa mais dinâmica e virtuosa nas cadeias globais de valor, com a geração de superávit estrutural na balança comercial, maior atração de investimento externo em setores de maior intensidade tecnológica e o fortalecimento e internacionalização de grupos econômicos nacionais.

Tabela 2. Pessoas Ocupadas por Atividade Econômica
Terceiro trimestre de 2017 (em mil)

Importante destacar que nas economias avançadas os gastos em PD&I ainda se concentram nas atividades manufatureiras e observa-se um crescente e elevado indicador de intensidade tecnológica (relação entre os gastos em P&D&I e o valor agregado manufatureiro). A título de ilustração, segundo dados da Unido para 2012, os gastos em PD&I na Indústria manufatureira dos EUA atingiram US$ 201,4 bilhões (medidos em paridade de poder de compra), o que representou um indicador de intensidade tecnológica de 10,5%. A participação da indústria manufatureira no gasto total de PD&I e o indicador de intensidade tecnológica foram de 87,9% e 12,3% no Japão, de 85,6% e 7,9% na Alemanha, de 86,6% e 3,8% na China e de 87,5% e 8,8% na Coreia do Sul.

II. Mudanças estruturais na indústria global

Uma transformação global importante é o deslocamento e fortalecimento da indústria na Ásia e, em especial, na China, que impôs um novo patamar de competitividade advinda das escalas de produção e comercialização, dos custos reduzidos de mão-de-obra e do crescente desenvolvimento tecnológico. O resultado tem sido o acirramento da competição internacional com uma expressiva redução dos preços industriais, o que coloca desafios importantes para o desenvolvimento industrial de economias como o Brasil. O gráfico 1 aponta a participação de países selecionados no valor agregado manufatureiro mundial. A China ultrapassou os EUA e tornou-se a maior potência manufatureira global. O Brasil ocupava em 2015 a 9ª posição no ranking, a frente de países avançados (Reino Unido, Canadá e Espanha) e asiáticos (Indonésia), além da Rússia e México.

Gráfico 1. Ranking de Participação no Valor Agregado Manufatureiro (VAM) Global (valores constantes de 2010) (em %)

O grau de industrialização da China é o mais elevado entre as principais economias industrializadas. A relação entre o valor agregado manufatureiro (VAM) e o PIB foi de 32% em 2015 contra 23% em 1990. Assim como a Coreia do Sul, a China apresentou um indicador de grau de industrialização (IGI) crescente no período 1990–2015. Isto significa que o produto industrial tem apresentado um maior dinamismo que o restante da economia. O Brasil, ao contrário, apresentou um IGI mais baixo e decrescente.

Gráfico 2. Grau de Industrialização (VAM/PIB) de Países Selecionados 1990–2015 (em %)

Outra mudança estrutural importante nos países avançados e asiáticos pode ser observada nos elevados e crescentes investimentos em PD&I que têm promovido um novo boom de inovações tecnológicas e acelerado uma nova revolução industrial, com fortes impactos sobre o nível e a qualificação de emprego, a competitividade dos setores tradicionais e a criação de novos setores.

O gráfico a seguir aponta algumas das principais inovações tecnológicas em curso e seus impactos econômicos sobre as economias em desenvolvimento.

Segundo estimativas da Unido os impactos serão de US$ 15 a 40 trilhões. Desenvolver internamente e internalizar na estrutura produtiva algumas dessas inovações tecnológicas são condições sine qua non para elevar a competitividade de setores tradicionais, promover novos setores e mercados e não ser alijado da nova revolução tecnológica em curso. A título de ilustração, o setor de agronegócio, certamente um dos setores mais competitivos da estrutura produtiva brasileira, já é e deverá continuar sendo um importante usuário dessas novas tecnologias.

