“Somos o país que mais mata ambientalistas no mundo”, diz extrativista em debate do PT
Encontro virtual foi promovido pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT. O ciclo de debates busca aprofundar e levantar lacunas do plano de reconstrução e transformação do Brasil
Publicado em
A importância do oceano, os recursos do mar e da gestão costeira para o Brasil foi tema de um encontro virtual organizado pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores (SMAD-PT). O ciclo de debates, lançado em abril, tem o objetivo de divulgar, aprofundar e levantar lacunas do plano de reconstrução e transformação do país para combater a crise sanitária, econômica, política e ambiental no Brasil e no mundo.
No debate, Leandra Gonçalves, pós doutoranda do Instituto Oceanógrafo da Universidade de São Paulo (USP) falou sobre a vastidão do oceano, que sempre foi visto como uma fonte ilimitada de recursos e, pelas atividades predatórias humanas, sofre diversos impactos na biodiversidade afetando, inclusive, as populações humanas.
“A cada duas respiradas que damos, uma vem do oceano. As políticas públicas devem pensar na compatibilidade de uso e equilíbrio dos oceanos. De 17 Estados, 400 cidades estão na zona costeira. Além da extensão, o Brasil maneja todo esse território da Amazônia Sul, mas que são 5 milhões de km², metade do território nacional, ou, uma Amazônia. Por isso, os problemas são complexos. Há variedades de uso, e por esse motivo a governança da zona costeira deve ser dialogada. Tem áreas altamente urbanizadas, o que vulnerabiliza ainda mais esses locais”, explica.
Calor
A absorção de calor do oceano foi comparada a centenas de bombas de Hiroshima, diariamente, pela engenheira de Pesca e mestre em Ciências da Engenharia Ambiental, Ana Paula Leite Prates.
Também doutora em Ecologia, a especialista trabalha há mais de 26 anos com políticas públicas para a conservação da biodiversidade costeira e marinha. Ela explica que com a elevação do nível do mar chegam os eventos extremos, todos.
“A sociedade parece aceitar o aumento de 1,5°C que estamos chegando e não fazem ideia de como impacta. Esse mês, vimos tanta gente morrendo no Canadá de calor. Quantos organismos marinhos morreram em Vancouver, com 1 bilhão de moluscos e equinodermos, vários salmões cozidos, literalmente, de tanto calor. E aqui um frio intenso, neve onde nunca nevou”, comentou.
A engenheira falou ainda sobre a necessidade de uma inflexão sobre o oceano e a Amazônia.
“E o pior é que estamos fragilizados na institucionalidade de proteção aos mares, e o derramamento de petróleo em 2019 que chegou em mais de 40 UCs segue sem solução. Não temos ainda um programa nacional de monitoramento ou de contingência. Sem falar no crime da Samarco que chegou até Abrolhos, na Bahia. Em São João da Barra, mais de 500 construções já foram engolidas pelo mar. Não vou dizer que antes a gestão pesqueira era boa, mas agora simplesmente não existe”, lamentou.
Questões jurídicas
Outro assunto debatido no encontro virtual tratou as questões jurídicas como fundamentais na gestão e na preservação costeira. Para a doutora e professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Carina Oliveira, que pesquisa o tema no contexto da conservação e do uso sustentável do ambiente marinho, é necessário criar um fundo nacional para a gestão marinha.
“É importante a coordenação de um órgão colegiado das políticas, com participação de pesquisadores e sociedade civil, um órgão que integra os órgãos do Estado e a sociedade. O plano de reconstrução do Brasil precisa aprofundar a política externa com a participação técnica, bem como maior protagonismo do país em vários temas como o princípio do não retrocesso e aprofundamento das políticas ambientais”, disse.
Trabalhadores artesanais
Carlos dos Santos, extrativista, pescador e líder da Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiras e Marinha (Confrem), contou sobre o aprendizado com o mar, com a pesca e sobre a exclusão dos profissionais artesanais pelo Estado. Contou ainda que há mais de um milhão e meio de trabalhadores artesanais, responsáveis por 70% do pescado que vai para a mesa do brasileiro.
“E nós vivemos um histórico de exclusão. E para falar de oceano precisamos entender quem tem uma relação mais íntima com esse ambiente e, infelizmente, vivemos descaso do Estado brasileiro. Isso envolve um modo de vida que é indissociável do mar e da costa. A Lei da Pesca oficializa a pesca artesanal como profissão, mas a lei não corrige muita coisa. Não tem estatística pesqueira”, lamentou.
O extrativista ressaltou que transformaram a gestão da pesca em negociação política e que não consideraram os diferentes ambientes e a riqueza da pesca.
“Chegamos, hoje, com a pesca extremamente fragilizada e os trabalhadores sem seus direitos. Estamos nas décadas dos oceanos estabelecida pela ONU e não tenho pudor em dizer que vivo um dos piores momentos de minha vida. Vejo falar de lixo, mas eu vejo porque eu vivo no mar. O lixo que chega em nossas comunidades não foi gerado por nós”, disse.
O debate foi encerrado com a fala de Carlos, que relembrou sobre a fama do Brasil na morte de ambientalistas.
“Somos o país que mais mata ambientalista no mundo, e isso não é de agora, é governo após governo. Definir política ambiental de uma cadeira é fácil, mas a gente coloca a vida da gente para defender esses biomas, e nossa vida tem sido muito barata”, encerrou.
Ciclo de debates
O evento, promovido pela SMAD do PT, é organizado em parceria com o Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Meio Ambiente (NAPP), a Fundação Perseu Abramo (FPA) e a Fundação Friedrich Ebert do Brasil.
O próximo e último debate será realizado no dia 26 de agosto e terá como tema as Estratégias Inovadoras de Transição – experiências internacionais. Participe deste importante Ciclo de Debates, às 15h, na TVPT.
Da Redação