Tarifaço de Trump cria era de incertezas no tabuleiro geopolítico, diz especialista
Ao Café PT, professor de Relações Internacionais, Rubens Duarte, analisa os impactos econômicos e políticos das novas tarifas norte-americanas
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A guerra comercial iniciada pelos Estados Unidos contra a China ganhou um novo capítulo com o anúncio de tarifas de 104% por parte do presidente Donald Trump. No programa Café PT desta quarta-feira (9), o professor de Relações Internacionais, Rubens Duarte, analisou os impactos das medidas, o cenário mundial instável e como o Brasil pode reagir diante da nova configuração geopolítica.
“A ordem mundial que a gente tem hoje, como a gente conhece, foi fundada no pós-Segunda Guerra Mundial (…), uma ordem liberal baseada em regras que foi feita pensando em favorecer os Estados Unidos. O problema é que a China (…) aprendeu a jogar o jogo segundo a regra do jogo, e os Estados Unidos agora sentem que essas regras não estão favorecendo mais a ele”, contextualizou o professor.
Segundo Duarte, o objetivo de Trump é mudar as regras do comércio internacional para voltar a beneficiar exclusivamente os Estados Unidos. A China, como maior potência comercial do mundo em paridade de poder de compra, tornou-se o principal alvo.
Diante do aumento das tarifas, a China se prepara para reagir de forma calculada. “Ela está disposta a comprar essa briga comercial (…). Está sendo muito cirúrgica em retaliar”, afirmou Duarte. Entre os alvos chineses estão produtos importantes para estados tradicionalmente republicanos, com o objetivo de pressionar politicamente Trump dentro de sua própria base de apoio.
“A China vai sentir o tarifaço do Trump, mas também sabe que os Estados Unidos sofrem com isso”, disse.
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Impacto imediato e duradouro no Brasil
O professor também alertou para os efeitos das medidas no Brasil. “A tarifa do Brasil foi menor, 10%, mas os Estados Unidos são nosso segundo maior mercado consumidor depois da China”. Com isso, produtos brasileiros com maior valor agregado devem enfrentar mais dificuldades de exportação, o que pode gerar perda de empregos e aumento da inflação.
“A gente vai sofrer uma forte pressão de reprimarização da nossa agenda”, explicou.
De acordo com o professor, apesar disso, oportunidades podem surgir. A soja brasileira, por exemplo, pode ganhar espaço no mercado chinês diante da diminuição das compras da China aos EUA. Ainda assim, Duarte alerta para os efeitos colaterais: “Isso gera mais pressão para o mercado interno, inclusive para a questão fundiária, para a alimentação, para o mercado consumidor interno”.
Inflação e fuga de capitais no horizonte
Para o especialista, o aumento das tarifas em escala global deve pressionar os preços em todo o mundo. “A gente pode esperar uma inflação no Brasil e mundial”, apontou. Com a instabilidade criada por Trump, investidores devem buscar ambientes mais seguros, o que pode gerar fuga de capitais do Brasil e, novamente, pressão inflacionária.
“Um movimento que é normal é retirada de ativos considerados mais instáveis (…), isso pode gerar uma pressão cambial e de novo uma pressão inflacionária”.
“A única certeza é a imprevisibilidade”
O comportamento errático de Trump, segundo Duarte, intensifica ainda mais o cenário caótico. “Ele dá uma determinação, fala sobre um determinado valor de tarifa, depois volta atrás. Isso acaba fazendo com que os mercados fiquem uma loucura”, disse.
Sobre o tempo necessário para os impactos chegarem à população brasileira, o professor afirmou: “Os primeiros sinais já vão começar quase que de imediato. O impacto maior, até o final do ano, acredito que seja mais visível”.
O professor ressaltou que os próprios Estados Unidos devem enfrentar consequências internas significativas. “A inflação é uma certeza. A previsão de instituições como o Federal Reserve é que esse ano já começa uma recessão econômica nos Estados Unidos”, afirmou.
Isso deve afetar o eleitorado não ideológico. “Quando começar a ter inflação, que é uma certeza, isso sim vai ter um impacto no apoio que o Trump recebe nas próximas eleições”.
Assista a íntegra da entrevista:
A exclusão da Rússia
Durante a entrevista, Duarte também comentou o fato de países como Rússia e Belarus terem ficado de fora do tarifaço. “Oficial, não [teve motivo]. Isso é muito curioso. (…) Existe uma certa admiração que não se sabe direito de onde vem. Se é medo, se é respeito, se é rabo preso”, afirmou, ao falar da relação entre Trump e Putin.
Em relação à postura brasileira, o professor elogiou a atuação do governo Lula. “Eu acho que a resposta do governo atual está sendo a melhor possível dentro das possibilidades”, avaliou.
Segundo ele, o país deve diversificar suas relações comerciais. “Não é possível que a gente fique tão dependente de um parceiro só. (…) Ir para a Ásia, abrir novos mercados, fazer novos acordos comerciais (…) é importantíssimo”.
Em relação à Lei da Reciprocidade aprovada pelo Congresso Nacional, Duarte reforçou a necessidade de respostas ponderadas. “Acho importante a gente ter algum tipo de resposta, porque se a gente não responder passa uma imagem de passividade (…). Mas essa resposta tem que ser calculada, inteligente”.
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Mercosul e Brics diante do novo cenário
Duarte também falou da dificuldade atual de integração sul-americana, diante de lideranças como Javier Milei (Argentina) e Nicolás Maduro (Venezuela). “A nossa região hoje está com instabilidade reinando”, disse.
Por outro lado, o Brics pode representar uma alternativa interessante, conforme Duarte. “Existe um ditado inglês: trade follows the flag. O comércio segue a bandeira. A gente tem um foro muito interessante que é o Brics para aumentar nossas possibilidades e contornar algumas mazelas trazidas pelo Trump”.
Encerrando a entrevista, Rubens Duarte explicou o uso do termo “guerra comercial”. “É uma disputa tão grande que a gente considera uma guerra. Mas guerra é um conflito bélico, a gente não chegou lá”.
“Estamos vendo uma disputa sem precedentes (…). A primeira coisa que a gente vai ver é uma inflação mundial (…). Vamos ver sim aumento da fome, retração de índices sociais. Infelizmente isso vai ser uma realidade nos próximos anos”.
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Da Redação