Gráfico 3. Impactos Econômicos Previstos pelas Inovações Radicais em Países em Desenvolvimento até 2025 (em US$ trilhão e em %)

O gráfico 4 mostra o expressivo aumento de mais de 50% (de US$ 463 bilhões em 2011 para US$ 702 bilhões em 2017) dos gastos em PD&I realizados pelas mil empresas mais inovadoras no mundo no período 2011–2017, majoritariamente empresas de países avançados e da China. Cabe destacar que dentre as mil empresas em 2017 com maiores gastos em PD&I, 113 são empresas chinesas, que realizaram investimentos em PD&I da ordem de US$ 42 bilhões (6% do total investido pelas mil empresas). No caso do Brasil, apenas 4 empresas aparecem no ranking em 2017 com gastos em PD&I de US$ 1,2 bilhão.

Gráfico 4. Gastos em P&D&I do Grupo das 1000 Empresas Mais Inovadoras de 2011-2017 (em bilhões)

Os gastos em PD&I e as atividades de inovação estão cada vez mais concentrados em poucos países avançados e asiáticos. Segundo o estudo de Dernis et all (2015), para um total de 2000 empresas com maiores gastos em PD&I em 2012, apenas dez países (EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Suíça, Coreia do Sul, China, Holanda e Suécia) foram responsáveis por 88,5% dos gastos, por 90,5% das patentes e são a sede de 80,1% dessas empresas. No caso do Brasil, as oito empresas do ranking foram responsáveis por apenas 0,5% dos gastos de PD&I e nenhuma das patentes. Portanto, esses países e suas empresas deverão não apenas liderar a quarta revolução industrial como ampliar o poder de controle em escala global das cadeias de produção e valor, capturando crescentemente o valor agregado gerado.

III. Brasil: desenvolvimento tecnológico frágil
O desenvolvimento tecnológico é imprescindível para ampliar a competitividade e reduzir a inserção externa fragilizada e assimétrica da indústria brasileira — expressa em um coeficiente importado superior ao exportado e em um fluxo de investimento externo muito mais intenso que o investimento de empresas brasileiras no exterior (processo de internacionalização dos grupos nacionais) — e, portanto, a vulnerabilidade externa da economia brasileira.

No entanto, o esforço tecnológico no Brasil não tem seguido a tendência observada nas economias avançadas e mais industrializadas. O Brasil apresentou uma evolução positiva do indicador de intensidade tecnológica (relação entre os gastos em PD&I e o PIB) para o período 2006–2015, mas ainda é bastante inferior ao das economias avançadas e asiáticas (gráfico 5). Coreia do Sul (4,2%) e China (2,1%) dobraram seus indicadores entre 2000 e 2015, enquanto o Brasil saltou de 1% para 1,3% no mesmo período.

Gráfico 5. Indicador de Intensidade Tecnológica (gastos em P&D&I / PIB) por países selecionados 2000–2015 (em %).

Com base nas informações da Pintec-IBGE, é possível observar uma redução no indicador de intensidade tecnológica das empresas (medido pela relação entre os gastos em PD&I e a receita líquida as empresas) nas cinco pesquisas realizadas desde 2000 (gráfico 6). O que explica essas diferentes tendências entre os dois indicadores de intensidade tecnológica (gastos em PD&I em relação ao PIB e em relação à receita líquida) é a baixa participação do setor privado no Brasil nas atividades de inovação.

Gráfico 6. Indústria brasileira: Indicador de Intensidade Tecnológica (relação gastos em P&D&I e receita líquida) (em %)

Além de gastos em PD&I insuficientes, a natureza desses gastos também difere dos países avançados ou asiáticos. No Brasil, a participação dos gastos em atividades internas de pesquisa e desenvolvimento, ou seja, o esforço de desenvolvimento tecnológico próprio e de construção de ativos intangíveis, é inferior aos gastos com aquisição de máquinas e equipamentos (ativos tangíveis) (ver gráfico 6).

Gráfico 7. Brasil: Natureza dos Gastos de P&D&I 2000, 2003, 2005, 2008, 2011 e 2014 (em %)

O baixo esforço inovador, medido em termos de gastos em PD&I em relação à receita líquida das empresas e a natureza doas gastos, tem impactos no processo inovativo das empresas industriais. Apenas uma em cada três empresas tem realizado inovação de produto e/ou processo no período 2003–2014. O resultado é ainda mais preocupante quando a inovação é medida em termos do mercado (e não da empresa). Neste caso apenas 3,8% das empresas realizaram inovações de produto para o mercado doméstico e 2,6% inovações de processo (tabela 4).

Tabela 4. Taxa de Inovação de produto e/ou Processo das Empresas Industriais 2003–2005–2008–2011–2014

Importante observar que os produtos de média e alta intensidade tecnológica representam mais da metade do comércio mundial e são responsáveis pela maior parcela dos investimentos em PD&I das grandes empresas globais (energia, TIC´s e complexo da saúde). O Brasil apresenta um déficit estrutural nos setores de média e alta intensidade tecnológica (ver gráfico 6), que tende a se agravar nos períodos de crescimento econômico devido ao incremento das importações de insumos industriais, utilizados na produção local de bens de consumo e de capital. A geração de superávit comercial no Brasil tem se sustentado nos setores de baixa intensidade tecnológica produtores de commodities agrícolas e minerais.

Gráfico 8. Exportação, Importação e Saldo Comercial por Intensidade Tecnológica dos Produtos: 1997–2015 (em US$ bilhões)

O baixo esforço inovador e os reduzidos investimentos e escalas têm impactos sobre a competitividade da indústria brasileira. O ranking de competitividade industrial da Unido, construído a partir de vários indicadores do valor agregado manufatureiro e do valor exportado dos países (valor absoluto e per capita, participação no mundo, participação dos produtos de média e alta intensidade tecnológica, grau de industrialização, taxa de crescimento, entre outros) aponta para uma indiscutível perda de competitividade da indústria brasileira vis-à-vis as economias mais industrializadas e asiáticas no período de 1990 a 2015 (gráfico 8). As cinco indústrias mais competitivas em 2015 pela ordem seriam: Alemanha, Japão, China, EUA e Coreia do Sul. O Brasil ocupa apenas a 36ª posição, tendo perdido 10 posições no período.

Gráfico 9. Ranking de Competitividade Industrial para Países Selecionados 1990–2015

IV. Desindustrialização no Brasil.
A indústria brasileira perdeu força e importância nas últimas décadas. É ao mesmo tempo causa e consequência do menor crescimento econômico observado no período. Uma indústria crescentemente fragilizada perde protagonismo como motor de crescimento da economia, enquanto uma economia com baixo crescimento limita os vetores de demanda por bens industriais (consumo, investimento e exportação). Menores escalas internas e externas ampliam os custos, com impactos negativos sobre a rentabilidade. Expectativas negativas de rentabilidade inibem investimentos que, por sua vez, tem impactos negativos sobre a modernização, expansão e desenvolvimento tecnológico da Indústria. Configura-se assim um ciclo vicioso e um indesejado e preocupante processo de desindustrialização. E o que é mais preocupante, o processo de desindustrialização agrava-se num momento em que importantes transformações estruturais ocorrem na indústria global, como discutido acima. Corremos o risco de sermos excluídos de forma irreversível do grupo das grandes potências industriais.

Os gráficos a seguir apontam a fragilização da indústria brasileira. O grau de industrialização (relação entre o valor agregado manufatureiro e o PIB) vem se reduzindo drasticamente desde 2004. Observa-se que a tendência é mais intensa para o indicador construído a valores correntes. Isso reflete a redução relativa dos preços industriais frente aos demais preços da economia, o que tem impactos sobre a rentabilidade industrial.

Gráfico 10. Brasil. Grau de Industrialização (VAM / PIB) a valores correntes e constantes de 2010 (em %)

O gráfico 11 aponta uma perda de participação da indústria brasileira em relação à indústria global, mas também em relação ao grupo de países em desenvolvimento ou emergentes industriais, o que é bastante preocupante.

Gráfico 11. Brasil: participação no produto agregado manufatureiro (VAM) Global, Global menos China, Países emergentes industriais e América Latina 1990–2014 (em %).

Como explicar o processo de crescente fragilidade da indústria brasileira, mesmo num período de demanda aquecida pela evolução do consumo de massa (até 2014) e do investimento (até 2013)? Nossa explicação para as trajetórias divergentes entre demanda agregada e produção industrial está no fato que uma parcela crescente e significativa da demanda doméstica por bens industriais, sobretudo insumos industriais, foi transferida para o exterior na forma de crescentes importações, tendência que se acentuou depois do início da crise internacional de 2008–09.

A elevação do coeficiente e conteúdo importados teve impactos na produção e nos investimentos industriais, o que contribuiu para o aprofundamento da especialização regressiva da estrutura industrial, a redução do grau de industrialização (relação entre o VAM e o PIB) e a perda de participação no VAM global e regional.

O maior grau de especialização da estrutura produtiva, aprofundado pelo incremento das importações, teve impactos negativos nos encadeamentos produtivos e tecnológicos dentro das cadeias produtivas. Isto porque atingiu mais fortemente o segmento de bens intermediários, sobretudo os setores de insumos industriais mais elaborados, que agregam mais valor e tem maior intensidade tecnológica. Importante ressaltar que os bens intermediários representam mais de dois terços da estrutura produtiva brasileira, sendo que os insumos industriais elaborados representam quase a metade dos bens intermediários.

A maior competição com produtos importados e a tendência estrutural e global de queda generalizada dos preços de bens industriais contribuíram para reduzir a rentabilidade dos setores industriais. No caso brasileiro, a rentabilidade das empresas industriais foi ainda afetada pela elevação das despesas financeiras em razão do elevado grau de endividamento e das taxas de juros. Para algumas empresas endividadas em dólar, a desvalorização cambial a partir de 2012 agravou as despesas financeiras. As expectativas negativas com relação à demanda e à rentabilidade afetaram as decisões de investimento industrial.

O coeficiente de penetração das importações (CPI) permite avaliar a participação do produto importado no consumo aparente do produto (produção menos exportação mais importação). O coeficiente de insumo industrial importado (CIII) mensura a participação dos insumos importados no total de insumos utilizados pelo setor na produção de um bem. A evolução dos dois indicadores, construídos pela CNI, corrobora o argumento do crescente grau de abertura comercial, sobretudo a partir de 2009, do acirramento da competição entre produtos importados e domésticos, da substituição de insumos domésticos por importados e seus impactos sobre a produção doméstica.

Gráfico 12. Brasil, Indústria de Transformação, Coeficiente de Exportação, Coeficiente de Penetração das Importações (*) e de Coeficiente Insumo Industrial Importado (**) 1996–2016, valores correntes (em %)

O aprofundamento da internacionalização produtiva reforçado pelos intensos fluxos de investimento externo ampliou a desnacionalização da base produtiva e a transferência do controle de decisões estratégicas de produção, comercialização e investimento para o exterior. O resultado do processo de desnacionalização foi o aprofundamento da especialização regressiva da estrutura produtiva e de exportação acompanhada da elevação do conteúdo e coeficiente importados, sem a contrapartida de um aumento proporcional do coeficiente exportado manufatureiro e o que é pior, dos investimentos industriais. Nesse sentido, o Brasil apresenta um padrão assimétrico e subordinado de inserção externa.

O vazamento de demanda para o exterior foi consequência das estratégias corporativas adotadas, mas que poderia ter sido evitado ou amenizado pelas políticas públicas (industrial e cambial). O resultado foi a substituição não apenas de produção doméstica por importação, mas também do investimento industrial, fundamental para promover o desenvolvimento produtivo e tecnológico da indústria brasileira.

V. Desafio da política industrial e tecnológica: interação entre as políticas de demanda e de oferta.

O desafio de reestruturar e recuperar a competitividade da indústria brasileira é enorme e urgente em um contexto internacional de mudanças tecnológicas e de acirramento da competição via preço.

A recuperação dos vetores de demanda por bens industriais (consumo de massa, investimento e exportação) é condição necessária para um novo ciclo de desenvolvimento industrial em novos patamares de escala e de tecnologia. Condição necessária, porém não suficiente. A partir da abertura comercial de início dos anos 1990, observamos, sobretudo nos ciclos de crescimento, o vazamento da demanda interna para o exterior, expresso no forte incremento do conteúdo e coeficiente importado de bens industriais, o que reduziu os efeitos internos de encadeamento industrial e tecnológico e abreviou os próprios ciclos de crescimento.

Como visto, a desejada e bem-sucedida expansão do consumo de massa no período 2004–2014 não foi acompanhada na mesma proporção do incremento da produção, do emprego e da renda domésticos; e sim com maiores importações de bens de consumo e de insumos industriais. A verdade é que a substituição de produção e investimento domésticos por maiores importações não elevou a competitividade nem tão pouco logrou uma inserção externa mais virtuosa da estrutura produtiva brasileira. O coeficiente de exportação industrial não acompanhou o coeficiente importado. O país segue fortemente deficitário na sua balança de bens industriais, sobretudo os de maior intensidade tecnológica, e crescentemente dependente das exportações de commodities agrícolas e minerais.

Nesse sentido é fundamental encontrar uma maior interação entre as políticas de demanda por bens industriais e as políticas de desenvolvimento produtivo e tecnológico doméstico. As políticas de estímulo à competição (controle da concentração de mercado e abuso econômico, esforço exportador, elevação do coeficiente e conteúdo importado, acordos de integração econômica, entre outros) devem ser combinadas com, e não subordinar, as políticas de estímulo à competitividade (aumento de escala interna e externa, estímulo à inovação, financiamento ao investimento e aos gastos com PD&I, incentivo à internacionalização de empresas nacionais).

O ciclo de investimento autônomo poderá se iniciar pela infraestrutura econômica e social. Há um reconhecido déficit de oferta nas áreas de transporte e mobilidade urbana, energia (sobretudo de fontes renováveis), TIC´s, construção residencial e saneamento básico. O Brasil investe aproximadamente 2% do PIB em infraestrutura básica (logística, energia, telecomunicações e saneamento), enquanto a média mundial é de 3,6% e no caso da China 8,5%. A infraestrutura pode e deve aumentar a sua contribuição para a taxa de investimento da economia (formação bruta de capital fixo).

Importante atentar para o duplo papel dos investimentos em infraestrutura. De um lado, contribuem para o aumento da oferta futura de bens e serviços e, de outro, para o incremento da demanda por uma gama ampla de bens e serviços industriais. Há uma inequívoca sinergia entre infraestrutura e desenvolvimento industrial e tecnológico. Além disso, a infraestrutura tem o atributo de criar novos mercados e integrar mercados já existentes, promovendo o desenvolvimento regional e reduzindo as desigualdades regionais e sociais.

Para tanto é fundamental a recuperação do financiamento e investimento públicos, estimulando e gerando sinergias e parcerias com o investimento e financiamento privado, incluindo o fortalecimento do mercado de capitais. A recuperação do financiamento e investimento públicos passa necessariamente por uma reforma tributária, que reduza os regressivos impostos indiretos e amplie a participação dos impostos sobre a renda e a riqueza na carga tributária. Importante destacar que historicamente o investimento e financiamento públicos foram sinérgicos ao investimento privado e não obstáculo ou restrição à sua evolução. Além disso, um padrão de financiamento público e privado com linhas de crédito adequadas de juros e prazo, ao favorecer o investimento e o fortalecimento de empresas e empreendimentos, estimula o desenvolvimento do mercado de capitais e não o contrário.

Com relação às exportações, a inserção mais virtuosa nas cadeias regionais ou globais de valor dependerá, de um lado, da estratégia adotada pelas filiais de empresas estrangeiras presentes em quase todos os setores industriais e, de outro, de um maior grau de ousadia e capacidade de assumir riscos para investir em recursos produtivos e ativos intangíveis das fragilizadas empresas nacionais, possibilitando aprofundar o ainda tímido processo de acúmulo de capacitações e internacionalização produtiva e comercial.

As filiais de ETN´s têm adotado as decisões estratégicas de quanto produzir e investir e de onde importar ou para onde exportar fazendo a gestão dos diferenciais de capacidade ociosa e de custo. Assim, além do fortalecimento das relações Sul-Sul (América Latina e países do Brics) e do avanço do acordo de integração econômica entre Mercosul e União Europeia, a política cambial cumprirá um papel chave para a inserção comercial mais virtuosa.

Finalmente, a recuperação do consumo de massa. A redução do nível de desemprego hoje no patamar intolerável de 12%, o retorno de uma política de reajuste real do salário mínimo, a redução das taxas de juros e dos spreads para patamares civilizados e condizentes com a prática internacional e a montagem um novo ciclo de crédito são condições básicas para a reconstrução de um mercado de massa. A recuperação do consumo beneficiará os setores de bens de consumo duráveis e não-duráveis, com elevada contribuição no valor agregado manufatureiro e no nível de emprego, bem como terá encadeamentos sobre os setores de insumos industriais. O fundamental é estancar o vazamento excessivo de demanda por insumos industriais para o exterior. Isso implica rever nossa estrutura de proteção e de políticas de defesa comercial.

Além dos estímulos dos vetores de demanda e da maior interação entre as políticas de demanda e de produção, permitindo ganhos de eficiência econômica oriundos de maiores encadeamentos produtivos e tecnológicos e de multiplicadores de emprego e da renda, outras fontes de ganhos de eficiência e de competitividade dependerão da capacidade da política industrial e tecnológica de atuar e prover incentivos em três grandes frentes.

A primeira está associada a ganhos de eficiência alocativa com a adoção equilibrada de políticas de competição. O Brasil e o Mercosul deverão avançar em novos acordos econômicos envolvendo maior abertura de setores de bens e serviços com contrapartidas estratégicas. Se é verdade que o coeficiente de conteúdo importado avançou fortemente em alguns setores de insumos industriais (eletrônicos, químico e autopeças), também é verdade que em outros há ainda um excesso de proteção sem a contrapartida de investimentos, sobretudo em PD&I, que permitissem ganhos em termos de escala e inovação (automobilística), mesmo quando se tratam de setores dominados por filiais de empresas estrangeiras.

A segunda frente está relacionada aos ganhos de eficiência técnica com maiores escalas internas e externas para a redução dos custos operacionais. Como visto, o padrão de escala global mudou de patamar e houve um acirramento da competição via preço. A consolidação de empresas e grupos econômicos em alguns setores (farmacêutica, autopeças, TIC´s, bens de capital) e o estímulo ao processo de internacionalização de empresas nacionais serão cruciais para promover ganhos de competitividade.

A terceira frente envolve os ganhos de eficiência em inovação, a partir da ampliação dos gastos em PD&I e o desenvolvimento local e a difusão de algumas das novas tecnologias (veículo elétrico e autônomo, armazenamento de energia, energia renovável, nanotecnologia e biotecnologia na agricultura, internet das coisas e a integração e processamento de grandes bases dados e informações, robótica e manufatura inteligente, nova geração de genoma, impressão 3D, materiais avançados, entre outras tecnologias).

Além de linhas de financiamento adequadas para reduzir o risco financeiro (redução de custo e prazo adequados), a utilização da subvenção econômica, recursos públicos não-reembolsáveis, para reduzir o risco tecnológico, sobretudo para as pequenas e médias empresas, será fundamental. Enfim, será necessário retomar a capacidade de planejamento de longo-prazo, a capacidade de investimento público e privado, em especial em PD&I, e a coordenação dos instrumentos e políticas públicas existentes.

Fernando Sarti é economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp

Por Instituto Lula

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